A favor do slow journalism

Especializado em jornalismo investigativo, Crític busca produzir conteúdo focado mais na profundidade que na audiência

Júlia Ramona Michel
Pochete Jornalismo
5 min readNov 28, 2019

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Por Júlia Ramona Michel e Jéssica Zang

“Fazemos jornalismo para ajudar os cidadãos a se empoderar e lutar contra o pensamento hegemônico e banal com que os poderes políticos e econômicos querem mantê-los sujeitados”. A partir dessa afirmação do sócio-fundador do Crític, Joan Vila Triadú, é possível compreender a proposta editorial do veículo de comunicação especializado em jornalismo investigativo, com sede em Barcelona, na Espanha.

O principal canal de comunicação do veículo é o seu site, onde são publicadas pesquisas, relatórios, notícias, entrevistas, perfis, artigos de opinião e análises de dados sobre aspectos sociais, além de temas relacionados à política e economia. Crític também utiliza as redes sociais, como Twitter, Facebook, Instagram, Telegram e YouTube, para divulgar seu conteúdo jornalístico, que, na prática, é financiado principalmente por assinaturas, além de publicidades.

Uma das entrevistas mais lidas de 2019 no site do Crític foi com a escritora e jornalista espanhola, e defensora dos direitos das mulheres, Cristina Fallarás. Abaixo, é possível conferir um trecho do texto, publicado em março desse ano.

Crític: Eu gostaria de falar com você sobre vários feminismos…

Cristina Fallarás: Feminismo.

Crític: Apenas um?

Cristina: Apenas um.

Crític: Porque?

Cristina: Diga-me quais são os outros.

Crític: O de mulheres racializadas ou pobres …

Cristina: Feminismo. O debate entre abolição ou regulamentação não é nosso, e eles nos impuseram a nos dividir. O debate sobre transfobia ou não transfobia é próprio, e eles o impuseram. Há feminismo, há uma luta anti-racista, há uma luta de classes. O feminismo deve ser anticapitalista por definição porque o capitalismo é patriarcal e deve ser anti-racista porque existe solidariedade transnacional e anti-racismo transversal que nenhum movimento tem e é profundamente … não é mais ateu, mas anti-religioso.

Ao ser idealizado, há cinco anos, por três jornalistas, Crític busca evitar o “fast food informativo e o chamado jornalismo em tweets”. A redação é formada por seis parceiros de trabalho, além de quatro profissionais que colaboram regularmente como freelancers — em questões como contabilidade, correção linguística ou ciência da computação.

Na produção e publicação de seus conteúdos, o veículo lança um olhar sobre diferentes temas com profundidade, contrastando a opinião de fontes e “sem cair no panfleto”. Assim, embora a grande mídia, hoje, esteja focada em divulgar informações rapidamente principalmente em plataformas digitais, o trabalho do Crític se concentra no “slow journalism”.

“O mundo digital é caracterizado pela rapidez e brevidade. Isso empobrece a informação e a possibilidade de refletir sobre conflitos e problemas. Nós, do Crític, estamos indo na direção oposta: queremos chegar atrasados, mas elevar o contexto e os dados para analisar bem os problemas e, ainda, dar voz às pessoas que normalmente não têm espaço na mídia convencional. É, por isso, que publicamos um ou dois conteúdos por dia — nunca mais do que isso, arduamente checados e elaborados, seja um relatório, uma entrevista aprofundada e/ou um texto de opinião”, argumenta Triadú.

Além de acreditar que jornalismo de qualidade traz mais informação e maior liberdade de tomada de decisões para os cidadãos, Triadú acredita que “a gestão democrática e horizontal de uma cooperativa é a que melhor se adapta aos valores e princípios com os quais fazemos o meio de comunicação”. Dessa forma, o veículo é resultado da colaboração de cerca de 50 parceiros que contribuíram, em 2014, com um mínimo de mil euros de capital social cada. Ainda no ano que foi criado, a partir de uma campanha de crowdfunding, o veículo arrecadou mais de 40 mil euros de 1.400 pequenos investidores.

A fim de aprovar as contas do exercício fiscal anterior e atual, Crític realiza uma assembleia geral ordinária uma vez por ano. Além disso, decisões sobre a linha econômica da empresa, mão de obra e investimentos também são tomadas em assembleia. O conselho editorial do jornal também se reúne em assembleias, duas vezes por ano, para tratar sobre a linha editorial.

A economia solidária está tão presente no Crític que uma editoria sobre o assunto foi criada. “É uma seção que fazemos em conjunto com uma cooperativa chamada Labcoop e cuja missão é ajudar a criar novas cooperativas em todos os setores da economia social e solidária. Tudo o que contribui para um novo modelo econômico, mais solidário e menos competitivo parece-nos interessante de lidar.” Crític, enquanto cooperativa, desenvolve diversas atividades — desde serviços editoriais a consultoria em comunicação e/ou treinamentos.

Outra editoria inovadora é a chamada Joves a contracorrent em livre tradução jovens no balcão — que tem como proposta despertar o interesse de jovens leitores. “Temos muitos jovens leitores, mas não muitos assinantes pela simples razão de que têm menos poder de compra para investir em assinaturas de jornais, mesmo que sejam apenas 55 euros por ano. Foi, por isso, que fizemos esta seção, visando também discutir seus problemas, com o apoio econômico do Departamento de Juventude da Generalitat, do Governo Autônomo da Catalunha, explica Triadú.

Nativo do meio digital, Crític disponibiliza seu conteúdo apenas em versão online, apesar de investir na produção de uma revista anual chamada Dossiê Crítico. Sendo assim, o relacionamento com os leitores se dá principalmente por meio das redes sociais, além de outros canais, como boletins que são enviados três vezes por semana por e-mail. “Há também a possibilidade do público se conectar diretamente com a redação por correio, email, telefone, e o canal Telegram, que atualmente conta com 1.500 assinantes que podem enviar até uma mensagem por dia”, esclarece Triadú.

Estruturado no formato de uma cooperativa, Crític pode incentivar iniciativas brasileiras por se tratar de um veículo de comunicação especializado em jornalismo investigativo e de profundidade. Além do mais, pode ser considerado inovador por incentivar jovens usuários a pagar para acessar conteúdo informativo digital.

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