A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NAS COMUNIDADES

Giovana Moraes
Política e Economia
12 min readDec 6, 2018

Fátima Cardoso, candidata a deputada federal pelo PSOL não eleita, acompanhou o bairro Rubem Berta, hoje chamado Santa Rosa de Lima, após eleições. O estado de calamidade na infraestrutura da comunidade gerou preocupações aos moradores. Além disso, por ser considerada de esquerda, Fátima realizou uma crítica quanto aos possíveis votos recebidos em comum com o candidato eleito a presidência, Jair Bolsonaro, dentro de sua comunidade: ‘ele é o oposto do que eu luto, o oposto da minha resistência. Eu não entendo como uma pessoa pode ter votado em mim, me conhecendo, conhecendo o meu trabalho e junto ter votado numa pessoa que é o oposto de tudo o que eu faço’.

Fátima Cardoso é presidente da associação de moradores do bairro Santa Rosa de Lima, Zona Norte de Porto Alegre. Foto de: Mayra Antunes.

Primeiramente, o que as eleições de 2018 representaram para ti?

Essas eleições para mim não só representaram uma mudança de vida, de atitude, de enxergar um pouco mais a minha comunidade, mas uma mudança no geral. Eu fui candidata a deputada federal e pude perceber um pouquinho mais como funciona a política dentro do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. Ao mesmo tempo que ela foi uma representação na minha vida de crescimento dentro do partido e crescimento também político pelas ações que a gente já faz muitos anos, também veio a questão de enxergar a comunidade de uma maneira até meio triste. Foi um momento que a eleição me trouxe para uma realidade que há muito tempo passava por mim despercebida, não que eu me afastasse daqui mas por já fazer parte como conselheira de assistente social e participar de outros eventos também necessários paras políticas públicas, eu tinha me afastado da caminhada da comunidade. Nessas eleições, caminhando nas ruas e conversando com as pessoas eu tive um sentido: um deles foi a revolta das pessoas. Pessoas muito revoltadas, pessoas indignadas. Então eu digo que eu tive dentro da eleição um início, meio e fim bem diferente. Eu iniciei com as pessoas revoltadas com os políticos em geral, chamando todo mundo de ladrão sem aquele debate que a gente conseguia fazer em outras eleições, de poder falar de uma democracia, de um candidato. Dessa vez não, dessa vez as pessoas estavam muito agressivas. E no meio dessas eleições, elas se tornaram não só agressivas mas também tomando lado e te colocando como se tu já estivesse lá, fazendo parte daquele mundo e te condenando, dizendo que tu ia ser só mais um ladrão. Então isso foi uma visão bem extrema e. Não deu para fazer um diálogo com as pessoas, não deu para conversar, não deu pra construir junto uma política dentro da democracia. No final, foi muito mais difícil com a questão do Bolsonaro, porque as pessoas diziam para mim ‘eu vou votar em ti, mas também vou voltar no Bolsonaro’. Ele é o oposto do que eu luto, o oposto da minha resistência. Eu não entendo como uma pessoa pode ter votado em mim, me conhecendo, conhecendo o meu trabalho e junto ter votado numa pessoa que é o oposto de tudo o que eu faço.

Tu fostes candidata a deputada federal e não foi eleita. Quantos votos tu tivestes e qual o local em que mais os recebeu?

Eu tive 1.020 votos, então praticamente a maior parte dos meus votos foi aqui na comunidade. Aqui foram entorno de 600 e poucos. Eu realizei alguns trabalhos no interior que também veio acrescentar bastante dentro do partido porque foi minha primeira vez e já como deputada federal. Então eu tive uma aceitação muito boa dentro do partido com quantidade de votos e aqui dentro da comunidade como candidata. Apesar das pessoas, nessas eleições, não terem transmitido tanta demonstração de votos. Em outras quando a gente fazia campanha política sempre ouvíamos falar quem ia votar em quem. Nessas eleições não, as pessoas foram mais restritas. A gente sempre espera mais, mas dentro do partido a minha votação foi considerada muito boa.

Tu és considerada como sendo de esquerda. Como está sendo para ti o resultado dessas eleições? O que tu esperas de um governo que no dia 1 de janeiro assumirá como extrema direita?

