“O jornalismo deve agir como mediador o caos”

Confira a conversa com o diretor editorial da Nova Escola, Leandro Beguoci que fala sobre o futuro do jornalismo

Henrique Bergmann
Pochete Jornalismo
6 min readOct 18, 2019

--

Crédito: Reprodução/Medium Leandro Beguoci

Para falar sobre as tendências e mudanças no jornalismo, Leandro Beguoci se mostra apto para fazer. Seu currículo diz por si só. Hoje Beguoci é diretor editorial da Associação Nova Escola. Foi também editor chefe da FOX no Brasil, além de repórter da revista Veja e jornal Folha de São Paulo. Possui também mestrado em governança em mídia e comunicação pela London School of Economics e empreendedorismo em jornalismo pelo Tow-Knight Center da CUNY (City University of New York).

Nesta conversa, Beguoci indica e expõe suas idéias e pensamentos sobre o futuro do jornalismo. Leandro irá falar sobre as mudanças e tendências nas narrativas e no trabalho nos meios e veículos de comunicação. Como deverá ser tratada as fake news a curto prazo, novas práticas e formas de se fazer jornalismo, a crise de credibilidade que, segundo ele, o jornalismo e as grandes instituições passam. Além de contar sua opinião sobre empreender no jornalismo e na comunicação.

Pochete Jornalismo: Quais as principais tendências de mudanças que tu enxergas nas narrativas e formas de trabalho no jornalismo?

Leandro Beguoci: No capítulo de narrativa, a gente tem falado muito, finalmente, que a pirâmide invertida não é a solução para tudo. Nem para notícias do dia a dia. É um jornalismo mais dialogado, mais focado em conversas do que em notícias de cima para baixo. Outra coisa importante, é que essa conversa precisa ter mais substâncias, cada vez mais força, ser mais sólida. O jornalismo estabelece uma relação horizontal, mas ele jamais pode abrir mão de sua força factual, seu compromisso com os fatos. Isso implica em outras formas de trabalho fazendo, por exemplo, com que o repórter tenha que cuidar da apuração da reportagem e da distribuição dela e como ela vai virar uma conversa entre as pessoas e como ele vai intervir nesse diálogo. Qual o tipo de mediação ele vai exercer.

Pochete: Hoje em dia se fala muito em fake news no jornalismo. Qual o próximo tema tu entendes que será o foco das discussões no jornalismo e sobre o jornalismo?

Leandro: É difícil adivinhar o próximo ponto (sobre fake news). O jornalismo vive de verdades e a notícia falsa é uma forma de combatê-lá, de criar confusão, caos. Precisaremos saber lidar com o caos mais articulado. Toda essa discussão sobre deep fake news, manipulação de áudio e vídeo, o jornalismo terá que conseguir combater mentiras sofisticadas.Ou seja, os métodos jornalísticos deverão evoluir muito. E isso vai gerar outro ponto: se o jornalismo será capaz de retomar sua autoridade moral e de organizar o debate público? Pois boa parte da proliferação de fake news é a ausência de mediador e o caos como realidade. Então acho que o jornalismo precisa assumir seu papel de ator relevante e que diminua o caos.

Pochete: Que tipo de práticas que existem hoje no jornalismo que em um futuro próximo não serão mais feitos?

Leandro: Acho que algumas dessas práticas já estão desaparecendo. Algumas para o bem, outras para o mal. Para o mal, acho que o jornalismo perdeu revisão e precisão, que eram características muito relevantes no passado. Também creio que tende a desaparecer a figura do editor que só edita texto ou vídeo. Passa a crescer a figura do curador de notícias, do editor que consegue pensar estratégia ou articular frentes distintas para conseguir um resultado coletivo.

Pochete: News Letter, talk shows no estilo Greg News e redes sociais são os formatos e meios em crescimento no modo de se transmitir a informação jornalística. Tu consegues imaginar quais serão os próximos?

Leandro: Acho que já estamos vendo e presenciando esse novo modelo. Creio que no final das contas, todos esses caminhos são jeitos diferentes de estar onde as pessoas estão. E de participar das conversas ativamente que elas praticam. Isso é o mais relevante que podemos fazer jornalisticamente. Para que possamos assim engajar a todos nas conversas cotidianas e jornalísticas

Pochete: Algumas pessoas acreditam que o jornalismo e, principalmente, as grandes corporações jornalísticas estão cada vez passando menos credibilidade para o consumidor. Queria saber se tu concordas com isso e se é uma tendência acreditarmos mais nesses veículos ou não?

