A manhã seguinte

Diego Orge
Poeta Adverso
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2 min readJun 18, 2017

É neste ponto que se sente falta. Que se tem tudo e que não se tem nada. Acordando atordoado de um sonho impossível. Estava de volta em casa. Mas a casa não era minha. Não tem sido minha nenhuma das casas em que tenho acordado nos últimos meses.

É morta a noção de lar. Não tenho armários, nem gavetas, nem muitas posses para preencher esses espaços vazios do lado de fora, de qualquer quarto que durma. As vezes parece que o quarto que durmo não é o mesmo em que o olho abre. São familiares os sons vizinhos, de padarias, de corujas companheiras, de geladeira velha, de pratos e copos de louça sendo lavadas sozinhas, de reverberações de quartos imensos. Ainda assim, por maior que sejam estes espaços, nenhum me contém. Não caibo mais aqui. É dada a hora da partida. Assim, em voz passiva. Como me foi dito que se não decido eu os meus próprios caminhos tortuosos, vão se fechando as vias alternativas, até que em termos pouco esotéricos, a vida os escolhe por mim.

Falava de um sonho impossível. Mais um desses sonhos que se tem com vidas passadas. Nada de romantismo. Nenhum presságio, nenhum sentido. Era apenas eu e ela e aquela casa com brisa do mar e luz do dia. Estava de volta num relacionamento. Não de amor ou sexo, mas de um olhar profundo que se troca com quem se ama. Sem dizer nada. Sentados no sofá branco da sala. O calor ardia a minha pele pálida. Estava mesmo ali. Naquela situação que jamais aconteceu e nem acontecerá. Aquelas pessoas do sonho não existem mais. Nunca existiram. É como imagem residual dos muitos pretéritos imperfeitos que deixamos com o peso das decisões adultas. Ao abrir o olho, eu sabia o que faltava na vida. Paixão. Ardor. Vontade de mergulhar e me perder inteiramente numa nova história.

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Diego Orge
Poeta Adverso

Criador de mundos infinitesimais. Poeta. Existencialista. Ateísmo em prosa poética. d.orgefranco@gmail.com