Um jornalismo que importe às pessoas

Professor de jornalismo Ivan Paganotti responde uma salada de perguntas sobre temas pertinentes ao presente e futuro da profissão

Dyessica Abadi
Pochete Jornalismo
9 min readOct 18, 2019

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Fake News é um termo taciturno e que assombra o trabalho jornalístico ao propagar desenfreadamente a desinformação. O assunto é sério e combater essa prática tem tirado o sono de muita gente, inclusive do jornalista Ivan Paganotti. Foi pensando em uma maneira bem-humorada de trazer o público que Paganotti e seus colegas criaram o Vaza, Falsiane!, “um curso online ultrapop para entender — e combater — fake news e desinformação”.

Ivan Paganotti é co-criador do Vaza, Falsiane!, junto com Leonardo Sakamoto e Rodrigo Ratier (Crédito: Larissa Amaral/Facebook)

Ivan Paganotti é professor de Jornalismo no Colégio Stockler e do Mestrado Profissional em Jornalismo do FIAM-FAAM Centro Universitário. Ex-repórter freelancer da Editora Abril, tem experiência na área de comunicação, com ênfase em jornalismo impresso e em vídeo, com temática social e econômica. Sua pesquisa atual envolve: fake news, pós-verdade, censura, liberdade de expressão, de imprensa e direito à informação, regulação de meios de comunicação, classificação indicativa, redemocratização, análise de discurso crítica, identidade nacional, estereótipos, narrativa jornalística e produção de correspondentes internacionais.

Sendo um insider sobre temas emergentes, entrevistamos Paganotti com o intuito de debatermos outras multiplicidades de assuntos relevantes para a carreira jornalística. Abaixo, a entrevista completa:

Pochete Jornalismo: Na tua percepção, o que já foi o jornalismo e o que é atualmente?

Ivan Paganotti: O jornalismo sempre envolveu contar histórias que sejam relevantes, ou apresentar opiniões e informações que tenham interesse público. O quê muda com o tempo é o mecanismo que se utiliza para fazer essa transmissão de informações e de opiniões para as pessoas que se interessam por elas, assim como as possibilidades de se ter feedback ou interação com o público, a linguagem que se adota, a tecnologia que se utiliza. Sempre envolve apresentar opiniões e contar uma história que seja envolvente.

Pochete: Como impactar as pessoas com jornalismo? Quais vias?

Ivan: As pessoas sempre são impactadas pelo jornalismo quando se traz informações que são relevantes. As pessoas tomam decisões que são importantes para as suas vidas, que vão desde as decisões mais evidentes para a gente, como em quem você vai votar, informações sobre representantes políticos, impactos econômicos; até questões que são mais triviais como qual filme você vai assistir no final de semana, qual livro vale a pena ler — a crítica cultural tem um papel bastante relevante sobre isso — , resultados de processos esportivos, de competições; ou até mesmo informações banais como está o trânsito, se irá chover ou não em determinado lugar. São informações que têm a sua relevância jornalística e que podem trazer um impacto na vida das pessoas.

Pochete: Como tu enxerga os processos jornalísticos voltados à produção cultural?

Ivan: É importante ter uma boa cobertura jornalística sobre os processos de produção cultural para as pessoas poderem saber quais são os elementos relevantes, até para podermos conseguir entender práticas culturais que não estão no nosso círculo, na nossa frequência, ou para o nosso público, especificamente. É preciso conhecer práticas culturais que utilizam linguagens, ou abordagens, ou até temáticas com as quais não estamos acostumados. O jornalismo funciona como uma janela para esses círculos, esses autores, esses conceitos, essas obras, esses espaços culturais aos quais a gente não está acostumado a frequentar. Nem sempre todas as pessoas têm as suas preferências, as suas prioridades, as suas afinidades culturais contempladas e, às vezes, a gente fica muito fechado dentro de alguns círculos, algumas bolhas. É importante que o jornalismo abra esses espaço e mostre vertentes diferentes, mostre quais são os mecanismos distintos para que as pessoas possam fazer uma boa escolha. Também é uma forma de você mostrar quais são os elementos relevantes, quais são as obras que merecem atenção e fazer uma crítica sobre essas obras.

Pochete: De que forma tu enxerga o papel do fã que se coloca dentro da produção de conteúdo jornalístico cultural, na falta de sites jornalísticos que façam esse serviço? Quais processos possíveis podem surgir a partir disso?