Leandro: Acredito que as pessoas estão nutrindo uma desconfiança nas instituições. Na Inglaterra contra o parlamento, no Brasil contra a imprensa. Existe uma crise geral de instituições que extrapolam o campo jornalístico. Já tivemos crise de confiança antes, mas essa só é aguda pois existe um substituto. As pessoas estão construindo um imaginário político contra as instituições. O que para mim é um risco bem grande a longo prazo. A sociedade precisa do jornalismo e os meios de comunicação como mediadores respeitados ou a sociedade sofrerá se não resgatarmos a confiança neles.

Pochete: Como tu enxergas a ocupação de freelancer? Tende a aumentar ou diminuir?

Leandro: É difícil prever o futuro. Pode ser que aumente ou diminua. Depende muita da organização do mercado, de como as coisas vão andar. Mas entendo que exista muito trabalho para ser explorado em comunicação.

Pochete: Também é um clichê dizer que a sociedade está polarizada. Tu acreditas que isso reflete no jornalismo? Texto e áudio

Leandro: Entendo que a polarização está em evidência e o jornalismo tem que lidar, já que não está alheio a sociedade. Ele lida com a polarização, o jornalismo até mesmo age como mediador da polarização. Tenta encontrar caminhos com a polarização, além de ser uma vítima dela.

Pochete: Como você enxerga as mudanças na práticas de produção de notícias?

Leandro: Acho que quando estamos pensando em produção de notícias uma série de mudanças já aconteceu da forma como jornalismo era produzido antigamente. Creio que já existe uma parte dele que é feito usando uma quantidade massiva de dados para produzir compreensões mais agudas da realidade. Outra parte do jornalismo já é feito com outros tipos de imersão. Então o jornalismo já não é mais simplesmente entrevistar uma pessoa, testemunhar um fato e relatar. Ele ganhou sofisticação de pesquisa. Isso pra mim é um avanço muito relevante. No meu trabalho, nas coisas que fazemos, comecei a perceber essa situação cada vez mais. Nós desenvolvemos tanto um lado de ter profundidade de pesquisa, quanto um outro lado de transitar em formatos diferentes.

Pochete: E sobre empreender em jornalismo. Tem chances de crescer? Talvez tirar um pouco do poder dos grandes veículos?

Leandro: Empreender em jornalismo não é novo. Várias fundaram jornais, revistas. O que estamos falando para agora é empreendedorismo em escala e também empreendedorismo como falta de opção diante dos desafios que temos na profissão. Pra você ser freelancer hoje é preciso usar uma série de ferramentas para controlar suas despesas, previsão de receita. Ser freelancer hoje é como ser um pequeno empresário. Então eu entendo quando as universidades começam a colocar aulas de empreendedorismo em jornalismo elas estão ajudando quem quer criar um grande veículo mais adiante. Quanto também está ajudando pessoas a serem freelancer ou que não terão empregos fixos e terem mais ferramentas para sobreviverem. Então, se tem um lado meu que lamenta essa precarização da profissão, pois o ideal seria se tivéssemos espaço coletivo para trabalhar, construir, trocar e ter segurança também. Mas pelo outro lado, creio que é relevante aprender sobre empreender para conseguir colocar seus projetos de pé, mas além disso, conseguir sobreviver nessa economia incerta que passamos.

Pochete: Existe alguma prática jornalística que você vê que não faz mais sentido hoje em dia? Ou alguma que sempre fará?

Leandro: Não vejo como algo a ser substituído, mas sim reinventado. Continuo achando importante que o jornalismo vá ao encontro dos fatos, que esteja na rua, nos lugares onde as coisas acontecem, falar com pessoas. Mas entendo que o jornalismo foi incorporando práticas mais científicas. Um rigor maior com dados, aprofundamento nas pesquisas, mudanças na narrativa. O jornalismo foi deixando de ser formatado para ser cada vez mais elaborado e customizado, quase artesanal. Vejo como muito interessante esse lado mais artesanal.

--

--