Todos os rios
(Depois de Leonilson)
Todos os rios levam a sua boca
embora eu não saiba
o que sua boca é
e o que ela traduzirá.
Ela é a boceta sagrada
da deusa da fé esquecida
que traga mulheres e homens
para dentro do incognoscível.
Ela é o nada alcançável
criado pela imaginação
do amor perdido e
da paixão que ainda não há.
Ela é todos os lábios
que uma noite eu já beijei
e um dia sonhei beijar.
Ela é o tempo,
ela é a morte,
ela é o fogo da punição
e o bálsamo que o redimirá.
Ela é a linha que traça
–ao se mover pra cima,
ao mover para baixo
os seus cantos
e as suas covas–
o contorno de minha solidão.
A sua boca soprou em mim
o ar que salva o afogado
e eu voltei dos mortos.
Por isso é compreensível,
perfeitamente, mesmo que
eu peça desculpa por isso,
que eu ainda deseje
que a água que leva todos os rios
me faça desaguar em você.