Ivan: Os fãs participam desse processo de produção cultural e são bastante relevantes. É uma forma de você conseguir ter um feedback, ter, inclusive, uma interação bastante intensa do público. Tem muito jornalista que trabalha com cultura, assim como em esporte, em economia, ou política, que está escrevendo para um público que, às vezes, é mais especialista dentro do tema do que o próprio jornalista, que tende a ser mais generalista, ou não conhece muitas informações sobre o tema. Então o público pode trazer informações que sejam relevantes, pode trazer inclusive sugestões ou propostas de pautas, de abordagens diferentes, pode fazer críticas que são importantes, pois o jornalista pode aprender bastante com isso. Se essa relação for bem cultivada, você pode ter uma proximidade muito boa entre os fãs e os jornalistas que trabalham com cultura, podendo se retroalimentar: os fãs sugerindo coberturas, fazendo críticas, aprimorando esse trabalho do jornalista; e o jornalista, por sua vez, trazendo aos fãs informações que eles, por não serem profissionais da área, não conseguem ter como os furos, as informações de bastidores, uma proximidade com esses artistas, e uma crítica mais temática, ou um contato com novas obras, que talvez o fã, no seu espaço mais fechado, não conhecesse.

Pochete: Tu enxerga o infotenimento como uma prática legítima dentro do jornalismo?

Ivan: Sim, o infotenimento é uma prática legítima no jornalismo, apesar de enfrentar muita restrição. Muitas pessoas, até mesmo as pessoas que são críticas a esse tipo de conteúdo, não reconhecem que consomem algumas vertentes de infotenimento, que não segregavam: “ah, isso que eu consumo não é infotenimento em especial”. Então nós não podemos ter esse tipo de discriminação, esse tipo de preconceito. Nós temos que ter uma abertura e um reconhecimento de que é uma forma de apresentar informações em uma linguagem mais acessível, uma linguagem mais interessante. Entretanto, tem que estar bastante claro que o infotenimento ainda tem que seguir os preceitos básicos do jornalismo: de apuração, de verificação, de equilíbrio, de você tentar tratar de temas que sejam relevantes. Assim, a linguagem e a temática do entretenimento não podem abandonar esses mecanismos e essas práticas. O público tem que ter clareza sobre o lugar que está navegando e também ter abertura para conteúdos que são um pouco mais sérios. Não quer dizer que tudo precisa seguir essa lógica (da informação com entretenimento) para o infotenimento ser bem sucedido. É possível você atrair certos públicos, ou conseguir financiar algumas iniciativas jornalísticas, com o fluxo de público que vem dessas linguagens que estão atraídos por esse tipo de abordagem.

Pochete: Em qual medida a platamiforzação tem impactado na prática jornalística? Quais lógicas ela transforma nessa tendência?

Ivan: A gente tem caminhado para uma dispersão de plataformas. O jornalismo online, principalmente, teve um primeiro momento muito grande de lógica dos portais, dos macroagregadores, depois nós tivemos uma dispersão para os sites específicos, e agora nós estamos vendo, inclusive, a criação de aplicativos próprios de transposição para cada um desses conteúdos. Então os principais jornais já tem os seus próprios aplicativos e muitos deles dependeram, durante alguns anos, de redes sociais como um mecanismo de difusão, ou de feedback, ou até de apuração de notícias. Então, esses sites dependiam de Instagram, WhatsApp, Facebook, ou Twitter e, desde as mudanças no Facebook no começo do ano passado, muitos veículos de jornalismo, muitos veículos da imprensa, perceberam que essa dependência poderia ser um pouco problemática e passaram a tentar depender mais de suas plataformas autônomas, como os aplicativos, as mailing list, os seus sites próprios, ou os seus próprios assinantes. As empresas de comunicação sabem que, por não contarem e não deterem as regras, elas não serão estáveis em plataformas de terceiros. Esses lugares podem mudar a qualquer momento e uma empresa não pode ter um modelo de negócio que dependa exclusivamente desse tipo de plataforma. Essa é uma questão para se ficar atento.

Pochete: As redações estão se extinguindo… Cite três locais que tu vê como potenciais de mercado para jornalistas atualmente. Por quê?

Ivan: Não podemos ignorar que o principal ponto de absorção do mercado de trabalho para o jornalista ainda é na assessoria de comunicação. Nós temos muitos profissionais indo para a assessoria de imprensa, para a comunicação interna, então temos que levar isso em consideração. Segundo ponto importante é que, apesar das redações estarem se encolhendo, nós ainda temos as redações grandes dos grandes veículos. Esse é um ponto importante que não pode ser ignorado, pois nós temos que ter esse espaço também, principalmente para os mais jovens, para quem está saindo da redação. Há muitos veículos que têm programas de training, treinamento, que é bastante importante e não pode ser ignorado. Nós temos os veículos alternativos que têm crescido bastante nessa possibilidade de expandir para outras linguagens. E também temos um crescimento grande agora de produtos quase que individualizados: o jornalista que abre seu próprio blog, isso desde a década passada, o jornalista que agora usa outras linguagens, como podcasts, ou escrevem para redes sociais, essa é uma forma de você construir visibilidade, apesar da remuneração ser muito baixa e as possibilidades de financiamento serem muito difíceis, ou às vezes indiretas, é uma forma de você colocar o seu trabalho no mercado e conseguir ter alguma oportunidade. Então eu acho que essas seriam as quatro principais: assessoria de comunicação, veículos tradicionais, veículos alternativos e o jornalista autônomo, como umas das principais estratégias de inserção nesse mercado.

