O retrô está no hype

Em entrevista, o jornalista Ticiano Osório afirma que é necessário manter os valores e técnicas da profissão

Caren Rodrigues
Pochete Jornalismo
10 min readOct 18, 2019

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Ticiano Osório é um jornalista de 45 anos que atualmente trabalha para a Zero Hora, do Grupo RBS. Ele escreve sobre cinema, quadrinhos, streaming e cultura pop. Mas para o futuro prevê a necessidade de manter os valores e técnicas da profissão

Pochete Jornalismo: Pode começar dizendo teu nome e idade, até para contextualizar

Ticiano: Meu nome é Ticiano Osório, tenho 45 anos, e já me considero um veterano, porque eu já tenho 24 anos e meio de Zero Hora. Então já estou mais na turma dos velhos (risos)

Pochete: Qual tu acha que é a tendência do jornalismo?

Ticiano: Acho que tem coisas que não são nem questão de tendências. Tem alguns atributos que são perenes do jornalismo que, independentemente da técnica ou da tecnologia, eles precisam ser mantidos. Que são: apuração, checagem, rechecagem, o faro jornalístico, um compromisso com o máximo de pluralidade e diversidade, ouvir todos os lados da questão… É a busca da tal imparcialidade, que ela não é tão exata, mas é algo que todo jornalista tem que buscar.

O que acontece é que, às vezes, algumas matérias elas são feitas com uma posição. Tu pode fazer uma matéria pra mostrar que tal coisa está errada e porque está errada. Ou seja, é impossível ser “imparcial” numa matéria que parte disso e faz parte do jornalismo.

O jornalismo está sempre em evolução, cada vez mais é muito rápido. A gente precisa estar sempre muito atualizado. Mas o que está muito forte ainda é a questão de como o jornalismo mais tradicional precisa fincar posição frente a um mundo em que tem muita notícia falsa, na verdade os estudiosos hoje usam o termo desinformação, tem muita gente má intencionada pra provocar desinformação e tem muita gente crédula diante disso. Basta ver que a ciência e o jornalismo nesse tempo, são bastante desacreditados. É uma pena, ainda mais pra mim que sou filho de uma geneticista e um psiquiatra, ou seja, pessoas ligadas a ciência. Me dói ver tanto descrédito em pesquisa, em ciência, em “verdade”, digamos assim, como acontece.

Sobre tendências, tem essa questão, a gente precisa trabalhar muito e é um exercício complexo, porque a gente tem que entender que existe um leitor que não acredita mais piamente na gente e nem em coisas que para nós são “verdade”. Exemplo: terra plana. É um espanto a gente ver que tem, parece pouco, mas é 7% da população brasileira segunda a pesquisa Datafolha que saiu. Não é pouca gente que acredita que a Terra é plana. É um exercício de humildade do jornalista a gente entender que não é tão simples e o que antes a gente tinha como verdade, hoje tem gente que duvida. Ai tem que ter o cuidado para não endossar um discurso que possa ser equivocado. Tu tem que tentar esclarecer para as pessoas, porque aquele discurso é equivocado ou está errado.

Do ponto de vista da técnica, vale o de sempre. Se cobra muito versatilidade, se cobra que as pessoas saibam escrever. Eu continuo achando que escrever é fundamental, mais do que a sua habilidade de fazer rádio, fazer digital, ser multimídia. Pra mim, por enquanto, ainda acho importante saber escrever. Esse escrever não quero dizer especificamente do ato da escrita, mas é a narrativa. Acredito que tenham ótimos narradores visuais, narradores de vídeo, que não necessariamente escrevem. De repente a pessoa já tem uma experiência tão grande que ele nem precisa mais de roteiro, ela sabe onde precisa captar. Assim como a gente vai criando um cacoete, eu, por exemplo, por ser alguém que faz bastante impresso, eu penso nas matérias com a apresentação gráfica delas no impresso. Já consigo pensar numa matéria com dois títulos, o que vai pro papel, que pode ser mais enigmático e sintético, e o digital, que é completamente diferente, pois lá é uma selva com muita oferta, quando ao mesmo tempo que ele está lendo a matéria vem uma outro notícia, uma notificação de uma rede social, enfim. São tantas distrações que ali no digital, as vezes, tu precisa combinar a informação com a capacidade para instigar o leitor e continuar lendo. AÍ volta ao ponto de saber escrever, pois eu acho que quanto melhor a gente souber escrever, mais vai reter o leitor no digital. Um texto que já na primeira frase me pega e vai construindo uma narrativa de um jeito saboroso, maior é a tendência de eu ficar ali.

Isso também conta muito hoje em dia, o engajamento, que é o tempo de leitura das pessoas. Aqui a gente vai constantemente vendo quais são as métricas importantes. É a audiência? O engajamento? O número de assinantes digitais? É o número de anunciantes? Isso varia de empresa para empresa.

