O jornalismo não pode ser instrumental”

Para Carlos Guimarães, meios tradicionais de comunicação ainda não entenderam as novas tendências.

Khael Santos
Pochete Jornalismo
15 min readOct 23, 2019

--

“Jornalista. Doutorando (Comunicação/PUCRS). Mestre (Comunicação e Informação/UFRGS). Comentarista esportivo (@RdGuaibaOficial)”. Assim Carlos Guimarães se apresenta no Twitter. As opiniões, no entanto, vão muito além dos 280 caracteres permitidos na rede social. Questionado sobre o que apontaria como tendências para o jornalismo, prefere não arriscar, mas busca em um lema punk uma possível resposta para o que parece ser a pergunta de US$ 1 milhão: “do it yourself”. A produção de conteúdos independentes, cada vez mais longe dos grandes veículos, é vista com bons olhos pelo jornalista. Essa, segundo Guimarães, seria uma forma do público enxergar as verdades de cada profissional. Ao longo da entrevista, ele se mostrou preocupado com a “instrumentalização” da função jornalística e afirma que as “fake news” já entraram em um processo irreversível. Confira.

Crédito: Carlos Guimarães/Arquivo pessoal

Pochete Jornalismo: O que tu apontarias como tendências para o jornalismo?

Carlos Guimarães: Acho difícil a gente apontar tendências no momento em que se imagina uma coisa e logo depois, ali na frente, se muda tudo isso. Está tudo muito rápido. A tecnologia entra de uma forma que a cada esquina tem um novo aplicativo, uma nova tecnologia, uma nova plataforma, e isso confunde um pouco, nubla um pouco a nossa visão a respeito do que vai ser o jornalismo. E eu não ousaria apontar tendências. Acho que há vários trabalhos que apontam tendências. Algumas não se confirmam, outras são plenamente comprovadas. Mas há algo naquilo que foi um lema punk que é o “do it yourself”. Eu acho que essa é uma tendência. As pessoas se desvencilharem dos canais de produção e começarem e acompanhar as pessoas, começarem a entender que o jornalismo é feito de pessoas. Eu chamo isso de “Jornalismo Autoral”, ou seja, o leitor, o espectador, o ouvinte enxergar no jornalista as verdades dele. O time que ele torce, o partido que ele vota, a ideologia que ele simpatiza. As verdades. E, dentro disso, despido de determinados dogmas que a nossa profissão criou para nos proteger, a pessoa observar a independência. Aquilo que a gente fala de “jornalismo independente” que é uma coisa mais desligada, descolada de grandes corporações, nada mais é que o individuo sendo aquilo que ele é, sem qualquer tipo de concessões, de amarras ou vinculações, a não ser vinculações com aquilo que ele pensa. Eu acho que essa é uma tendência, embora se tenha ainda muito jornalismo chapa branca comprometido com ligação, com vínculo até não poder mais. Mas eu acho que um futuro, até como resposta em termos de conteúdo, especialmente, é esse jornalismo mais autoral, mais independente, mais de si do que de defesa de corporações que também tem lá os seus interesses.

Pochete: Na área esportiva a gente viu o surgimento do DAZN, uma plataforma exclusiva do segmento. Acredita que essa “plataformização” possa se espalhar para outros segmentos do jornalismo?

Guimarães: Eu acho saudável o surgimento do DAZN, mas acho a gente tem que entender como a tecnologia funciona em larga escala. Eu acho que o jornalismo pode ser segmentando, mas ele também precisa entender que o público que vai acompanhar precisa ter o mesmo aparato tecnológico que se supõe que quem está fornecendo o produto imagina que tenha. Sou super favorável ao streaming. Acredito que há um modelo de demanda, de personalização, de customização de conteúdo, mas acho que a tecnologia tem que acompanhar. Para mim, há dois entraves para plataformas como o DAZN. Um entrave pode ser superado a curto prazo, que é o entrave cultural. As pessoas não estão acostumadas a isso, mas a televisão fez isso em pouco tempo, a internet fez isso em pouquíssimo tempo. As pessoas estão no Facebook e culturalmente usam a internet e isso pode alterar. E o segundo é a tecnologia acompanhar. O streaming é válido em tempo real. Se a gente tiver uma tecnologia para acompanhar tudo em tempo real, com boa definição, com boa imagem, com aquelas coisas que a gente está acostumado a ver na televisão, aí eu acho que isso é um futuro. O jornalismo está segmentado justamente porque as pessoas estão buscando customização. As pessoas estão buscando personalização naquilo que elas consomem.

