“As cooperativas têm o poder e a capacidade de garantir o direito à informação”

Tiempo Argentino foi escolhido entre mais de 300 mídias latino-americanas na primeira edição regional da Google News Initiative

Fabrício Santos
Pochete Jornalismo
11 min readDec 1, 2019

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Redação do Tiempo (Foto: Divulgação)

Com Ivan Júnior

Iniciativa: Tiempo Argentino

Início: 16 de maio de 2010

Local: Buenos Aires — Argentina

Em tempos de crises na economia de um país, somos desafiados a pensar em soluções cuja função é possibilitar alguma forma de sustento individual. E, quando a situação financeira da nação influência no funcionamento de um veículo de comunicação, conduzindo-o a um constante atraso no salário dos funcionários. Tal descrição remete ao Tiempo Argentino, que em fevereiro de 2016, teve a redação ocupada pelos profissionais por 24 horas, como uma maneira de protestar contra o atraso do vencimento dos colaboradores, a violação dos direitos trabalhistas e pelo veículo parar de imprimir o jornal. A solução encontrada pelos trabalhadores do jornal é a autogestão, ou seja, abandonou o modelo da mídia tradicional, transformando-se em uma cooperativa de jornalistas.

De acordo com Federico Amigo, jornalista e membro do Tiempo Argentino, a novidade do veículo tem a ver com a criatividade e a organização alcançada para reverter um cenário de conflito e transformá-lo em uma oportunidade. Foram os trabalhadores protagonistas colocando o jornal de volta a circulação com uma versão em papel todos os e uma cobertura digital todos os dias. A cobertura diária se diferencia das demais mídia, pois oferece um acompanhamento noticioso cuja característica principal é a análise, como explicou Amigo na apresentação do Festival 3i. Apesar da mudança no modelo de gestão, os eixos de defesa dos direitos humanos, educação e saúde pública, são eixos editoriais que foram mantidos.

O jornal cooperativo, surgido em Buenos Aires, inspirou experiências semelhantes em outras localidades da argentina. “Nunca houve um jornal cooperativo na Capital Federal da magnitude do Tiempo com uma proposta inovadora no país: que o meio fosse apoiado e financiado pelo público, pelos próprios leitores, para que assim pudéssemos trabalhar com liberdade e sem condicionamento econômico ou político. Hoje podemos dizer que conseguimos: entre 60 e 70% de nossa receita vem da audiência”, contextualiza o jornalista.

E, como o Tiempo Argentino se sustenta financeiramente? Diferente dos veículos tradicionais cuja renda maior é de publicidade, o veículo tem na assinatura dos leitores o maior contingente do faturamento. Pode-se dizer que a transparência é outra distinção marcante do jornal, quando comparado ao funcionamento das mídias tradicionais. São organizados eventos abertos para conhecer o público, criando um vínculo mais próximo, além de ser oferecido oficinas de redação ao longo do ano. “A transparência é um valor fundamental para a nossa cooperativa. Por isso, dizemos como usamos o dinheiro, que destino damos a ele, quais objetivos nós estabelecemos”, explica Amigo.

Os encaminhamentos e decisões tomadas pelo Tiempo Argentino acontecem em uma assembléia — espaço utilizado para resolução da distribuição dos valores arrecadados, por exemplo. Nas palavras de amigo: “tudo o que é a parte mais concreta da vida da cooperativa”. Cada integrante da cooperativa possui um voto, respeitando a proposta de ser um espaço para decisões horizontais, democráticas e coletivas. Cabe destacar que diariamente as decisões são tomadas por duas estruturas da cooperativa: O Conselho de Administração e a Diretoria de Jornalismo.

A Google News Initiative é uma ferramenta que busca fornecer uma solução tecnológica abrangente para desenvolver um modelo de negócios baseado no financiamento de leitores. Ele procura reduzir o fosso digital entre as organizações de imprensa autogerenciadas que atuam no interesse público e as grandes corporações que lucram com as informações, assim descreve o Tiempo.

