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Novas linguagens como expressão jornalística

Edson Rossi, editor da IstoÉ Dinheiro, apresenta as principais inovações que o jornalismo pode vivenciar nos próximos anos

Tainah Gil
Pochete Jornalismo
Published in
11 min readOct 24, 2019

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Dentro das salas de aulas, surgem dúvidas sobre o futuro de nossas profissões: as inovações são uma contribuição ou ameaça para o nosso futuro profissional? A essência do jornalismo pode continuar a mesma com a imersão em um mundo digital?

Para responder essas e outras questões, fomos delegados a conversar com jornalistas para descobrir quais são as tendências e o que podemos esperar de inovador para os próximos anos.

Edson Rossi é jornalista, graduado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Trabalha com o jornalismo desde 1986, e já passou pela área de relações públicas (assessoria de imprensa) e impresso (jornal e revista). No mundo digital, atuou em portais e foi diretor de conteúdo. Leciona desde 1997 e, atualmente, é professor dos cursos de jornalismo, mídias digitais e publicidade na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Além disso, é editor de tecnologia da revista semanal IstoÉ Dinheiro, da Editora Três.

Pochete Jornalismo: Quais são, na sua opinião, as possíveis tendências que o jornalismo pode vivenciar em 2020?

Edson Rossi: Para nós que cobrimos tecnologia, prever o que vai acontecer daqui a cinco, 10, 25 ou 50 anos é fácil. Difícil é prever o que vai acontecer daqui a um ano, porque a gente está tão no “olho do furacão”, que não consegue vislumbrar coisas que daqui a pouco são realidade, e que hoje só são percepções ou tendências.

Mas no curto prazo, o que eu vislumbro, é que marcas que têm peso em outras atividades vão assumir alguns segmentos jornalísticos, e acho que os últimos serão política e economia. Grandes marcas vão assumir a produção de conteúdo, e isso vai rivalizar com o de grande veículos em termos de qualidade. É claro que as implicações morais que isso pode causar vão ser discutidas e debatidas.

Vou te dar os exemplos, o primeiro, de maneira positiva. O Hospital Israelita Albert Einstein é um grande hospital em São Paulo — um dos três maiores da cidade — , e é uma marca bastante forte. Ele acaba de anunciar um portal de notícias relacionadas à saúde, bem-estar e vida saudável (Agência Einstein). Aqui você tem uma marca, do segmento hospitalar, produzindo conteúdo jornalístico. Não é conteúdo institucional falando “o Einstein é lindo, maravilhoso”. Evidentemente, o retorno de marca acontece porque o hospital estará falando de temas importantes para as pessoas; mas vão se comportar como veículos de comunicação.

Lançada na segunda quinzena de setembro, a Agência Einstein traz conteúdos sobre saúde, bem-estar e vida saudável. Fonte: Portal Imprensa

Esse é um dos exemplos que o jornalismo vai vivenciar. Ou seja: por que eu buscaria notícias de saúde na Folha de São Paulo ou no G1, e não nesse portal do Einstein, se ele já passa a percepção para o grande público de ser um verdadeiro conhecedor, grande autoridade na área da saúde?

Qualquer grande marca pode ser um veículo, e o Einstein está assumindo esse papel. Para mim, essa é a grande tendência pro próximo ano. E os primeiros experimentos começam a nascer agora.

Outra tendência, aí para o lado não tão positivo: um site chamado Infomoney, que é um website de economia e traz assuntos da área, é muito visitado por quem acompanha esse segmento. Porém, tem por trás a XP Investimentos, que é uma corretora, ou seja, é um grupo interessado em reportar aquelas notícias. É uma grande marca se apropriando de conteúdo e produzindo, na mesma tendência do Einstein, apesar de não usar a marca-mãe. Não é XP que está veiculando, é a Infomoney. Aí você pode ter uma relação de desconfiança e se perguntar: “Será que essa notícia de economia interessa a corretora ou interessa a mim, como pessoa física? Como consumidor de informação?”

Então, acho que essa tendência de grandes marcas se apoderarem do fato de ser veículo tem implicações boas e ruins, como tudo. Mas acho que essas são as grandes tendências para um ano.