Pochete: Os portais de notícias encontraram as “newsletters” como alternativa. As rádios, se concentram nos podcasts. O meio televisivo me parece um pouco perdido nessas novas plataformas. Ainda não se encontrou. Como ele pode entrar nessas novas tendências de consumo?

Guimarães: Eu acho que o meio televisivo, de certa forma, também se adaptou. O fenômeno das séries é televisa, não é cinema. E as séries nunca estiveram tão em alta justamente pela questão da customização. O cara assina uma plataforma e assiste à determinada série no momento e da forma que ele quiser. No que diz respeito a entretenimento, sim. A questão é a notícia. A notícia tem uma coisa que não funciona diante da programação: a notícia trabalha com fatos. Não tem como programar o fato. A gente não sabe o que vai acontecer daqui a uma hora. Um evento como um jogo de futebol acontece ao vivo, a gente não sabe o que vai acontecer em um jogo de futebol. O “ao vivo” ainda é uma barreira para que tudo seja só plataforma. Então, acho que a televisão passa por um momento de crise no que diz respeito a determinados programas. Hoje, a televisão, boa parte repercute o que está em rede social. A TV é um meio mais democrático e atinge muito mais os lares do que a plataforma de streaming. Isso nos diz que a gente precisa pensar em um sentido mais amplo, que é o sentido justamente de enxergar que a televisão chega a determinadas camadas que os outros não chegam. Isso se torna uma base de sustentação da televisão.

Pochete: Qual a principal diferença que tu vês entre os veículos “tradicionais” e as novas opções que surgem?

Guimarães: Não sei se é uma questão de mudança. Não sei se um se opõe ao outro. Se a gente for entender a histórias das tecnologias de comunicação elas não são rompimentos, revoluções ou oposições. Elas são derivações. São desmembramentos, ou seja, a coisa é continua. A internet não chegou para derrubar rádio, televisão e cinema. Tanto que ela se apropria de todas elas. Os veículos tradicionais também tiveram sua base de apropriação de outros veículos. Tem um teórico chamado Roger Fidler que chama de miadiamorfose: uma mídia não se cria do zero. Ela se apropria de determinados padrões e características de outras mídias. Ele é importantíssimo para a gente poder entender esse novo momento. Talvez a grande diferença seja uma questão mais de forma, da possibilidade de explorar melhor tempo, espaço, conteúdo mais autoral. Esse desligamento do “patrão” que manda a gente fazer alguma coisa. A gente conta com um sistema de comunicação brasileiro muito perigoso porque ele tem uma concentração mínima em grandes famílias, ou grandes conglomerados ou igrejas. É quase que um monopólio de quem tem muita grana e o cara vai acabar servindo a essas pessoas. Quando vêm mídias tradicionais, elas têm, primeiro, uma liberdade para dizer que ela se posiciona: “nós somos a favor de A e contra B”. Isso já é legal independente do lado. Segundo, nesse sentido, elas podem trabalhar com mais espaço, com mais liberdade de criação. Acho que uma questão de espaço sobretudo.

Pochete: Como esses meios mais “tradicionais” estão percebendo, entendendo e absorvendo essas novas tendências?

Guimarães: Eu acho que os meios tradicionais estão com um certo atraso. E não é de tecnologia. E não é de tecnologia. É um certo atraso em identificar que tipo de programação eles precisam oferecer ao público. Se a gente pegar, basicamente o que as grandes emissoras fazem, e aí eu entro eu no rádio também, são reproduções de coisas que se tinha há muito tempo. Primeiro porque os gestores são muito deslumbrados com a tecnologia ou não sabem mexer em tecnologia. Falo por mim, cara. Minha geração é uma geração que participou do analógico, participou da transição do analógico para o digital. Eu estou incluído no meio digital, mas eu tenho algumas dificuldades para entender determinados deslumbramentos tecnológicos. Eu não sei se os meios tradicionais precisam morrer para que os meios novos perdurem e sobrevivam. Acho que uma coisa também deriva da outra. Como eu falei na resposta anterior. As pessoas acompanham a evolução tecnológica e os meios da mesma forma. Então, eu me incomodo com isso de opor o tradicional e as novas tendências. Parece que inventaram uma nova roda dentro da comunicação e não é nada disso. As pessoas continuam falando, escrevendo e fotografando para se comunicar, entendeu? O que muda é o instrumento. Meu medo maior é criar um jornalismo instrumental, onde só quem sabe mexer com novas tecnologias é que vai entender o que está acontecendo. E não é assim. O jornalismo tem a suas evoluções, suas alterações, mas ele não pode ser meramente instrumental. A minha grande preocupação é com relação a outras coisas que nem estão colocadas aqui. Exemplo: qual o nosso papel diante de uma audiência tão participativa? Qual nosso papel diante de tanta notícia equivocada que tem por aí? A gente consegue apurar as coisas? A gente tem tempo para apurar? Nos exigem que a gente apure, e o modelo de negócio não está falido? Acho que são outras coisas do que simplesmente receber um programa a hora que a gente quer ou ligar a TV e consumir do velho modo. Ou ler no celular ou ler no jornal. Não é isso. Tem discussões mais amplas: modelo de negócio, como as gestões se preparam para esses novos tempos. Eu acho que a única preparação é voltada para tecnologia. “Então, vamos entrar na nova tecnologia que está tudo resolvido”. Não. Não é assim. A gente tem que entender, também, por que se criou um monte de fake news, porque hoje o cara que está lá no twitter, na rede social, ele tem tanta ou mais influência que a gente, por que os influenciadores surgiram. Isso tudo tem a ver com um pouco de colapso do meio tradicional que, finalmente respondendo à pergunta, não entenderam. Acharam que é só a tecnologia. “Vamos pegar o que a gente faz e botar em podcast, youtube, canal de internet” quando, na verdade, o furo é bem mais embaixo.