O projeto apresentado pela cooperativa foi escolhido entre mais de 300 mídias latino-americanas na primeira edição regional da Google News Initiative. Com os recursos recebidos, será desenvolvido um software de código aberto que nos permitirá melhorar a experiência do usuário com o site e, ao mesmo tempo, otimizar os processos internos de gerenciamento de parceiros. Quando a ferramenta estiver concluída, a cooperativa publicará o código junto com um manual de instruções, para que outros meios autogerenciados possam se beneficiar desse recurso tecnológico.

Quando foi criada a cooperativa que hoje publica o jornal, foi decidido mudar o modelo de negócios do jornalismo. Buscando o financiamento dos leitores para garantir a independência, o Tiempo sempre acreditou que o jornalismo necessário deve ser gratuito. Procurando proporcionar informação para sociedade, com mais ferramentas para tomada de decisões.

Para Amigo, Tiempo é a demonstração de que outro jornalismo é possível, visto que, não temos uma única maneira de fazer jornalismo, e que a autogestão é uma opção tanto para a criação quanto para manter uma fonte de trabalho e uma voz no mapa da mídia. “Acreditamos que as cooperativas têm o poder e a capacidade de garantir o direito à informação e ao acesso plural que é diferente e, ao mesmo tempo, essencial ao de outras mídias. Confira, na íntegra, a entrevista que Federico concedeu ao Pochete Jornalismo.

Federico Amigo jornalista do Tiempo (Foto: Divulgação)

Pochete Jornalismo: Que inovação o Tiempo Argentino traz? Pensando na história do veículo, como se tornou uma cooperativa de jornalistas?

Federico Amigo: A novidade do Tiempo Argentino tem a ver com a criatividade e a organização alcançada para reverter um cenário de conflito e transformá-lo em uma oportunidade. Em 2016, a empresa que controlava parou de pagar nossos salários, violou nossos direitos trabalhistas e parou de imprimir o jornal. No entanto, os trabalhadores conseguiram colocar o jornal de volta na rua com uma versão em papel todos os domingos e também uma cobertura digital todos os dias. Nunca houve um jornal cooperativo na Capital Federal da magnitude do Tiempo que, além disso, veio com uma proposta inovadora no país: que o meio fosse apoiado e financiado pelo público, pelos próprios leitores, para que assim pudéssemos trabalhar com eles. liberdade e sem condições econômicas ou políticas. E hoje podemos dizer que conseguimos: entre 60 e 70% de nossa receita vem da audiência.

Pochete: Quantos membros estão no projeto?

Amigo: Hoje somos 80 membros da cooperativa.

Pochete: História do Tiempo Argentino antes de se tornar uma cooperativa, mencionando as mudanças que ocorreram com o novo posicionamento?

Amigo: Muito antes de se organizar como cooperativa, era uma empresa tradicional administrada por Sergio Szpolski e Matías Garfunkel como rostos visíveis de um grupo maior de empresários. Como toda mídia com proprietário ou empregador, foram eles quem definiram a linha grossa da linha editorial que, ao mesmo tempo, foi financiada graças às diretrizes do estado, à publicidade oficial sem desenvolver nenhum outro modelo de negócios. Ao mesmo tempo, existem certos eixos editoriais que continuam sendo mantidos porque faziam parte do perfil do jornal. Como, por exemplo, a defesa dos direitos humanos, educação e saúde pública, para citar algumas questões.

Pochete: Quais diferenciais do material produzido?

Amigo: Entendemos que o diferencial do material é a aparência que tem nas ofertas no mapa da mídia. Além disso, o Tiempo tem a liberdade de ser capaz de resolver qualquer problema, pois não interfere em nenhum interesse comercial ou político. O Tiempo se tornou o local em que trabalhadores e classes populares podem encontrar sua voz.

Pochete: Como é a produção e a distribuição do conteúdo?

Amigo: A produção do conteúdo é baseada nos produtos atuais que são basicamente dois: o jornal em papel e a versão digital. Essas duas estruturas são o que ordenam nosso trabalho. A produção não difere muito de outras mídias.

Pochete: Como as decisões são tomadas, tais como: critério editorial, divisão de atividades. Vimos um vídeo com o que parecia ser uma assembléia. Pode aprofundar as questões?