Pochete: Você acredita que o jornalismo impresso está mais próximo de acabar? Ou acha que ele irá se reinventar e se adaptar ao mundo digital?

Edson: Acabar, eu acredito que não. Mas ele não vai ficar nem maior nem igual, vai ficar menor. Acho importante a gente dividir as coisas: uma coisa é você falar do jornalismo impresso. A Folha de São Paulo e o Estadão, por exemplo, se tornaram uma marca digital. A gente pode pegar um exemplo de fora: O The New York Times é um impresso que assumiu sua postura digital. Nesse sentido, um impresso como papel, vai diminuir. Mas marcas que nasceram no impresso como a Folha, O Globo, Estadão, Washington Post, têm a oportunidade de também continuarem a serem marcas relevantes no ambiente digital.

A questão passa ser o quão relevante elas serão no ambiente digital em relação ao que elas foram no ambiente impresso. Acho que a discussão está mais por aí, do que para o fim do papel. Isso vai diminuir, até por uma questão de sustentabilidade, de portabilidade, de distribuição. É muito caro distribuir uma assinatura impressa. Eu, por exemplo, assino o The New York Times por um dólar por semana. Eu jamais poderia assinar por esse valor se fosse a versão impressa, somente. Só consigo acessar por este valor porque ele é digital.

Agora, se os veículos vão ser relevantes digitalmente, aí você tem uma segunda questão que é:

“O quão preparados eles (veículos impressos) estão para fazer jornalismo para ambientes digitais (isso não tem nada a ver com matérias curtas ou longas tem a ver com matérias boas)?

O profissional que nasceu na era do impresso demora mais para assimilar que o jornalismo abrange todos os formatos. Ele ainda tem a cabeça na pirâmide invertida, no lide e em questões que são relevantes no jornalismo, mas não onipresentes.

Mas tem um ponto dois atrelado a isso: a transição entre você ter sido relevante só no modo “print” e se tornar relevante digitalmente envolve uma sustentação financeira que estas empresas, na maioria das vezes, não possuem. Na Folha de São Paulo, acredito que seja um dos grandes veículos impressos no Brasil o que mais encontro um modelo de transição, porque dentro do grupo Folha existem operações digitais de cursos, de PagSeguro (que é sistema de pagamento), hospedagem de dados.

Então, para mim, sobre a questão do jornalismo impresso morrer ou não, respondo que irá diminuir. Não acho que vá acabar. E esta questão está atrelada a duas situações: a) se a modelagem e a adaptação desses veículos do print para o digital vão acontecer com a manutenção da relevância — acho que em alguns casos sim, em outros não -; b) financeiramente, as empresas precisam de um suporte financeiro que não virá, num primeiro momento, do dinheiro feito pelo formato print.

Pochete: Você acredita que as assinaturas digitais, por exemplo, são uma possível estratégia para os veículos impressos?

Edson: Acredito que sim. Eu diria que as assinaturas digitais são obrigatórias para os veículos impressos. Não acredito que nenhuma plataforma informação noticiosa consiga sobreviver sem assinaturas. Aquele modelo totalmente free, aquele modelo baseado em portais, ele não se sustenta, porque o dinheiro da publicidade é diferente do dinheiro gerado por views. Esse modelo de pageviews, de audiência livre, totalmente gratuita — cujo melhor exemplo é o jornal inglês The Guardian -, precisa de muita visitação.

Dificilmente o Google e Facebook perderão para essas plataformas, porque eles conseguem volume por um preço muito pequeno e com uma assertividade de público muito grande . Então, é difícil que algum veículo os vença. A receita com assinaturas raramente vai cobrir a escala anterior de custos dessas empresas jornalísticas, porque elas ficaram muito inferiores ao que eles faziam com publicidade. Mas é uma receita importante, relevante, crescente. Então nenhum veículo jornalístico informativo vai poder, na minha opinião, abrir mão de receitas de assinaturas.

Pochete: O uso de Inteligência Artificial nas redações e a substituição de profissionais por “bots” está próximo de acontecer?