Pochete: Tu acredita que a formação acadêmica em Jornalismo seja para privilegiados? Por quê?

Ivan: Depende do que você considera formação acadêmica em jornalismo. Se você considerar a graduação em jornalismo, ter o título de bacharel, isso não é para privilegiados, porque os números mostram uma quantidade gigantesca. Nós temos muitos jornalistas estudando e se formando no Brasil, muito mais, inclusive, do que o mercado precisa. Então não podemos considerar que com esse número, com esse volume, que isso seja um elemento para privilegiados. Mesmo na pós-graduação, nós tivemos um crescimento muito grande. Existem dezenas de programas de pós-graduação no Brasil que, obviamente, ainda são concentrados nos grandes centros urbanos e principalmente na região sudeste e na região sul, e com outros centros mais pontuais, como no nordeste e na região norte do país. Então, se você considerar a formação acadêmica como uma continuidade na carreira acadêmica para realizar um mestrado, ou uma pós-graduação, os números no Brasil mostram que é muita gente fazendo esse tipo de abordagem. Portanto, não podemos considerar que seja somente para privilegiados. O problema é que normalmente a carreira acadêmica tem uma remuneração muito baixa, tem períodos de instabilidade muito grande, principalmente no começo da carreira, são poucos os concursos públicos, as universidades privadas elas têm dificuldades muito grande, muitas vezes, para manter seus corpo docente. Então, a carreira acadêmica ela tem alguns percalços que, para quem precisa de estabilidade, de uma fonte de renda um pouco maior, acaba sendo um problema. Mas a formação acadêmica, fazer uma graduação, ou estudar, fazer uma pós-graduação, lato ou stricto sensu, não é para privilegiados porque tem muita gente no Brasil fazendo isso, os volumes são muito grandes, muito maior até do que o mercado consegue absorver. Então a gente não pode considerar que é uma minoria somente que tem acesso a essas abordagens.

Pochete: Como tu interpreta essa “onda” empreendedora na teoria X prática? Como tu descreveria o “discurso empreendedor”?

Ivan: Eu não estudo muito o discurso empreendedor, tem outros profissionais que eu recomendaria, como Vander Casaqui da Universidade Metodista de São Paulo, que é especialista nessa área. Conhecendo a pesquisa dele e de outros profissionais, nós temos, de modo geral, um discurso que tenta difundir a ideia do empreendedorismo como uma possibilidade de maior autonomia ao profissional: vai ser seu próprio chefe e vai conseguir ter uma renda maior, porque não vai pagar tantos impostos nos direitos trabalhistas. Esse é o discurso de benefícios para o profissional, mas que esconde, na verdade, uma prática bastante frequente de precariedade, no sentido de você não ter estabilidade, não ter a possibilidade de autonomia real, porque, como você recebe muito pouco, fica difícil você negar trabalhos, ou então você realmente escolher as abordagens. Você basicamente tem que acabar aceitando tudo o que aparece, muitas vezes, nas piores condições possíveis. Então, a teoria e a prática do empreendedorismo, na maior parte das vezes, acabam não se conectando. Nós temos, obviamente, assim como no mercado formal, alguns profissionais que têm realmente condições de ter essa prática muito próxima do discurso, mas nós sabemos que para a grande maioria esse cenário esconde uma precarização, uma forma de você pagar menos e não ter um profissional estável, CLT, com direitos trabalhistas, e você poder ter uma equipe mais flexível, uma equipe mais escalonável, você pode ampliar ou reduzir com menos problemas, dependendo aí das demandas. Então um exemplo de lógica é a em que ano de eleição e ano de copa do mundo você expande e depois você não precisa mais ligar para essas pessoas, não tem que demitir, não tem que fazer os processos formais. Portanto, precisamos considerar que o empreendedorismo às vezes oculta um mecanismo de precariedade e os profissionais têm que ter isso em mente. O duro é que às vezes não há uma outra alternativa, não há tantas oportunidades de emprego formal, considerando agora essa expansão, não só no jornalismo, mas em quase todas as áreas, dos profissionais mais informais.

Pochete: Assim como em diversas profissões, o jornalismo é composto por sexismos… já observou alguma situação delicada nesse sentido? De que forma as mulheres podem superar essas barreiras culturais/profissionais?

Pochete: Quais as próximas transformações tu imagina para a prática jornalística a curto e longo prazo?

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