Amigo: A assembléia em que todos os trabalhadores participam é o espaço em que as decisões mais importantes são tomadas. Lá, resolvemos como distribuímos o dinheiro, que organização nos damos, que autoridades escolhemos e tudo o que é a parte mais espessa da vida da cooperativa. Na assembléia, cada associado tem um voto e cada voto vale o mesmo. Portanto, são decisões horizontais, democráticas e coletivas. De qualquer forma, no dia-a-dia, existem decisões diárias que geralmente são tomadas pelas duas estruturas da cooperativa: o Conselho de Administração para tudo relacionado à administração e a Diretoria de Jornalismo para tudo relacionado ao jornalismo.

Pochete: Como se sustenta economicamente?

Amigo: Principalmente graças à renda da comunidade de parceiros e membros, de leitores que decidem investir dinheiro no Tiempo Argentino para que esse tipo de jornalismo seja possível. Ou seja, para quem se inscrever conosco diretamente ou comprar o jornal todos os domingos nos quiosques. Também temos anúncios tradicionais e algum financiamento de empresas ou organizações internacionais.

Pochete: Como é a interação com leitores / usuários?

Amigo: A interação é diferente da oferecida por qualquer meio, porque entendemos que representamos um vínculo mais humano, próximo e menos comercial do que outras propostas. Por um lado, temos uma comunidade de benefícios em que os leitores inscritos no jornal podem participar de sorteios de teatro, cinema, recitais, livros, camisas, jantares e muitas outras coisas. Toda semana, há uma página no jornal que reflete os benefícios e esse relacionamento. Por outro lado, organizamos eventos abertos na comunidade para conhecer nosso público e poder ter um vínculo mais próximo e também oferecemos oficinas de redação ao longo do ano. Ao mesmo tempo, somos uma casa aberta para quem quer nos visitar. Entendemos que a transparência é um valor fundamental para a nossa cooperativa. É por isso que geralmente dizemos como usamos o dinheiro, que destino damos a ele, quais objetivos nos estabelecemos e para onde vamos sempre que podemos.

Pochete: Como você pode inspirar iniciativas brasileiras?

Amigo: Tiempo é a demonstração de que outro jornalismo é possível. Somos uma demonstração de que não existe uma maneira única de fazer jornalismo e que a autogestão é uma opção tanto para a criação de uma empresa quanto para manter uma fonte de trabalho e uma voz no mapa da mídia, como aconteceu conosco. O Tiempo pode servir precisamente para inspirar e pensar em outras maneiras de fazer jornalismo, de organizar, de sair da mídia tradicional e hegemônica. Acreditamos que as cooperativas têm o poder e a capacidade de garantir o direito à informação e ao acesso plural que é diferente e, ao mesmo tempo, essencial ao de outras mídias.

Festival 3i (Vídeo: Divulgação)

Pochete: Que inovação o Tiempo Argentino traz? Pensando na história do veículo, como se tornou uma cooperativa de jornalistas?

Amigo: A novidade do Tiempo Argentino tem a ver com a criatividade e a organização alcançada para reverter um cenário de conflito e transformá-lo em uma oportunidade. Em 2016, a empresa que controlava a Tiempo parou de pagar nossos salários, violou nossos direitos trabalhistas e parou de imprimir o jornal. No entanto, os trabalhadores conseguiram colocar o jornal de volta na rua com uma versão em papel todos os domingos e também uma cobertura digital todos os dias. Nunca houve um jornal cooperativo na Capital Federal da magnitude do Tiempo que, além disso, veio com uma proposta inovadora no país: que o meio fosse apoiado e financiado pelo público, pelos próprios leitores, para que assim pudéssemos trabalhar com eles. liberdade e sem condições econômicas ou políticas. E hoje podemos dizer que conseguimos: entre 60 e 70% de nossa receita vem da audiência.

Pochete: Quantos membros estão no projeto?

Amigo: Hoje somos 80 membros da cooperativa.

Pochete: História do Tiempo Argentino antes de se tornar uma cooperativa, mencionando as mudanças que ocorreram com o novo posicionamento?