Pochete: A questão da desinformação é um dos tópicos, pois tecnicamente a desinformação sempre esteve conosco, como pessoas que não acreditam que fomos a Lua ou que o Michael Jackson morreu. Porém ela tomou novas proporções…

Ticiano: Por causa das redes sociais. Por que, claro, já existia. E, infelizmente, a própria imprensa já divulgou desinformações num tempo que não existia nenhuma rede social. Tem um caso famoso do Boimate, que era a mistura de boi com tomate, ali pelos anos 80. A diferença é que naquela época não existia redes sociais, então os veículos eram considerados as “bíblias” da informação. Hoje, com as redes sociais, eles não são e entraram muito mais, digamos, players. Como eu disse, tem players que são destinados à desinformação ou que fazem a cópia de um portal famoso. Aí tu vai descobrir que em vez de ser, por exemplo, final br ele é bl. Eles copiam o layout de veículos tradicionais para disseminar outra coisa. E é isso, como é muito mais difundido do que o boato na esquina, o do edifício que tu dizia “o fulaninho se matou, tu soube?”, hoje está nas redes. Então o boato que, às vezes, ficava circunscrito num edifício ele pode nascer lá e pegar todo o bairro, cidade, estado, país e o mundo. O que alguém diz no Alasca pode chegar aqui em segundos. As pessoas ainda estão muito deslumbradas, eu me incluo nisso, com as redes sociais, porque ela tem seus lados positivos as redes. Ela permite a aproximação com pessoas que tu não conhece, permite a reaproximação com amigos que tu perdeu ao longo da vida, elas afagam o ego, e um jornalista em geral é vaidoso, mesmo o de papel, pois ele quer ser lido. Dificilmente um jornalista escreve só pra si, ele escreve tentando ou mudar o mundo ou tentando esclarecer um diálogo com o outro ou porque ele tem uma questão específica que ele gosta muito e ele quer que mude e compartilhar sobre isso.

Então as pessoas são muito crédulas nas redes sociais. Eu já cometi o erro de compartilhar algo que não chegava a ser uma notícia falsa, mas uma notícia velha. Volta e meia acontece isso, especialmente com obituários. Às vezes tu vê assim “bah, morreu fulano” e aí a tua primeira reação é avisar seu colega de um obituário importante e aí que as pessoas nem leem, porque quando tu clicar na notícia tu vê que ela é de 2008, então é muita pressa. As redes sociais tornaram o mundo muito imediatista, muito instantâneo. Esse é um dos lados bem negativos das redes sociais, a gente já tinha um estilo de vida bem apressado e com as redes sociais se tornou mais apressado ainda. E a pressa, para mim, é a inimiga da perfeição. Ainda mais no jornalismo. Óbvio, a gente não pode demorar, tem a questão de concorrentes, mas tu tem que checar uma informação, apurar direitinho. Não pode “condenar” publicamente alguém sem uma garantia de aquela pessoa cometeu um ato ilícito. Então, de novo voltamos a essência do jornalismo. A técnica muda, mas tem coisas essenciais do jornalismo que não podem mudar.

Pochete: E como tu vê o futuro da profissão? Porque, por exemplo, eu com 22 anos já nasci num mundo quase que totalmente de internet, não estava ainda no ápice, mas quase. Já minha prima de 17 anos já nasceu nesse mundo totalmente de internet e se renovando, como tudo, daqui para frente vai ter nas redações só pessoas que nasceram na época da internet, com esse imediatismo.

Ticiano: Eu não tenho uma resposta para isso. Já se previu outras vezes a morte do jornalismo, do jornal de papel e assim por diante. É muito temerário fazer previsões a longo prazo no mundo, que dirá no jornalismo também. Eu acho que os veículos vão passar por transformações, mas a profissão ainda tem um bom futuro pela frente. Tem ondas e tem refluxo. É como disse Caco Galhardo, que é um cartunista paulista, que ele tem esperança de que uma hora a gente deixe de ser tão imediatista e dar tanta atenção para likes e curtidas e compartilhamentos e uma hora vamos olhar para trás e dizer “como a gente era fútil”. As próprias redes sociais perceberam já que há um negativismo em relação a isso, o Instagram deixou de mostrar o número de curtidas e o Facebook está estudando algo parecido.

Eu acho que a figura do jornalista, que é um curador, que vai pegar os boatos que estão por aí e filtrar eles e dizer “aqui ó, não é bem assim”, acho que essa figura ainda vai existir. E que as sociedades ainda precisam de alguém que elas confiam. Pode mudar a cara desse jornalista, o formato desse jornalismo, mas eu acredito que a figura do curador ainda vai existir.

Pochete: Sobre formato, foi falado de Inteligência Artificial e streaming e como poderia englobar o jornalismo nisso. Por exemplo, o streaming bombou com a Netflix e hoje tem Disney+, Amazon Prime e afins. Mesmo tu não tendo como prever, tu consegue ao menos vislumbrar o jornalismo entrando em coisas assim?

