Um novo modelo de negócios?

Flávio Gomes comenta sobre o momento da profissão e projeta os desafios dos jornalistas para os próximos anos

Fernando Campos
Pochete Jornalismo
7 min readOct 18, 2019

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Crédito: Flávio Gomes/Arquivo pessoal

Com 37 anos de carreira, Flávio Gomes acumula experiência em diferentes veículos e meios de comunicação. O começo foi em 1982, no finado Popular da Tarde. Depois, passou pela Folha de São Paulo, revistas Placar e Quatro Rodas Clássicos, no canal da TV fechada ESPN e nas rádios Cultura, USP, Jovem Pan, Bandeirantes, Eldorado-ESPN e Estadão ESPN. Além disso, Flávio fundou a Agência Warm Up, que cobriu o mundial de Fórmula 1 para mais de 120 jornais entre 1995 e 2011, e criou o site Grande Prêmio, que completa 25 anos em 2019.

Aliás, o automobilismo é uma paixão do jornalista também fora do ambiente jornalístico, sendo colecionador de carros e piloto de corrida. Outro amor na vida dele é a Portuguesa, sendo um assíduo frequentador do Estádio Canindé, seja nos momentos bons ou ruins do.

Ao longo de sua extensa carreira, acumulou prêmios, vencendo quatro vezes o Prêmio Aceesp, nas categorias Melhor Repórter, Melhor Apresentador de Rádio e Melhor Blog Esportivo. Atualmente, é comentarista e apresentador no canal Fox Sports e segue comandando o site Grande Prêmio. Na entrevista abaixo, Flávio comenta sobre a forma com que enxerga o jornalismo atual e projeta os próximos anos.

Pochete Jornalismo: como você enxerga o jornalismo atual e a qualidade do conteúdo produzido?

Flávio Gomes: o principal problema do jornalismo hoje, considerando jornalismo os veículos de comunicação que produzem conteúdo jornalístico com critério, mérito e responsabilidade, é encontrar um modelo de negócios que financie essa atividade, que permita contratar bons jornalistas, financiar boas reportagens e fazer jornalismo como sempre foi feito quando existia um modelo de negócio muito claro. Você fazia bom jornalismo, boa vendagem, boa tiragem, boa audiência e, portanto, as empresas anunciantes acabavam fazendo essa roda girar. Para atingir grandes públicos, você precisava de um grande jornal, de uma grande entrevista, de uma boa emissora de televisão e de uma boa emissora de rádio. Agora, com o advento da internet e, sobretudo, das redes sociais, esse dinheiro do bolo publicitário passou a ser aplicado em outras plataformas, que não são necessariamente de jornalismo. São de comunicação também, atingem muita gente, mas não são plataformas de jornalismo; eu estou falando de youtubers, perfis do Instagram, redes sociais em geral. Então, o grande problema do jornalismo hoje é encontrar um modelo de negócios que possa fazer com que ele volte a ter a relevância que já teve. Porque hoje, com tanta gente produzindo conteúdo, o jornalista está perdido em um vasto oceano de gente se comunicando, mas na maior parte das vezes sem os métodos e as exigências do jornalismo.

Pochete: na sua opinião, quais as tendências do jornalismo para os próximos anos?

Flávio: eu não sou nem otimista nem pessimista. A comunicação está se modificando muito rapidamente. As coisas que a gente faz hoje eram inimagináveis 10 anos atrás, 5 anos atrás, como as ferramentas que os celulares, internet e aplicativos oferecem. Então, o que eu acho e espero é que esse tsunami de informação, comunicação e conteúdo, gerado por qualquer aparelhinho, aplicativo e pessoa, tenha um refluxo para salvar o jornalismo de verdade. Como eu disse na primeira resposta, as pessoas hoje confundem qualquer conteúdo com conteúdo jornalístico e isso não é real. Eu espero que haja uma tendência que o bom jornalismo, o jornalismo produzido com método, com responsabilidade, volte a ter relevância, mas para que isso aconteça é muito importante que se encontre um novo modelo de negócio que sustente a produção jornalística.

Pochete: você criou o site Grande Prêmio. Quais os pontos positivos e negativos de produzir conteúdo na internet?

Flávio: a internet é muito útil. Alguns veículos de comunicação tradicionais fecharam as portas, encerraram as suas atividades nos últimos anos, entre outros motivos, por custos, pelas dificuldades de distribuição e impressão. Já a internet literalmente recebe tudo. Então, por exemplo, para uma área como o automobilismo, que não teria hoje espaço físico nos veículos de comunicação tradicionais, a internet é uma benção. Isso vale para vários nichos de interesses das pessoas que simplesmente não cabem fisicamente nos veículos de comunicação tradicionais. Na televisão e rádio, por exemplo, você tem o limite do tempo. No jornal e revista, você tem o limite físico, do papel e do espaço. Na internet, não. Então, para nós que trabalhamos em uma área de nicho, é muito positivo. O ponto negativo é que se produz muito lixo também. É legal por um lado porque democratiza a produção de conteúdo, mas por outro lado se publica muita porcaria. As pessoas, às vezes, não têm muito filtro. Acreditam em qualquer coisa. A gente vê muita mentira, a gente vê muita montagem, a gente vê muita coisa errada. Não que o jornalismo seja inatacável, mas pelo menos a respeita alguns critérios de produção importantes. Para nós de algumas áreas, a internet foi realmente uma benção porque oferece um espaço ilimitado e infinito para escrever, contar, mostrar, desenhar. Enfim, fazer coberturas que não teriam espaço sem a internet.

