Como foi o 1º ano do seu Governador? Análise dos gastos com pessoal estaduais em 2019

Claudiomar Filho
Política com Dados
7 min readApr 3, 2021

Durante as eleições de 2018 o ajuste fiscal foi um dos principais assuntos de campanha. Diversos governadores se elegeram com a promessa de cortar gastos com pessoal enquanto outros, ao contrário, propunham que o Estado deveria se expandir em épocas de crise. No campo da retórica vale tudo, mas vamos analisar os dados e entender quem expandiu e quem contraiu gastos?

Por meio do ótimo banco de dados Finanças do Brasil (Finbra) disponível no site do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) [1] é possível comparar o desempenho dos Estados brasileiros no primeiro ano de trabalho dos governadores.

Esse post será dividido em quatro seções. Essa breve introdução, uma segunda seção de metodologia (tento explicar de forma didática como consegui os dados ao público mais leigo em Contabilidade Pública), uma terceira de apresentação dos dados em si (divididos por gasto com pessoal total, gasto com pessoal ativo e gasto com pessoal inativos) e, por último, uma conclusão.

Metodologia

Será mensurado o gasto com pessoal conforme classificação de despesa orçamentária por natureza do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP)[2].

Segundo este conceito, a despesa orçamentária compõe-se de:

a) Categoria Econômica

b) Grupo de Natureza da Despesa

c) Elemento de Despesa

A natureza de despesa é complementada por uma informação denominada “Modalidade de Aplicação” que tem como objetivo explicitar se os recursos são aplicados diretamente pela mesma esfera de governo ou não.

Além da classificação por natureza da despesa também é importante entender como se dão as fases da execução da despesa. Segundo a forma prevista na Lei nº 4.320/1964 ela se dá por meio de três estágios: empenho, liquidação e pagamento.

Segundo o art. 58 da Lei nº 4.320/1964, o empenho é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição. É basicamente uma reserva de uma dotação orçamentária para um fim específico. A liquidação consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito, ou seja, na liquidação a Administração Pública reconhece que houve uma contraprestação de serviço ou compra de um bem e a pessoa física ou jurídica passa a ter o direito de receber o recurso da União. A fase do pagamento é quando a Administração Pública transfere o recurso para a quem devia.

Nessa análise, trabalharemos com dados de despesas liquidadas.

Portanto, para mensuração do gasto com pessoal total, será adotada a conta 3.1.90.00.00 (3.X.XX.XX — Despesas Correntes, X.1.XX.XX — GND Pessoal e Encargos Sociais, X.X.90.XX — Modalidade de Aplicação Direta). Para mensuração de gastos com pessoal inativo, as contas 3.1.90.01.00 (perceba que a numeração é a mesma da anterior, porém acrescida agora do Elemento “Aposentadorias do RPPS, Reserva Remunerada e Reformas dos Militares”), 3.1.90.03.00 (Elemento “Pensões do RPPS e do Militar”), 3.1.90.05.00 (Elemento “Outros Benefícios Previdenciários do Servidor ou do Militar”) e 3.1.90.07.00 (Elemento “Contribuição a Entidades Fechadas de Previdência”). Para mensuração de gastos com pessoal ativo, serão utilizados os gastos com pessoal total subtraídos dos gastos com pessoal inativo.

A rotina elaborada na linguagem R está disponível no meu github (https://github.com/claudiomar23/Gastos-com-pessoal-Estados)

Os gastos são deflacionados com preços de fevereiro de 2021 (ou seja, são apresentados já descontando a inflação).

Resultados

Gastos com pessoal total

Primeiramente, os gastos com pessoal total (3.1.90.00.00), ativos e inativos somados, rankeados:

Os Estados, em um suposto ano de ajuste fiscal, aumentaram, em média, os gastos com pessoal em 4,6% já descontando a inflação.

Analisando os dados apresentados, percebe-se que há uma forte heterogeneidade regional. Porém, quando analisa-se o perfil dos governadores, há um certo padrão ideológico. Entre os estados que mais cortaram gastos com pessoal, se destacam os com governadores com perfil ideológico mais alinhados à direita.

