Como uma ONG de Porto Alegre trabalha a agenda ambiental urbana

Juliana Irala
poadobem
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7 min readJun 13, 2019
Há 10 anos, o Centro de Inteligência Urbana de Porto Alegre (Ciupoa) trabalha a capital gaúcha frente às mudanças climáticas, trazendo o foco global para o local (Foto: Fredy Vieira/JC).

De 1880 a 2012, a temperatura média global aumentou 0,85°C. Com isso, oceanos foram aquecendo e quantidades de neve e gelo diminuindo. De 1901 a 2010, devido ao derretimento das calotas polares, a média global do nível do mar aumentou 19 cm. Desde 1979, a área total do gelo marinho no Ártico têm diminuído sucessivamente, com 1.07 × 106 km² de perda de gelo a cada dez anos.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, dadas as concentrações atuais e as emissões contínuas de gases de efeito estufa, até 2100, é provável que a temperatura média global aumente de 1 a 2°C. Até lá, com os oceanos continuando a aquecer e as calotas polares continuando a desaparecer, o nível do mar aumentará de 24 a 30 cm até 2065.

Divulgado em outubro do ano passado, em Incheon, na Coreia do Sul, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alteou a pequena janela de oportunidades que a população mundial tem para sair de um caminho insuprível de aquecimento.

O documento, aprovado por 195 governos, limita o aumento médio da temperatura global a 1,5°C em vez de 2°C, como fora estabelecido no Acordo Climático de Paris, em 2015. Um aquecimento global de 2°C faria com que pelo menos um verão no Ártico fosse completamente livre de gelo a cada dez anos, enquanto que, com 1,5°C, isso aconteceria apenas uma vez a cada cem anos.

Segundo o documento, que deve orientar a tomada de decisões dos governos em seus compromissos climáticos nacionais, a meta ambiciosa de limitar o aquecimento global a 1,5°C requer mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade — do consumo de energia ao planejamento urbano.

E as previsões não são nada boas. Conforme reportagem publicada pela BBC, as nações não estão no caminho certo para atingir as metas estabelecidas. “Se somarmos todas as promessas para reduzir as emissões de gases que provocam efeito estufa pelos países que assinaram o Acordo de Paris, o mundo ainda esquentaria em mais de 3°C até o fim deste século”, escreve o jornal.

Se as emissões de carbono continuarem iguais às atuais, sem quebras nos pontos de inflexão, acontecerão impactos inconvertíveis para as pessoas, para o meio ambiente e para a economia, com potencial de levar a humanidade a limites onde a adaptação não é possível.

Fora que, mesmo se as emissões forem cessadas imediatamente, a maioria das consequências da mudança climática vão continuar a assolar o mundo por muitos séculos.

Por aqui

O desmatamento continua como a principal causa de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Em setembro do ano passado, por exemplo, deputados da Assembleia Legislativa de Rondônia fizeram desaparecer mais de meio milhão de hectares de áreas protegidas da Amazônia, ao riscar do mapa onze unidades de conservação do estado.

O que mais chama a atenção é que a tramitação aconteceu em tempo recorde. Protocolado na Assembleia às 10h30 da manhã, o projeto estava aprovado já à tarde. Atitudes como essa passam a régua para o desmatamento ilegal, fomentam a perda de biodiversidade e colocam o país em um passo contrário ao que foi acordado nas conferências ambientais.

Como um dos principais atores nas negociações internacionais climáticas da ONU, o Brasil enfrenta outro problema: a agricultura. Aqui, o país precisa implantar, de maneira efetiva e em grande escala, a agricultura de baixo carbono e formas mais eficientes e limpas de energia, especialmente a solar.

Por Porto Alegre

Não é tirar peso das costas dos governos. Sim, eles precisam implementar grandes mudanças, mas cada indivíduo também pode fazer sua parte ao adotar vicissitudes rápidas, abrangentes e sem precedentes no estilo de vida.

Foi com esse pensamento que um grupo de ativistas ambientais fundaram, há 10 anos, o Centro de Inteligência Urbana de Porto Alegre (Ciupoa), que trabalha a cidade frente às mudanças climáticas. Ao criar redes com governos, universidades, comunidades, outras instituições do terceiro setor e iniciativa privada, o projeto quer levar maior resiliência nas comunidades, fomentando a participação popular.

O Centro tem o propósito de trazer uma nova visão sobre mudanças climáticas, que não se reduz a apenas plantar uma mudinha — ainda que isso seja importante –, mas sim de mudar a cultura. “Mudança climática é mudança de cultura”, enfatiza Tânia Pires, fundadora e diretora-presidente do Ciupoa.

Tania trabalhou por dez anos no Greenpeace e conta que, no período em que estava lá, viu a organização mudar a postura de uma luta global para uma local, ao entender que as respostas para o aquecimento global estavam mais próximas. E foi com essa lógica que Tânia e mais oito voluntários decidiram fundar a ONG.

