Aziz Ansari: Right Now (Netflix)

Pizza Nazista

Um comediante, uma plateia e duas polêmicas.

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Uma polêmica

No dia 09 de julho, a Netflix estreou em seu catálogo o mais novo especial de comédia do mundialmente aclamado Aziz Ansari: Right Now. Agraciado com dois Emmys e um Golden Globe, Ansari subiu no conceito popular por seus papéis em programas como Parks and Recreation e Master of None, pelo seu livro Modern Romance: An Investigation e pela sua comédia moderna e crítica da cultura social contemporânea.

Em janeiro de 2018, entretanto, a vida pública de Aziz foi colocada em cheque depois da publicação de um artigo no finado site babe.net. O texto, escrito por Katie Way, trazia o relato de uma mulher (cujo nome foi omitido por questões de privacidade) que acusava o ator de “má conduta sexual” durante um encontro. O artigo imediatamente causou polêmica entre os fãs de Aziz; enquanto alguns demandavam explicações, outros alegavam que as atitudes relatadas nem constituíam assédio. Ele se defendeu dizendo que o encontro teria sido completamente consensual, mas seus críticos mantiveram a posição de que a conduta reportada era de fato misógina e questionável.

Para os propósitos deste texto, não vem ao caso se Aziz Ansari é ou não culpado de má conduta sexual. Basta saber que o debate nas redes sociais foi grande o suficiente para o comediante sentir a necessidade de se retratar publicamente no especial recém-lançado pela Netflix. Além de pedir desculpas pelas suas atitudes, ele relatou que as alegações o fizeram refletir sobre o conceito de assédio sexual e também provocaram epifanias em outras pessoas próximas.

Outra polêmica

Entre piadas e monólogos pungentes, Ansari parece colocar um espelho na frente da cultura contemporânea. E é aí que entra a pizza nazista.

A piada (se é que essa descrição é adequada) dura menos de um minuto. Ele começa lembrando a plateia sobre um recente escândalo que percorreu as mídias sociais: uma pizza cujo arranjo dos pepperonis talvez sugeria uma suástica, fazendo com que o pizzaiolo fosse catapultado para o centro do debate público. Os pepperonis haviam sido propositalmente organizados daquela forma? Se sim, qual deveria ser a punição do cozinheiro? Se não, qual era a chance daquele arranjo ocorrer naturalmente? Os pepperonis de fato lembravam uma suástica?

Uma pizza cujo arranjo dos pepperonis talvez sugerisse uma suástica

Não sou muito apegado a redes sociais, então não sabia do que ele estava falando. Imediatamente pausei o programa e procurei fotos da pizza amaldiçoada no Google. Tendo encontrado diversas imagens, assumi que a primeira era a dita cuja e comecei a analisá-la com cuidado… Cada fatia do salame era mais incriminadora e dei o debate por resolvido: a pizza portava uma suástica e, com certeza, o pizzaiolo teria de ter feito aquilo intencionalmente. Voltei então para o especial.

Aziz pediu que levantassem as mãos os membros da plateia que tivessem visto a suástica na pizza, ou seja, que achassem que os pepperonis haviam sido organizados em forma de suástica. Concordando comigo, parte dos presentes levantou a mão. O comediante pediu então que levantassem as mãos os membros da plateia que não achassem que os pepperonis lembravam uma suástica. Uma fração considerável do público discordava de mim.

Para completar a pesquisa de opinião, Ansari pergunta para um dos respondentes onde ele havia visto a imagem da pizza e o homem responde que achava que tinha sido no The Washington Post, um dos mais respeitáveis jornais americanos. O comediante discorda: não poderia ter sido no The Washington Post.

Na verdade não poderia ter sido em lugar nenhum porque Aziz Ansari tinha inventado a história toda.

Por um segundo fiquei surpreso. Depois me senti traído. Por fim percebi o que ele estava fazendo. Sua intenção, ele disse, não era fazer com que nenhum integrante da plateia se sentisse mal, mas sim mostrar que as pessoas hoje em dia sentem a necessidade de ter uma opinião sobre tudo, mesmo as coisas sobre as quais elas não sabem nada. Ele também falou sobre as pessoas que não levantaram a mão em nenhuma das perguntas: durante a história ela provavelmente tinham ficado mais preocupadas em perder um momento importante do debate social do que com a situação do pizzaiolo.

No meu caso, não adotei uma posição no debate antes de ter procurado pela pizza na internet, mas fui tão enganado quanto a plateia: tendo clicado no primeiro resultado do Google, achei que já sabia tudo que era necessário para condenar o suposto cozinheiro nazista.

O experimento conduzido por Ansari é extremamente relevante. O que isso significa para o debate público? Quantas pessoas irritadas na internet não sabem sobre o que estão falando? Quantos julgamentos premeditados não têm consequências sérias na vida de outra pessoa?

No Brasil, já em 2014, uma página de Facebook chamada “Guarujá Alerta” publicou um post com o retrato falado de uma mulher loira que estaria “raptando crianças para realizar magia negra”. Apesar de ter cabelos castanhos, no dia 03 de maio Fabiane Maria de Jesus foi confundida com a suposta criminosa, fazendo com que dezenas de pessoas se juntassem ao redor dela gritando palavras de justiça.

Depois de duas horas de confusão, a mulher, mãe de duas filhas pequenas, acabou sendo espancada e morta. A publicação no Facebook tinha como palavras finais o clássico “se é boato ou não devemos ficar alerta”.

Respondendo às perguntas retóricas de Ansari, as consequências de uma sociedade que “atira primeiro e pergunta depois” podem ser fatais. Sendo assim, concordo com as palavras do autor do post: devemos ficar alertas, principalmente com as nossas opiniões.

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