Pochete: como você vê a relação entre tecnologia e jornalismo? Acha que as novas ferramentas melhoraram a área?

Flávio: o nosso ofício é basicamente o mesmo: observar, testemunhar, reportar e analisar. Agora, as mídias sociais viraram fonte. Mas é preciso muito cuidado ao tratar informação divulgada em redes sociais porque contemplam não só as fake news, mentiras, falsidades, como também acabam levando a um jornalismo chapa branca. Essa história de não ter um intermediário entre a fonte e o leitor, que era o jornalista, faz com que se perca um filtro importante. Um exemplo idiota: o cara que gosta de futebol e se informa sobre o Corinthians apenas através das redes do Corinthians terá informação chapa branca, que não é contestada por ninguém. O jornalista tem essa função de obter a informação e muitas vezes desconfiar dela, apurar, desconstruir, investigar e tudo mais. Então, as redes sociais fazem com que o tipo de informação que chega ao consumidor final seja uma informação absolutamente filtrada por quem tem interesse em divulga-la. No mais, a gente teve que aprender a usar rede social para atingir mais público. Nesse ponto, as redes sociais são interessantes porque conseguimos atingir gente que não atingiríamos se trabalhássemos nos veículos tradicionais.

Pochete: as fake news cresceram graças às redes sociais e aplicativos de mensagens. Para você, qual a melhor maneira de combater as fake news?

Flávio: a melhor maneira de combater fake news é se preocupar com a origem das fontes de informação que consome. Se a pessoa não tem nenhum tipo de critério, acredita em qualquer coisa, não se preocupa com a origem de uma informação ou com quem está divulgando uma informação, ela é uma presa fácil para as fake news. Não sei se há como combater. Eu acho que o combate é pessoal. É interno. As pessoas têm que ter um pouco mais de discernimento para acreditar nas coisas e naquilo que divulgam. Mas eu acho que esse ambiente das redes sociais está totalmente contaminado e eu não sei se existe uma forma muito eficiente de combater isso.

Pochete: você acha que a internet e as mídias sociais causaram a desvalorização do jornalismo perante a sociedade? Caso a resposta seja sim, como reverter isso?

Flávio: Acho sim. Acho que, não a internet, mas as redes sociais causaram sim uma desvalorização do jornalista porque todo mundo hoje se sente jornalista. Todo mundo que bota a cara numa câmera e fala qualquer merda ou que faz um podcast sobre qualquer assunto se acha jornalista, quando, na verdade, não é. Jornalismo é outra coisa. Como eu disse no início, as pessoas estão confundindo conteúdo de comunicação com jornalismo e, quando há essa confusão, o nosso trabalho é desvalorizado sim.

Eu não tenho a menor ideia de como reverter isso. Esse ambiente de redes sociais é muito tóxico e está muito contaminado. Não vai reverter, mas o que o jornalista pode fazer é simplesmente continuar seguindo os seus princípios pétreos de trabalho e de respeito a profissão. O jornalista não pode se transformar em simplesmente mais um agente de disseminação de qualquer bobagem por rede social.

Pochete: Para você, o que caracteriza o verdadeiro jornalista? Assessor de imprensa é tão jornalista quanto um repórter?

Flávio: sim, assessor de imprensa é uma das tarefas do jornalista. O que caracteriza o verdadeiro jornalista é o compromisso com a verdade, só isso. Compromisso com a verdade e respeito a quem está consumindo a sua informação. Se você tem isso, então você é jornalista. Se você não se presta a ser instrumento de defesa de interesses espúrios, de grupos, de corporações, de governos, se você é honesto no trato com a informação, você é um jornalista. É a pessoa que tem um preparo técnico para produzir, gerar conteúdo para empresas que contratam esses profissionais. Para assessor de imprensa vale a mesma coisa, você precisa ser honesto do começo ao fim e tratar a informação com honestidade.

Pochete: como você imagina a área daqui 10 anos?

Flávio: eu não me arrisco a fazer uma previsão para daqui 10 anos, de forma alguma. Porque, se eu fizesse qualquer previsão dez anos atrás, eu iria errar todas, porque surgiram tantas coisas novas, tantas ferramentas, tantos equipamentos, tantos aplicativos, que é impossível imaginar o que vai acontecer nos próximos dez. A única coisa que eu acho é que a gente tem que manter o pé no chão e os nossos princípios no trato com a informação e com aquele que consome a informação. Isso não muda. O que muda hoje, a gente tem visto nos últimos anos, é a maneira como você consegue produzir e divulgar a informação. Mas a responsabilidade e honestidade têm que ser intocados, porque a gente precisa disso para ser realmente um jornalista e respeitar a nossa profissão.

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