Pochete: Ouvindo o podcast Café da Manhã, da Folha, escutei o seguinte comentário: “o consumo do público hoje é basicamente on demand”. É possível fazer jornalismo “sob demanda”, atendendo essa prática de consumo atual?

Guimarães: O público procura um conteúdo mais personalizado para poder ter ali as suas coisas. Antes a mídia não oferecia essa opção e agora oferece. Primeiro eu acho que é uma coisa que vai muito de classe social. Quem tem acesso à essas informações é que faz isso. No mais, as pessoas continuam ouvindo as mais pedidas, vendo os campeões de bilheteria, assistindo aos vencedores do IBOPE, não mudo muito. Esse “on demand” ainda é um efeito manada. Mas considerando essa prática de consumo que existe, embora ainda não veja como hegemônica, mas como, quem sabe, algo a se pensar mais pro futuro, fazer jornalismo on demand só se for algo segmentado. Aí sim! O que sempre aconteceu, só que eles todos juntavam tudo isso em um formato de jornal, de telejornal ou de outra coisa. Hoje tem canais específicos para cada tipo. Dentro disso há diferentes versões. Por exemplo: jornalismo esportivo pode ser jornalismo que fala de tática, de direto esportivo, de medicina do esportivo. Também sempre existiu, só que agora tudo se ramifica em coisas mais especializadas. O que não tem como praticar, e eu já falei, é que os fatos acontecem sem a nossa previsão. Um avião bate nas torres gemeas e todo mundo vai ter que fazer um jornalismo off-demand porque não é a demanda que vai regular o que o público que ouvir em relação àquilo que aconteceu. É o fato, é o jornalismo. É ao vivo. É aquilo ali que está acontecendo no momento e não tem on-demand que segure o fato. O fato histórico ele tem que ser documentado. Esse documento ele é ao vivo, é na hora e não é sob demanda ou quando o consumidor quer. Ele é quando o fato acontece. Não é nem quando o jornalista quer. Então, esse poder do consumidor sobre o conteúdo em que ele tem uma cisão um pouco falsa que ele tem controle para ouvir como, quando e com quem ele quiser, isso aí morre quando acontece o primeiro fato grandioso.

Pochete: Recentemente, no programa que contou com a presença do Cláudio Brito, tu questionou “o que é um podcast senão um programa de rádio gravado”? Por que tu achas que esse tipo de conteúdo surgiu tão forte nos últimos tempos? Além dos locais para hospedar esse conteúdo, como Spotify, enxerga outro ponto para esse crescimento?

Guimarães: O segredo do podcast é, justamente, que as pessoas têm em produzir um material, um conteúdo, um produto que antigamente só quem trabalhava em rádio conseguia produzir. As pessoas querem falar sobre as coisas, querem compartilhar o que elas pensam, ser ouvidas e acharam o modo certo. O podcast nem é tão novo assim. Eu lembro de ter feito podcast em 2005. E isso é uma coisa que vem do marshall mcluhan, de se sentir parte e que o comunicador é uma extensão daquilo que ele é. Para que ter essa mediação? Vamos fazer direto. E aí estão produzindo os podcasts. O formato em si não tem nada de novo. Podcast não é inovação. A grande inovação é a possibilidade que qualquer um pode fazer rádio gravado, porque ao vivo depende uma série de recursos. Mas o podcast nada mais é do que uma manifestação daquilo que o ouvinte de rádio sempre quis, que é eliminar uma medição e se configurar como um participante. A palavrar é “participar”. Hoje, o podcast é uma realidade. A minha preocupação é que ele está sendo feito sem técnica. E, sim, precisa ter técnica. Não é o charme do podcast ser artesanal, falar de qualquer jeito. Aí não é podcast. Aí é o papo da galera gravado. Ainda tem alguns passos para que se torne algo mais profissional.