Edson: Eu diria que está próximo, mas não por curtíssimo prazo. É um fato que, fazer um texto baseado em pirâmide invertida, lide, com base num repositório de informações, para um robô é muito melhor, mais eficiente, mais rápido. Além disso, vai cansá-lo menos para produzir textos nesse padrão do que para um jornalista, e eu acho que isso vai substituir, sim, muitas funções.

Mas evidentemente, a captação de informação, o abastecer isso, o senso crítico… Ainda acredito que o avanço da inteligência artificial para substituir esse tipo de papel jornalístico está mais distante. Não sei dizer se virá ou não. Mas não acredito que aconteça num curto prazo.

Em outras palavras, acho que essas modelagens, num curto prazo, vão substituir papéis dentro do jornalismo, mas são justamente os papéis mais baixos, no sentido de “você não precisa ter uma grande inteligência cognitiva para escrever o texto sobre o resultado de um jogo de futebol, ou sobre a previsão do tempo, uma agenda política ou econômica que vai acontecer… Ou, mesmo, sobre o comportamento da bolsa de valores”.

Na verdade, é mais fácil um bom programa, um bom software desenvolver um racional a respeito do comportamento da bolsa de valores, do que um jornalista (ouvindo informação de três ou quatro fontes, muitas vezes viciadas dentro de mesas de banco ou corretoras), reproduzindo frases de pessoas que têm outros interesses. É uma resposta de dois caminhos: sim, eu acredito que se substituirá mas, em alguns casos, não no curto prazo.

Pochete: A interatividade através das redes sociais e a participação do público na produção das notícias irá aumentar?

Edson: Eu não acredito que a participação do público irá aumentar dentro de marcas mais fortes, eu acredito o oposto: que ele ficará cada vez mais restrito à zona de comentários. As empresas sabem que os comentários geram muita audiência. Muita gente acessa, então isso é bom porque dá um clique e isso é um “centavinho” a mais na receita financeira.

Mas todas as empresas também já perceberam o óbvio: o quanto as áreas de comentário são deprimentes, mancham e estragam a marca mais do que a ajudam. Em outras palavras, a receita que elas trazem com a audiência talvez seja muito inferior ao estrago que elas provocam nas marcas. Então, acredito que aquelas que vão se dedicar às questões noticiosas informativas, sejam elas veículos ou grandes marcas, como eu citei, não vão querer tanto a participação da audiência nisso.

No entretenimento, evidentemente, isso vai crescer muito mas no jornalismo, não. Por outro lado, eu penso, também, que a maioria das pessoas já percebeu que eles já são veículos e que têm opinião. Num espaço de universo digital onde as pessoas que têm mais relevância do que marcas que já foram consagradas. E mesmo as que não têm tanta influência, perceberam que elas têm poder de se manifestar, de comentar sobre qualquer tema, incluindo temas noticiosos informativos. Por isso, as marcas vão poder se livrar um pouco dessas pessoas atuando dentro dos seus espaços. Porque essas pessoas já sabem que podem ocupar os próprios espaços.

Pochete: A realidade aumentada também será uma tendência no jornalismo?

Edson: Absolutamente, sim. Realidade aumentada, virtual. Toda a tecnologia que provoca imersão vai fazer o jornalismo se modificar. Digamos o seguinte: se eu estou dentro de uma manifestação e eu consumo esta reportagem por meio de um par de óculos de realidade virtual, o meu batimento cardíaco muda em relação ao que seria consumindo a mesma informação num jornal ou na TV, ou no rádio, ou onde quer que seja. A questão interativa, imersiva (e a realidade ampliada e virtual estão nesse pacote), vão mudar a experiência de consumir jornalismo. Mal comparando, se eu vejo um elefante numa tela de computador, ele tem quarenta centímetros, no máximo, se a minha tela for gigante. Se eu consumo este elefante, chegando contra mim, com óculos de realidade virtual, ele tem quatro metros.