É um pouquinho difícil para mim dentro do que eu venho lutando, dentro das políticas públicas que trabalho em defesa das pessoas que mais precisam. É difícil falar de alguém que politicamente, dentro da campanha dele, foi o oposto das minhas lutas. Falou de racismo, homofobia, da mulher em si. Foi muito doloroso, confesso. Porém mais doloroso ainda se torna quando tu vê o resultado. Mas quando é que foi fácil? Em qual situação dentro da própria democracia foi fácil? Nós mulheres viemos de uma luta, nós mulheres sempre resistimos e muita coisa a gente adquiriu com o tempo. É uma pena que isso agora parece que vai mudar. Eu não quero pensar assim de ir só pela situação que está na mídia, eu prefiro deixar as coisas acontecerem para depois ser mais crítica. Mas com certeza, a minha crítica já está preparando uma resistência bem forte e diferente. Hoje eu não penso mais em movimentos grandiosos, eu penso em movimentos de base, de conscientização. Dentro da minha defesa enquanto mulher, enquanto mãe, em defesa do racismo, do LGBT, toda essa defesa que dentro da mídia foi colocada que o Bolsonaro é o oposto. Hoje o ministério dele faz a gente pensar ‘meu deus, o que é que vem por ai?’, isso faz eu entender que o fato de ser esquerda tem que ser fortalecido. E pra fortalecer tu tem que começar na base de novo e trazer para população as perdas que elas estão tendo e fazer ela enxergarem isso. Porque a defesa de uma assistência social, de uma saúde adequada, nós vamos ver conforme ele vem trazendo as propostas. Vai atender a população pobre? Porque é essa que eu preciso que ele atenda. E pelo que eu vejo hoje, os planos dele não abordam isso. E isso é muito preocupante, nós enquanto esquerda já sabemos que nossa resistência será muito mais pensada e analisada para poder combater, ou pelo menos tentar, combater o que vem por aí.

Tu és conhecida aqui no bairro por ter esse olhar de política pública. Quais os principais desafios e problemas que o bairroSanta Rosa de Lima, que até pouco tempo era chamado de Rubem Berta, enfrenta atualmente?

Atualmente estou tentando fazer uma pesquisa sobre o que a gente tem dentro do nosso bairro. Se formos analisar, eu voltei dessa campanha política muito triste, porque as pessoas deixaram a frente de suas casas sujas, as ruas esburacadas, esgoto em céu aberto, seríssimos problemas principalmente em questões de DMAE, com a água potável correndo por muitos e muitos dias e várias ruas totalmente sem condições de trânsito em dia de chuvas por causa do esgoto. E as vezes tu vê que a situação para se resolver é bem fácil até, basta querer. Não é nem tanto em questão de recuso, mas de planejamento, de botar a mão mesmo pra que funcione. Então assim, dentro desse contexto de políticas públicas que eu trabalho dentro da comunidade, o maior desafio agora é fazer as pessoas enxergarem tudo aquilo que é o espaço delas. Para eu poder dizer pra ela que ela tem direito a uma infraestrutura de qualidade na sua comunidade que precisa de políticas públicas dentro da educação e da saúde, ela tem que começar a ter um entendimento do que é a sua comunidade. Eu venho acompanhando muito a questão dos imigrantes, dos haitianos e angolanos, e agora os venezuelanos. E nós não temos estrutura nem para nós, então imagina como está a situação deles.

Inclusive tem muito deles aqui no bairro, né?

