A Borboleta e a Crisálida
Fechadas as portas frágeis para o mundo de fora
pele pérfida de pelos e cascas
manto de cores frias enclausurando possíveis asas
meras pálpebras
uma fina crisálida
a permear meu corpo
inerte
inútil.
um fino traço de luz
vara o corte em meu peito,
mas não é esperança
que retumba aqui dentro
senão mero devaneio alheio
cansado de ser o sonho dos outros
fecho-me dentro de uma pele de pedra
proteção do cansaço da empatia forçada
sobre as relações humanas.
O sorriso que não preciso dar ao estranho na rua
(meus músculos enrijecem frente a tudo que não seja eu)
Também pudera. Tudo que vejo é máscara.
Isto por detrás das muitas que visto.
Minto.
Minto por sobrevivência.
Engano mesmo a mim com os personagens que escrevo.
Por vezes, sinto-os mais reais
que o meu exagerado mundo
menos palpável que a folha do livro que escrevo e paro,
mesmo guardado na gaveta.
Escrever é escapar da prisão
imposta por algum deus cruel
em quem não acredito.
Namoro as estrelas
porque as mulheres já não posso.
O brilho que via nos olhos dos outros
era reflexo do que havia de vivo em mim
de dentro da minha crisálida de agora vislumbro
o distante fogo estelar
possivelmente morto há milênios
um engodo da física
feito as minhas mentiras.
Acordo qualquer dia desses quando a luz já se foi,
melhor do que a eterna ressaca matutina,
prova cabal de não me encaixar nos horários humanos.
Alguma energia me resta
e forço tudo que vejo
quero as estrelas
e não mais esta pele morta!
O chão sempre foi muito incerto
para meus pés disformes
e paredes nunca sustentaram meu corpo.
De todos os sonhos
que se desmancham na manhã seguinte
- principalmente os mais vívidos -
e fora o sonho do amor vestigial,
um braço cortado fora,
lembro unicamente de que é preciso voar
navegando os ares.
Seja como navio fantasma
ou pássaro leve
que entende com a inteligência ancestral
o campo magnético da Terra.
O magnetismo me chama
e devo destruir as minhas paredes.
mudei-me de casa
para um apartamento
mas o enclausuramento é meu corpo
que sem esforço está quase morto.
Forço mais um tanto e a dor
é dormente nos braços e pernas
letargicamente forço
arrancar a minha camada mais externa
a mentira cravada na derme
Rasgo-me inteiro!
Perco tudo que era meu
afinal de contas
minha descrença apontava até mesmo
para os pronomes mais possessivos.
A segurança de viver por entre os humanos
separados metodicamente em rótulos e caixas
morre com o casulo que deixo para trás.
Agora tudo que vivo é a cor azul do medo
e o vento gélido de um país desconhecido
que não o meu.
Deslize poético.
Não há mais meus ou eus no discurso!
Abraço o vazio que existe em tudo
no desconcertante vôo que faço
sou sujeito oculto apequenado
pelas experiências desamorosas.
O vôo das borboletas é curto.
Um paciente que se sente livre na cama do hospital
a última parada.
Terminal.
Suspiro voando acima do chão.
A asa esquerda, porém,
aferrada ao mundo sensível
deixou-se em pedaços
na pupa que era corpo
Finalmente vejo
por entre os volteios
das duas asas disformes e falhas,
as estrelas.
Estou a quilômetros da segurança de chão
e não me aproximo em nada do brilho fantasma no céu.
Senão, parece-me até um sonho mais longe.
A velha guerra entre o peso e a leveza.
Gravidade engole a todos juntos.
A leveza separa.
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