Em primeiro lugar, Minas Gerais, tem o único governador eleito pelo Partido Novo, Romeu Zema, que segue cumprindo uma das principais bandeiras do Partido que é responsabilidade fiscal. Rio de Janeiro, Distrito Federal, Paraná e Mato Grosso, estados que vem em seguida, têm governadores de partidos de direita (MT — Democratas) ou que se elegeram com apoio de Jair Bolsonaro (Witzel no Rio, Ibaneis no DF e Ratinho Júnior no PR). Entre os Estados que mais cortaram gastos com pessoal, apenas o Maranhão tem como governador um político de perfil ideológico de esquerda, Flávio Dino do PC do B.

Entre os estados que mais expandiram os gastos, governadores mais à esquerda.

Em primeiro lugar, se destaca o Rio Grande do Norte, cuja governadora, Fátima Bezerra, foi eleita pelo PT. Piauí, governado pelo PT, e Amapá, governado pelo PDT, também possuem governadores alinhados mais à esquerda. Porém, chama a atenção Goiás e Roraima, dois Estados com governadores de direita, estarem entre os que apresentaram maior expansão de gastos com pessoal.

Gastos com pessoal ativo

Porém, os gastos com pessoal total dizem muito pouco sobre a gestão do governador. Basicamente, o governador pode influenciar e cortar gastos apenas de pessoal ativo (basicamente evitando concessão de aumentos salariais e novos concursos públicos haja vista que demitir servidores para corte de gastos é virtualmente impossível) tendo em vista que servidores inativos e seus dependentes tem o direito adquirido de receberem suas pensões e, ainda que uma reforma da previdência estadual seja implementada, ela leva alguns anos para fazer efeito. Vamos aos dados:

Percebe-se que, conforme esperado, o crescimento em porcentagem dos ativos é menor do que o com gastos totais. Ele foi de, em média, 2,26% já descontando a inflação. Isso reflete que em uma situação de retração fiscal, como a atual, os Estados têm pouco espaço para expansões.

Mais uma vez, Minas Gerais segue se destacando com um forte ajuste de quase 10% descontando a inflação. Entre os cinco primeiros, percebe-se apenas uma troca entre a 3ª e a 4ª posição, com o Paraná ultrapassando o Distrito Federal.

Entre os expansionistas, o Rio Grande do Norte se mantém como o primeiro. Porém, o Piauí deixa de aparecer entre os cinco que mais gastaram com pessoal. O número de Estados governados por governadores de direita também se torna maioria.

Gastos com inativos

Agora vamos analisar o “calcanhar-de-Aquiles” dos governadores, o gasto com inativos. Conforme explicado na sessão de gastos com ativos, os governadores, por tratar-se de um direito adquirido, têm pouco controle sobre a expansão dos gastos com aposentadorias e pensões. Como seria de se esperar, os Estados apresentam expansões muito mais fortes nos inativos que nos ativos:

Entre os 27 estados da Federação, apenas Alagoas apresenta uma tímida retração nos gastos com inativos, com Piauí e Paraíba apresentando forte crescimento de quase 50% dos gastos de um ano para o outro. Ainda que uma reforma da previdência tenha sido aprovada, conforme já explicado, levará alguns anos para fazer efeito e fortes crescimentos nos gastos com inativos devem ser esperados nos próximos anos.

Os Estados apresentaram um crescimento de, em média, impressionantes 10,91% nos gastos com inativos de um ano para o outro.

Considerações Finais

É possível observar que saindo do campo da retórica e realmente focando nos dados o ajuste fiscal que tanto foi prometido ou criticado pouco ocorreu no 1º ano dos Governadores recém-eleitos. Isso ocorre devido a tanto por conta da quase nenhuma flexibilidade nos gastos com pessoal ativo em épocas de crise quanto por conta da generosa legislação previdenciária que se manteve por todos esses anos e hoje eleva fortemente os gastos com inativos nos Estados.

Importante lembrar que esta análise envolveu um ano pré-pandemia e 2020, quando os dados estiverem disponíveis, provavelmente virá com forte expansão de gastos com pessoal ativo devido anecessidade de contratação de profissionais de saúde para enfrentar o caso sanitário que se abateu no Brasil. Aguardemos os dados que deverão estar disponíveis por volta de julho.

Se gostou, não esqueça de curtir o post!

[1] Disponível em https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/index.jsf

[2] Disponível em https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:31484

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Claudiomar Filho
Política com Dados

Claudiomar Filho é maranhense, pai, Mestre em Economia pela Universidade de Brasília e atualmente desempenha a função de pesquisador no IPEA