São mil deles. Eu tive uma reunião com um dos coordenadores da associação e me colocaram que eles tinham uma ocupação pela qual a maior parte era de haitianos, que fizeram suas casas e foram desocupadas. A justiça simplesmente veio e os tirou. Na mesma semana veio 70 venezuelanos. Exatamente assim, tira toda uma ocupação e vem 70 venezuelanos. Um tratamento desumano. O nosso bairro, Santa Rosa, foi um dos primeiros locais aqui do Rio Grande do Sul que eles vieram. Hoje eles estão em mil em quantidade. Essa ocupação tinha quase 200 pessoas. Com 94 crianças. Um número muito agravante de mulheres grávidas e crianças. Tem uma criança aqui com cefalecsia, tem uma haitiana com problemas mentais. Então são situações que tu tem que ver alternativas urgentes, porque a situação para nós vai piorar por causa disso. Desde postos de saúde, desde as escolas, desde a infraestrutura, ônibus, transporte, e até a questão de onde eles vão morar. Porque a maioria, como foram despejados, estão morando nas casas de aluguel durante a noite, dormem, e durante o dia todo eles passam na rua. É isso que está acontecendo com os imigrantes aqui. Então assim, qual a alternativa agora se a gente não tem espaço físico com um terreno que eles possam construir? Porque aqui na Zona Norte de Porto Alegre não tem mais. Imagina assim, eu vim de uma campanha que eu enxerguei uma comunidade suja, com seríssimos problemas de infraestrutura, de esgoto, buracos e vendo uma situação bem preocupante. Imagina agora sabendo da realidade dos haitianos? Coisa que na campanha eu não presenciei. Então muito mais motivo agora eu tenho para chamar a população. Mas chamar a população e simplesmente dizer ‘tu tem quem me ajudar’, não funciona. Temos que trazer ela por meio de politicas públicas, por meio de alternativas e recursos, como feiras artesanais, como o emancipa, trazer a comunidade para esse espaço pra gente começar a conversar.

Tu como uma das representantes da comunidade nesse sentido geral, já chegastes a ir até a prefeitura ou até o governo? Qual o retorno que a gente recebe deles sobre a saúde e a educação do bairro?

A gente sempre começa pelos meios onde tem já uma denúncia, por exemplo já estamos com o EJA na escola Ildo Meneghetti, ela tinha 9 turmas do EJA e queriam deixar em 4. Colocando 60 alunos dentro de uma sala. Impossível. E o projeto do EJA como é adulto, tem o desenvolvimento muito rápido. Se tu vai saindo de uma turma pra outra, se não tem estrutura pra isso, tu perde esse processo. Qual o primeiro passo? A escola se manifestar e a gente participar desses momentos. Já foi feito encaminhamento pro mistério público e pra secretaria da educação, e estamos aguardando respostas. O outro encaminhamento é tu ir direto na câmera de vereadores, dentro das comissões e levar as demandas. Tudo isso é um processos de tu conversar politicamente. Mas o principal meio que estamos fazendo isso é o ministério público, porque se tu tem um direito, tem que fazer cumprir. Dentro das outras políticas, por exemplo, dentro da campanha, eu encontrei o que foi uma das coisas mais preocupantes, muita água potável estourada na rua. Na rua Heitor Souto foram 25 dias. 25 dias de água potável correndo. Eu liguei pro DMAE, liguei pro 156 e eles só sabiam dizer ‘está na espera’. Até que um dia eu encontrei na rua e implorei para um funcionário do DMAE e disse ‘tu é trabalhador, tu trabalha com isso, tu sabe que a necessidade dessa água potável é muito importante para as pessoas’ e ele por conta própria foi lá e arrumou. O encaminhamento já estava feito há muito tempo porém ainda estava na fila de espera, mas de tanto que as pessoas ligaram, de tanto que a gente solicitou, ele arrumou. Outra situação que eu fui presenciar na campanha foi na Rua Argentina Flores da Rosa, entrei dentro da casa de uma senhora e o esgoto estava saindo por tudo. Eu tenho até fotos. Diante disso, a mesma coisa a gente faz, ligamos para o 156, tentamos ver os caminhos que são possíveis e a mesma coisa ouvimos: ‘já está na fila, já está na fila’, os casos foram arrumados por compadecimento apenas. Então o que de fato procuramos fazer? Procuramos os meios legais. Mas na maioria das vezes os meios legais são demorados. Então dentro do plano de governo que o nosso prefeito tem, está longe das nossas necessidades serem atendidas com precisão. Não vejo hoje dentro do plano de governo do Marchezan um plano que vá atender as nossas necessidades básicas. Em geral, não se tem um plano de governo para as comunidades e com o término do orçamento participativo ficou pior ainda. Porque quando o decreto do Marchezan veio acabando com as demandas antigas, já sabíamos que o orçamento não ia atender as nossas necessidades aqui.