Amigo: Muito antes de se organizar como cooperativa, era uma empresa tradicional administrada por Sergio Szpolski e Matías Garfunkel como rostos visíveis de um grupo maior de empresários. Como toda mídia com proprietário ou empregador, foram eles quem definiram a linha grossa da linha editorial da Time que, ao mesmo tempo, foi financiada graças às diretrizes do estado, à publicidade oficial sem desenvolver nenhum outro modelo de negócios. Ao mesmo tempo, existem certos eixos editoriais que continuam sendo mantidos porque faziam parte do perfil do jornal. Como, por exemplo, a defesa dos direitos humanos, educação e saúde pública, para citar algumas questões.

Pochete: Quais diferenciais do material produzido?

Amigo: Entendemos que o diferencial do material é a aparência que tem no Tiempo Argentino a diferença de outras ofertas no mapa da mídia. Além disso, o Tiempo tem a liberdade de ser capaz de resolver qualquer problema, pois não interfere em nenhum interesse comercial ou político, enquanto o Tiempo, nesse estágio, se tornou o local em que trabalhadores e classes populares podem encontrar sua voz.

Pochete: Como é a produção e a distribuição do conteúdo?

Amigo: A produção do conteúdo é baseada nos produtos atuais que são basicamente dois: o jornal em papel e a versão digital. Essas duas estruturas são o que ordenam nosso trabalho. A produção não difere muito de outras mídias.

Pochete: Como as decisões são tomadas em Tiempo, tais como: critério editorial, divisão de atividades. Vimos um vídeo com o que parecia ser uma assembléia. Pode aprofundar as questões?

Amigo: A assembléia em que todos os trabalhadores participam é o espaço em que as decisões mais importantes são tomadas. Lá, resolvemos como distribuímos o dinheiro, que organização nos damos, que autoridades escolhemos e tudo o que é a parte mais espessa da vida da cooperativa. Na assembléia, cada associado tem um voto e cada voto vale o mesmo. Portanto, são decisões horizontais, democráticas e coletivas. De qualquer forma, no dia-a-dia, existem decisões diárias que geralmente são tomadas pelas duas estruturas da cooperativa: o Conselho de Administração para tudo relacionado à administração e a Diretoria de Jornalismo para tudo relacionado ao jornalismo.

Pochete: Como se sustenta economicamente?

Amigo: Principalmente graças à renda da comunidade de parceiros e membros, de leitores que decidem investir dinheiro no Tiempo Argentino para que esse tipo de jornalismo seja possível. Ou seja, para quem se inscrever conosco diretamente ou comprar o jornal todos os domingos nos quiosques. Também temos anúncios tradicionais e algum financiamento de empresas ou organizações internacionais.

Pochete: Como é a interação com leitores / usuários?

Amigo: A interação é diferente da oferecida por qualquer meio, porque entendemos que representamos um vínculo mais humano, próximo e menos comercial do que outras propostas. Por um lado, temos uma comunidade de benefícios em que os leitores inscritos no jornal podem participar de sorteios de teatro, cinema, recitais, livros, camisas, jantares e muitas outras coisas. Toda semana, há uma página no jornal que reflete os benefícios e esse relacionamento. Por outro lado, organizamos eventos abertos na comunidade para conhecer nosso público e poder ter um vínculo mais próximo e também oferecemos oficinas de redação ao longo do ano. Ao mesmo tempo, somos uma casa aberta para quem quer nos visitar. Entendemos que a transparência é um valor fundamental para a nossa cooperativa. É por isso que geralmente dizemos como usamos o dinheiro, que destino damos a ele, quais objetivos nos estabelecemos e para onde vamos sempre que podemos.

Pochete: Como você pode inspirar iniciativas brasileiras?

Amigo: Tiempo é a demonstração de que outro jornalismo é possível. Somos uma demonstração de que não existe uma maneira única de fazer jornalismo e que a autogestão é uma opção tanto para a criação de uma empresa quanto para manter uma fonte de trabalho e uma voz no mapa da mídia, como aconteceu conosco. O tempo pode servir precisamente para inspirar e pensar em outras maneiras de fazer jornalismo, de organizar, de sair da mídia tradicional e hegemônica. Acreditamos que as cooperativas têm o poder e a capacidade de garantir o direito à informação e ao acesso plural que é diferente e, ao mesmo tempo, essencial ao de outras mídias.

Vídeo de divulgação da cooperativa Tiempo: “Quem somos?” (Vídeo: Divulgação)

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