Pochete: Como tu entende o papel acadêmico nesse processo de reformulação do jornalismo? As universidades estão prontas e estão preparando bem os alunos?

Guimarães: A Academia perdeu muito tempo com uma especie de auto valorização interna com seu vocabulário, com seu discurso, com sentido de autoridade intelectual e isso se distanciou de uma maneira que está muito difícil voltar. Isso criou, de fato, uma oposição do que é a academia e o que é o cotidiano. A academia se afastou do cotidiano para se abraçar em quem não está mais aqui, esqueceu do cara que está fazendo transito e cuidando da estrada. Esse fetiche intelectual tirou completamente a academia, não só na comunicação, mas na esfera politica e na sociologia. A gente esquece do cotidiano. A gente não pode falar do jornalismo sem estar na redação. Eu fico em um meio termo porque estou nos dois lados. Gosto muito da parte teórica, mas acho que a parte prática, o cotidiano, ele te dá muito mais embasamento para a parte teórica. Sobre universidades eu acho também que houve um atraso muito grande em termos de como preparar o aluno para esse novo jornalismo em que ele tem que entender que ele é irrelevante dentro de um contexto. Não estou dizendo que o jornalista seja irrelevante. Mas dentro de um novo contexto, o grau de relevância que o jornalista tinha antigamente e o fetiche da redação, aquela coisa mais mitológica, hoje perde lugar para uma galera que nunca esteve na faculdade e daqui a pouco está fazendo jornalismo, e escrevendo, publicando no Youtube, no podcast. E aí? A gente está aprendendo o que? A diagramar. Qualquer cara, um guri de 11, 12 anos que mexe em software de edição vai conseguir diagramar?! A gente ainda está produzindo, de fato, aquilo que é o cotidiano? Estão ensinando isso para os alunos? Eu não sei. Tenho minhas dúvidas. Mas eu também acho que a universidade não é a preparação final. Ela não dá toda preparação. Ela dá uma base e depois o dia-dia, o cotidiano, é que vai completar essa formação. E nesse dia-dia, nesse cotidiano, eu também vejo redações muito mais preocupadas em metas e isso é recompensado no final, outras em apuração de release, outras em encher linguiça com um monte de matéria sem graça nenhuma, e outras que se perdem no próprio desconhecimento da função, especialmente programas de debates e mesa redonda. Eu acho que perderam um pouco do espírito mais essencial, mais de origem que eles tinham, Hoje, um programa de debate não tem diferença nenhuma entre um papo de bar. Mas as universidades precisam pisar um pouquinho mais no cotidiano, especialmente os acadêmicos. Quem está lendo muito e vivendo pouco. Ler é importante, mas o cotidiano tem força, sim, para desafiar os teóricos. Não é porque o Bourdieu ou o Morin disseram uma coisa e o cotidiano mostrar o contrário que o que eles falaram é o que está certo. Não é. O cotidiano desafia o teórico no seu dia dia e sem escrever uma linha. É isso que falta aos acadêmicos.

Pochete: De acordo com o estudo “Journalism, Media, and Technology Trends and Predictions 2019″, as Fake news vão ganhar ainda mais força e notícias vão precisar de indicadores de credibilidade. Quais as opções para diminuir o impacto dessas fake News na área?

Guimarães: Te confesso que eu não sei dizer sobre o que fazer para evitar as fake news porque a gente está numa era em que as fake news são apenas um sintoma de algo maior. Pode ser a chamada “pós verdade”. As pessoas aprenderam a interpretar os eventos, os fenômenos, os acontecimentos, de acordo única e exclusivamente com suas crenças. Isso é uma coisa que eu vi no Facebook. O cara publicou uma fake news, aí disseram: “é fake news. Tira isso aí”. Ele rebate dizendo o seguinte: “eu sei, mas me serve. Deixa aí pra galera acreditar que é verdade”. Tem muita má intenção e muita forçação de barra para justificar a própria ideologia. As fake news têm caráter ideológico. Se for para destruir meu oponente eu vou criar uma fake news e vamos destruir o oponente. Isso em qualquer área. Eu posso estar sujeito a isso também e eu tenho que lidar com isso. Mas isso tem uma força gigantesca e eu acho que é um processo irreversível. Voltando as perguntas das tendências, isso é como um vírus para o computador. Tem que ter um conhecimento para não pegar vírus no computador. São as fake news para o jornalismo. O problema é se isso não vai virar uma epidemia, e eu acho que já é um fenômeno epidêmico e vai precisar de uma revolução para que ela seja destruída. Eu não sei qual e não sei se alguém sabe qual, mas, por enquanto, a única luta possível parte muito de cada um não disseminar isso e de tentar educar. Embora seja muito difícil e, como eu falei, irreversível.

