Como ouvir podcasts: a arte e a técnica de se conectar com histórias em áudio
No mundo da crise de atenção, os podcasts são um refúgio bem-vindo. Depois do PLAY, estamos livres das notificações e nos conectamos de forma quase íntima com uma voz que autorizamos morar em nossas cabeças. Por que isso se dá? É o que pretendo explicar a seguir.
por Mauro Amaral
Em 26 de agosto de 2019, William Bonner apareceu na bancada do Jornal Nacional, uma das maiores audiências do Brasil e como sempre falou de diversos assuntos, sempre alternando tragédias e pseudo esperanças nacionais. Mesmerizou donas de casa e desinformados em geral com as falácias de sempre. No fundo acho que já estamos até acostumados…
Mas, algo aconteceu diferente naquele dia. Quem acompanhou pode ver o âncora explicar para a nação mais conectada do mundo a como ouvir podcasts.
Sim, a Globo resolveu batizar 2019 como o ano do Podcast no Brasil, coisa que a comunidade de produtores já fazia desde 2014 em encontros e colabs. Em 2015, com diversos novos programas e as primeiras pesquisas com o público. Em 2016, com o primeiro encontro nacional de Podcasters que rolou na ComicConXP daquele ano. Em 2017 e 2018 com a chegada do Spotify e muitos outros movimentos e aquisições no mercado.
O que mudou com essa entrada em cena do podcast no jornal de maior audiência do país? Como o lançamento de vários e bons programas pela Gigante Platinada logo em seguida (disponíveis nos principais agregadores) muda a relação entre o produtor independente e sua audiência?
Essas e outras questões começaram a pipocar em minha cabeça desde então.
A resposta para elas, acredito só vou encontrar após a observação atenta e próxima sobre a comunidade de produtores independentes que pretendo empreender pelos próximos dois anos. Sobre essa jornada, estou preparando um material especial e vou compartilhar nas próximas semanas.
Mas, até lá, tem uma questão que precisamos trabalhar agora. A ideia é, como você já deve ter visto no título, dar dicas de como ouvir podcast. Se você já está aqui, isso pode parecer até idiota. Ou ingênuo, de repente. Mas a ideia é aprofundar duas perspectivas que, por motivos óbvios, escapou ao escopo do Tio William em agosto passado.
A perspectiva da técnica, ou seja, como baixar, organizar e encaixar a audiência de podcasts em sua vida diária.
E a perspectiva da arte de ouvir podcasts. Por que sim, é uma arte se relacionar com histórias em áudio. E também entender o que ela pode influenciar em sua vida. E como você pode colaborar com a cena.
A arte e a técnica de ouvir podcasts, portanto, é o tema desse artigo.
Parêntesis importante
Este artigo nasceu como transcrição adaptada de um episódio de (quase) mesmo nome do meu podcast, o projeto mauroamaral.com. Você pode conferir, dando play abaixo:
Fim do parêntesis…
Mas, afinal, como explicar o que é um podcast?
Se você um dia já se pegou tentando explicar o que é e como ouvir podcasts para alguém, deve ter falado o tradicional “é como um programa de rádio, só que pela internet”. Pois bem. Você está quase certo quando faz isso.
Explicar o porque disso, acho que é a melhor forma de abordar a técnica de ouvir podcast. Vamos lá.
O rádio nasceu em uma época em que era uma das formas de maior alcance e custo mais competitivo para atingir um grande número de pessoas ao mesmo tempo. Alcance, pessoas e tempo, portanto, guiaram a linguagem da produção radiofônica do início dos anos 20 até hoje.
Já o podcast nasceu em uma época em que começávamos a experimentar aquilo que foi batizado de crise da atenção. No lugar de foco e reunião física de pessoas, portanto, ele teve que enfrentar outros desafios.
A meu ver, o principal foi o de RECUPERAR a sincronicidade da atenção do público e, de certa forma, conseguir trazê-lo para o foco do discurso, mesmo como audiência. Sem interrupções, notificações ou mil janelas piscando, o áudio é o contato direto e também um descanso das tantas telas que utilizamos.
Depois do PLAY estamos livres.
O PLAY é a libertação das telas
O podcast é o salvo conduto pela zona de guerra da crise da atenção.
Com ele nos ouvidos, você circula como que protegido do ruído.
É o discurso organizado que protege sua atenção do ruído.
É nesse contexto que nasce a técnica de se ouvir podcast. E dela, o seu estado de arte. Conjugar essas duas instâncias é, portanto, fundamental para atingir a todo o potencial de sua playlist.