Eu acho que isso está mais condicionado à hábito de consumo. A partir do momento em que for disseminado o uso de óculos para consumo de realidade aumentada de uma maneira mais imersiva, os veículos vão acabar produzindo reportagens para esse modelo de consumo de uma forma um pouco maior. Então, para mim, sempre o hábito de consumo é decisivo. Ou seja, a decisão pra mim está em ter mais consumidores com óculos para consumir realidade aumentada, depois o jornalismo vai na onda.

Pochete: Você acredita que ideias como a da “Robô Fátima” — robô checadora do Aos Fatos que ajuda a combater as fakes news disseminadas na rede* — é uma inovação que pode auxiliar o trabalho dos jornalistas em uma redação?

Edson: Eu desconheço exatamente esse, mas conheço modelos similares. Havia poucas redações no Brasil, para falar a verdade, eu só conheço a Veja, que tinha um time de checagem. Acredito que nem tenha mais. Já faz alguns anos, porque é um time que custa muito. O que ele fazia, reapurava informações factuais e aspas sonoras, declarações de matérias jornalísticas.

A revista The New Yorker, por exemplo, tinha um time de checagem. O jornalista fazia uma matéria e colocava dois dados e três declarações. Tanto os dados, quanto as declarações, eram confrontados por uma segunda equipe, a de checagem. Isso evitava muita fraude no jornalismo e ficava com que se ficasse muito consistente. Mas não era um jornalismo diário, e não era toda a redação que tinha estrutura para isso, tanto que aqui eu só conheço a Veja.

E não é revisão, é equipe de checagem, que é uma função que o jornalismo há uns 20 anos nem sabe do que se trata. Isto colocado, eu diria que softwares que chequem dados serão muito úteis, mas ainda não teríamos a checagem de declarações, que continua sendo outra parte importante, especialmente no jornalismo brasileiro, que é muito baseado em declarações e menos em apurações de dados. Então, nesse sentido, a gente ainda está muito descoberto.

* Fátima — que vem de “FactMa”, uma abreviação de “FactMachine” — é a voz dos projetos de inteligência artificial e automatização de checagem do Aos Fatos. Em sua versão chatbot para o Messenger, tem como objetivo dar dicas para que consumidores de notícias na internet possam checar informações de maneira autônoma e se sintam seguros para trafegar na rede de modo confiável e sem intermediários.

Pochete: Na sua opinião, como as universidades podem contribuir para preparar os estudantes para esse futuro?

Edson: Eu acredito que a gente precisa ser preparado em mais linguagens. Os cursos de jornalismo ainda são muito baseados em poucas narrativas. Você tem no rádio um jeito de fazer rádio. Na TV, um jeito de fazer matéria, que é com passagens. No impresso, você tem no máximo o jornalismo literário, a pirâmide invertida, um pouco de revistas. Mas você não tem muitos formatos narrativos.

Ninguém aprende, no jornalismo, a contar uma história com 100 caracteres e a mídia out of home, a exterior, faz isso. Você não tem o aprendizado de algumas linguagens.

Eu brinco com os meus alunos que “saber ler números é como saber o inglês: às vezes você não precisa dominar — desde o começo — o idioma de forma fluente mas, no mínimo, pedir hotel, comida e transporte, você precisa saber falar. A gente não aprende a falar e ler números nos cursos de jornalismo e isso é uma defasagem muito grande, porque a gente não consegue dimensionar nem a diferença do que é algoritmo para o que é jornalismo de dados, para o que é infografia.

Eu imagino que jornalistas treinados em mais linguagens, narrativas e modelos narrativos, é uma deficiência e está atrelado a uma formação humanística ainda mais contundente. A gente precisa saber mais das áreas de humanas: economia, da própria psicologia, filosofia, história, evidentemente. Cada vez mais, isso é repertório, porque a gente também vai precisar aprender um pouco do outro lado: programação, interfaces digitais, experiência do usuário.

Se a gente aprender um pouco desse novo universo — que não é tão novo — e ambiente tecnológico, e tivermos mais contundência crítica que virá das áreas de humanas, eu imagino que é deste combo que as novas gerações vão encontrar os novos modelos de expressão jornalística.

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