Pochete: A gente fala em “tendências” e faz uma associação com “tecnologia”. Mas e o material humano, o jornalista? Como fica nessa história toda?

Guimarães: Meu medo é justamente o jornalismo ser tratado como algo instrumental, ou seja, quem sabe mexer em rede social, tirar foto bem vai ter mais vantagem do que aquele que sabe apurar, escrever e falar. Isso é gravíssimo! Estão eliminando também as referências. As referências, por não terem a velocidade que hoje o jornalismo precisa, e isso é enlouquecedor porque precisar ter muita matéria, muito clique que é o que gera grana. É meta. Negócio puro. Cifrão. Um horror. Aí, as referências são eliminadas porque não são tão rápidas assim. Elas preferem fazer uma matéria com mais profundidade, com um texto melhor escrito, com um texto mais bem construído. Só que o público não vai ler porque não gosta de ler texto grande. Vai ler aquele texto chinfrim do cara que publicou sete matérias, enquanto o outro publicou apenas uma. A gente elimina a referência, a sabedoria e acaba tendo outro colapso, que é o colapso do conhecimento dentro do jornalismo. O jornalista, hoje, ele está subjugado ao que as mídias sociais determinam. Hoje, o jornalismo se torna instrumental. O jornalista se torna descartável e a preferência é aquilo que ele produz em quantidade e que vai gerar clique ou engajamento. E aí, velho, no momento de falta de cultura qualquer bobagem que tu for falar vai dar mais clique do que uma matéria aprofundada. O conhecimento está sendo descartável e sendo jogado de lado para que a tecnologia assuma isso. E quem sabe mexer em tecnologia é gente jovem que obviamente vai ganhar menos, ou seja, economia para tudo que é lado. Com isso, o conhecimento está sendo desprezada, ou pior ainda, ele sofre um processo de desimportância e desencantamento.

Pochete: E enquanto consumidor, o que tu esperas do jornalismo nos próximos anos?

Guimarães: Eu não sei. Essa é a pergunta mais difícil. O jeito que eu consumo jornalismo é diferente. Eu tenho minhas preferencias. É obvio. Eu acho que o jornalismo esportivo caminhava para uma coisa muito positiva que era a questão mais técnica. Hoje, eu já entendo que por ser um fenômeno que transcendo o campo e bola, lida com identidade, com passionalidade com os sentimentos que são alheios à racionalidade, como uma coisa metafisica, aquilo que a gente não pode sentir, não pode tocar, não pode ver, não pode observar, não pode ouvir. É uma coisa transcendental. Hoje, eu vejo que ficar com uma questão técnica é muito restrito. Nada mais, nada menos que algo segmento e que pouca gente quer saber, vai entender ou almeja ter para si. Digamos que é um conhecimento muito específico. Então, acho que a gente está em uma fase muito confusa e eu não sei o que esperar. Mas o que eu gostaria de ver junta algumas respostas que eu te dei: jornalismo mais autoral, crítico, independente e que gere reflexão. O meu tipo de jornalismo. Não é o tipo de jornalismo que boa parte do povo vai querer. A gente tem muito preconceito com jornalismo popular e ele tem um alcance violentíssimo. Basta ver o número de radialistas e jornalistas que conseguem cargos públicos graças ao jornalismo popular, ao alcance que eles têm. Eu não saberia te responder o que eu espero do jornalismo nos próximos anos. Eu espero problemas, mas o jornalismo sempre teve problemas. Eu espero coisas legais, mas o jornalismo sempre teve coisas legais. Eu só espero uma coisa: que a gente não coloque a máquina na frente do homem. A máquina não pode fazer o papel do homem. O jornalismo não pode ser instrumental. O outro ponto é a fake news, mas isso é o vírus. Que se tenha consciência que o jornalismo é feito por homens, não por máquinas.

--

--