Ticiano: É que, eu acho, que de certa forma o jornalismo já existe no streaming por meio dos documentários. Séries ou filmes documentais que tem um sucesso. Esse formato é muito para entretenimento, para isso que as pessoas usam, mesmo um documentário é encarado mais dessa forma. Mas a distribuição de um conteúdo jornalístico não tenho como te confirmar, pois se isso acontecer o primeiro a morrer seria a TV, porque o streaming é muito vídeo. É consumo de vídeo e as TVs continuam aí. Tu enxerga o fim das TVs a curto prazo? Eu não enxergo. E nem neles se transformando só em produtor de entretenimento.

Também não podemos esquecer que a penetração de internet no Brasil não é tão grande como a gente acha que é. O jornalista tem um problema sério, que é viver numa bolha. Os jornalistas, no geral, eles são ou muito especialistas num assunto ou bons generalistas, que pela exposição compulsória a um monte de notícias, é mais informado que a média da população. E a gente vive nessa bolha de achar que as pessoas sabem das coisas e que todo mundo é conectado. De novo voltando a questão da pressa e achar que todo mundo tá comentando sobre algo. Mas quem é esse todo mundo? Até tem uma cena curiosa de Bacurau, onde tem uma cena que naquela cidadezinha pobre do interior todos têm acesso ao celular com acesso às redes. Claro, o filme é um pouco futurista e provavelmente todo mundo vai ter um celular, mas o que eles vão estar procurando? É só a novela, só mundo cão? Só vídeo de bicho fofinho ou só coisa de esporte, só coisa de polícia, enfim. É difícil de imaginar. A gente percebe, sim, um certo decréscimo do público consumidor de jornal papel, isso é um fato. O público consumidor de notícias é muito volátil, ele pode querer só uma coisa de esporte ou algo mais aprofundado, é difícil. Eu não vejo o streaming nem como inimigo nem como um aliado de primeira linha.

A inteligência artificial eu não sou muito aprofundado, eu sei que já tem robôs que produzem notícia e assim por diante. Mas daí eu confesso que não tive curiosidade de ler a notícia produzida pelo robô para comparar. Mas sei que eles fazem notícia de esporte, especialmente.

Pochete: Como é para ti trabalhar com o que tu gosta, escrevendo sobre quadrinhos, sobre cinema? E como funciona aquilo que ouvimos quando entramos na universidade sobre ter cuidado, porque provavelmente não vai trabalhar no que tu gosta.

Ticiano: Eu tenho uma relação muito tranquilo com o meu trabalho. Eu gosto e sempre gostei do que faço. Nunca tive problema de achar que estava sofrendo num lugar que não gostava. Já teve desafios que que fiquei assustado, pensando se ia me dar bem naquilo. Mas o fazer jornalístico é muito prazeroso pra mim. Por isso, mesmo que me deem uma matéria sobre um assunto que eu não tenha o menor interesse de ler, o meu fazer jornalístico vai instintivamente tentar fazer aquela matéria de um jeito que se for legal para mim, vai ser para todo mundo. O que eu sempre digo, é “batata”, pode ser que tu goste de um título e ninguém goste, mas se tu não gostou a tendência é que mais gente também não. Não tem unanimidade, mas se tu é a primeira pessoa a estar insatisfeita com o resultado daquela matéria, não queira acreditar que o resto do mundo vai gostar. E, ao mesmo tempo, tem que saber que tu pode achar genial, mas quando chegou num colega do lado e ele não entendeu, então já tem um problema. A gente conseguir a unanimidade e precisamos ter essa calma de entender que vai ter erros.

Fiz recentemente um comentário sobre o filme do Homem Aranha, onde fiz ele todo de forma retórica. Curti quando escrevi, mas não teve mais ninguém além de um colega que gostou. Acontece. Claro, num texto de opinião tu tem um pouco de liberdade criativa, eu não faria aquilo numa matéria sobre um buraco da rua, por exemplo. Então tem muito bom senso, algo que a gente desenvolve e muita gente não tem. O famoso sem noção. Eu prefiro ter bom senso e volta e meia ele já me salvou ou já salvou algum colega. Mas assim, é muito tranquilo pra mim, eu sempre fui feliz com o que eu faço. Entendo que tem gente que não é. Ainda mais agora que passei a ter uma coluna de cinema, é puxado, ainda faço outras coisa, mas é um prazer. É diferente de se eu fosse trabalhar, por exemplo, em agronegócio. Algo que eu nunca trabalhei e não tenho familiaridade. Não é algo que eu saia do trabalho e vá ler sobre isso, ao contrário de esporte, cinema, comportamento, saúde e educação. São coisas que no meu tempo livre já despertam meu interesse, então trabalhar com isso é fácil.

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