Comecemos pela técnica
No cenário de hoje, uma das primeiras coisas a se fazer é escolher o seu agregador de podcasts. Por agregador entenda aquele aplicativo que vai reunir todas as suas assinaturas (fique tranquilo, são gratuitas!) em uma timeline e avisar (e às vezes baixar) todos os programas que saírem.
Existem diversos agregadores disponíveis. Desde a entrada do Spotify nesse mundo — através de duas aquisições milionárias do serviço Anchor e da produtora Gimlet Media — , ele meio que tenta se vender como a solução definitiva. Mas, longe disso.
Desde o app embarcando no iOS, até soluções nacionais como o WeCast, você com certeza vai achar um agregador para chamar de seu. Dica: procure por um que faça boa gestão de playlists, tenha acesso à base da Apple Podcasts e que auxilie você a compartilhar mais facilmente os programas que curtir com os seus amigos. Minha dica? O PocketCasts. Mesmo com idas e vindas em seu modelo de negócios ainda é uma solução bem consistente.
Outra boa dica é aprender a classificar os seus programas. A minha classificação se resume a três categorias: os essenciais, os interessantes e aqueles que assino mas para acompanhar os temas que estão tratando, meio que como um leito de feeds e não necessariamente escuto toda edição. Faço isso para equilibrar a pesquisa constante da cena com o prazer de ouvir o que curto.
A dica anterior leva a essa: automatize as tarefas para os programas essenciais. Ou seja, coloque o seu app para trabalhar você baixando automaticamente os programas que faz questão de ouvir toda semana e jogando para o final da fila aqueles que ouve esporadicamente. ;)
E, claro, entenda o seu momento. Um dos grandes baratos de se ouvir podcast é que você pode fazer isso de qualquer lugar. E fazendo outra coisa. Tem quem curta ouvir dirigindo, outros em atividades complementares e até mesmo pouco antes de dormir. Essa última comigo não funciona muito, porque assim que o host começa a falar eu…durmo.
Um alerta aqui como última dica: evite cair em uma F.O.M.O aplicada ao mundo dos podcasts. Entenda que tudo bem se você perder o programa em uma semana e ouvir na próxima, ou não estiver comentando o último episódio do programa mais badaladinho da temporada. Tenha o seu momento. Resgate a sua intimidade. E só.
E, com isso, chegamos na arte de ouvir podcasts
A arte de ouvir podcasts tem a ver com a utilização do pleno potencial da plataforma. É utilizar os programas não só para matar o tempo e se divertir, coisas que todo mundo precisa fazer.
Mas também para ouvir VOZES da diversidade, rindo com o pessoal do Um milkshake chamado Wanda ou endossando a luta das Pretas na Rede.
Ou ainda para enfrentar a hegemonia dos meios de comunicação a partir do apoio ao Revolushow e ao excelente Lado B no Rio.
Para encontrar seu nicho pessoal, como eram as redes sociais antigamente, e discutir sobre empregabilidade no Aparelho Elétrico, para falar de literatura com o Caixa de Histórias ou para deixar-se levar por narrativas imersivas e delas retirar o assombro do mundo, como no Projeto Humanos.
Mais do que isso: entender que essa é a minha arte pessoal como audiência de podcasts. E que cada um cria a sua.
Ouvir podcasts hoje é um ato de resistência
Principalmente porque eles são um dos meios que resistem com alguma independência dos algoritmos e tem potencial de se contactar diretamente com suas audiências, um ato de resistência.
Pense nisso: ouvir podcast é escolher assinar um contrato com alguém que vai morar em sua cabeça por alguns minutos. Estabelecer um discurso oral. Uma intimidade oral. E fazer isso na frente de quem te enfrenta. Sem que o outro saiba.
Podcast é resistência. Ouvir é resistência.
Você, parte integrante de minha provável audiência é o elemento PRIMORDIAL de todo esse sistema de intimidade, oralidade e diversidade.
Vai para você todo o nosso esforço. Falo isso em nome de toda a comunidade de produtores independentes que estão, como eu, hoje, domingo há dois dias e às 19h24, quando escrevi o roteiro que deu origem ao programa que fez nascer esse artigo.
E de você, essa comunidade espera ajuda. Se não quiser apoiar o projeto mauroamaral.com apoie todos os outros. A dica é a mais simples e eficiente de todo esse programa.
Vá, por exemplo, no Picpay AGORA (utilizado por grande parte da comunidade para oferecer assinaturas de seu conteúdo) é digite a palavra podcast no campo de busca. Apenas isso. Você vai entender quantos projetos incríveis podem contar com o seu apoio.