“Trabalhamos como um guarda-chuva de clima”, diz Tânia. Debaixo desse guarda-chuva, a resiliência comunitária é trabalhada com foco nos nove pilares da Felicidade Interna Bruta (FIB) — conceito de desenvolvimento social criado para contrapor o Produto Interno Bruto (PIB). Os pilares são: meio ambiente, saúde, educação, cultura, governança, vitalidade comunitária, bem estar psicológico, uso do tempo e padrão de vida.

A ONG não calcula o índice, mas utiliza dos nove pilares para trabalhar a resiliência comunitária por acreditar que, ao manter os pilares do FIB equilibrados, melhoram a resiliência da comunidade. “E quando você melhora a resiliência, você prepara melhor a comunidade para as mudanças climáticas”, diz Tânia.

E esse agir local é pensar não só na resiliência individual, mas na resiliência da rua ou da cidade onde vive. “As cidades impactaram selvagemente o planeta, porque viemos atrás do mercado, do dinheiro, da ganância. O ser urbano é uma uma desuniformidade do ser humano. São pessoas que, na sua grande maioria, estão totalmente voltadas para elas mesmas, e o grande problema do aquecimento global é o egoísmo”, diz Tânia.

Aqui, segundo um relatório da Maplecroft, empresa de consultoria de risco global do Reino Unido, são as cidades com crescimento mais acelerado que apresentam riscos climáticos mais graves. Exemplo disso são megacidades como Lagos, na Nigéria. De acordo com um relatório da Maplecroft, cerca de 84 das 100 cidades que mais crescem no mundo enfrentam riscos “extremos” de aumento das temperaturas e de fenômenos climáticos extremos.

Pela zona sul

Uma das principais iniciativas do Ciupoa é o Projeto Morro da Cruz, que surgiu em 2012, da relação da ONG com o geólogo Rualdo Menegat, que foi coordenador da elaboração do Atlas Ambiental de Porto Alegre.

O projeto iniciou timidamente, com um foco reduzido. A ONG tinha intenção de trabalhar diretamente com áreas de risco e seus impactos na comunidade local. Com o tempo, foram percebendo que, para uma comunidade entender o risco, era preciso muito mais do que dizer a eles que o local era perigoso.

Assim, passaram a trabalhar a resiliência da comunidade, construindo uma cultura de cuidado do local onde de moradia. Nos anos seguintes, a ONG criou parcerias com escolas próximas e com outros projetos já existentes dentro da comunidade, como o Laboratório de Inteligência do Ambiente Urbano (LIAU), Projeto Reviver e o Coletivo Antropológico.

Outro projeto da ONG, direcionado a Zona Rural de Porto Alegre, é o Centro de Altos Estudos em Resiliência e Mudanças Climáticas, que tem como foco principal a pesquisa de sementes orgânicas. O projeto é voltado a universidades, alunos, professores e pesquisadores que tenham a intenção de fazer suas próprias pesquisas. A ONG disponibiliza, dentro de uma propriedade certificada, a terra, dentro das normas da agricultura orgânica.

“Nós optamos por estar dentro da comunidade, porque vale muito mais a pena do que estar dentro da prefeitura”, diz Tânia.

Mas isso não impediu a ONG de participar da criação de algumas lei e anteprojetos. Um exemplo é a lei Zona Rural Livre de Agrotóxicos, em que a Ciupoa teve participação.

A lei tem como fim incentivar o cooperativismo na produção e comércio agroecológicos e recuperar os recursos hídricos da região. Foi dado um prazo de 15 anos para os agricultores se adequarem a produção orgânica. Agora, a ONG quer incentivar diferentes formas de agricultura sustentável viáveis de serem desenvolvidas na Zona Rural, que corresponde à área de cerca de 9% do munícipio.

Pensar global, agir local

O Ciupoa nasceu da necessidade trazer o foco global para o local, mas o que isso significa? Tânia explica:

Qual é o grande problema do mundo? Qual é o grande problema do planeta? Ou melhor, vamos tirar o planeta, porque ele está pouco ligando. Ele não está com problema nenhum. O nosso problema está em nós mesmos, na nossa sobrevivência, na nossa subsistência, dentro desse lugar que nos foi doado, e que estamos destruindo.

A mudança climática não é mais mudança climática. É crise climática. É para ontem. Nós temos dez, quinze anos para voltar para um ponto com bom retorno. E isso não é nada. É um piscar de olhos para o planeta. E nós estamos brincando. Não é mais hora de brincar. Não é catastrofismo. É realidade. Não é mais assim “quem sabe não vou utilizar o canudinho”. Você tem que ter noção, quando você estica o braço na prateleira do mercado, o impacto que vai causar com isso.

E não adianta fazer sua parte em silêncio. Não dá mais tempo para o silêncio. Diz com uma voz um pouquinho mais alta, quando o rapaz do supermercado te oferecer duas sacolas plásticas: “não quero saco plástico, porque elas impactam o planeta e entopem os bueiros”. Alguém ouviu.

Isso é pensar local, mas com objetivo global.

Produção por Ana Luísa Ribeiro Martins, Naesha Carvalho e Laura Lima
Texto por Juliana Irala
Arte por Fabiana Marsiglia

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