O que é o EMANCIPA, que tu havias comentado anteriormente?

O EMANCIPA é um cursinho pré-vestibular popular, onde o jovem que acabou o ensino médio ou que está concluindo o último ano, tem a oportunidade de ter uma capacitação a mais para poder fazer o ENEM e a UFRGS. Nós temos o EMANCIPA em toda a cidade de Porto Alegre: na Restinga, no Centro e em vários outros locais. E agora ele tá crescendo no Rio Grande do Sul também, como em Bagé, pelotas, charqueadas e Gravataí. Nessa campanha foi uma das coisas que a gente se propôs a trazer pro bairro Santa Rosa. Nós iremos começar o EMANCIPA atendendo de segunda a quinta, com 20 pessoas nesse espaço e no final de semana atendendo um cadastro de 100 pessoas. Estamos muito confiantes que a educação é o exemplo que a gente precisa para mudar as políticas públicas.

Esse lugar que nós estamos pertencia a prefeitura de Porto Alegre e era chamado de telecentro, correto? O que era esse lugar? Ao passar aqui na frente se notava um local abandonado. Como foi tua ocupação aqui e qual projeto tu tens pra esse local?

O espaço não era exatamente da prefeitura. Na verdade, ele sempre foi da associação. Quando tinha uma delegacia de polícia aqui, há muitos anos atrás, foi doado o espaço assim que eles saíram. O mesmo foi dividido entre o clube de mães e a secretaria da associação. Na época, com os gestores que tinham, o objetivo aqui era o estudo, já pensando na alfabetização de adultos. No decorrer dos anos, quando teve o projeto da Dilma para os telecentros em todo o Brasil, conseguimos com a prefeitura a liberação para o projeto também ser implantado aqui. Mas assim, o que a prefeitura tinha? Os monitores e a manutenção. O resto era da associação. A doação dos computadores veio da federal, também um projeto da Dilma. Com isso, nessa gestão do Marchezan, foi a primeira coisa com que ele acabou. Então o espaço ficou sem uso porque achamos que seria momentâneo, que a gente iria voltar a ter o projeto. Quando vimos que não teria mais a possibilidade de voltar com a informática e ter as aulas que tínhamos aqui antes, decidimos voltar então com a biblioteca Aninha Peixoto e fazer um outros tipos de atividades aqui. Atividades que a comunidade tivesse acesso. Mas a esperança era que o telecentro voltasse.

Porque o nome Aninha Peixoto dessa biblioteca que está se criando aqui?

Aninha Peixoto foi uma líder comunitária que participou da associação num período do PT, na época do Olívio Dutra, que trouxe muitos benefícios para a nossa comunidade. Ela tinha uma deficiência e essa deficiência não impedia ela de lutar pela comunidade. Dentre as políticas públicas que ela trouxe na época foi o alfabetiza brasil — onde vários adultos foram alfabetizados nesse espaço — e o telecentro. Então quando montamos a biblioteca Aninha Peixoto foi para homenagear porque ela veio a falecer, antes até de termos esse espaço. Foi uma maneira que nós adquirimos de poder homenagear tudo o que ela trouxe para esse espaço e para essa comunidade.

Quais são os atuais projetos que tu tens nesse espaço?

Aqui é uma biblioteca comunitária que faz parte da rede de bibliotecas de Porto Alegre. Nossa rede está com 8 bibliotecas, dentre elas temos na ilha da pintada, na lomba do pinheiro, no Trensurb, etc. É um projeto que hoje tem recurso do Itaú — que durante o ano tem todo um acompanhamento — e também já foi um projeto com o recurso da CEA — onde começou a rede de leitura. Esse projeto traz muitas politicas públicas, pois nós podemos ir até as entidades, como as entidades vir até nós. A gente pode ir para a população como população pode vir até nós. Vou te dar um exemplo: nesse domingo nós fizemos uma tenda literária na feira, onde nós fomos até a população levar doações de livro e fazer mediação de leitura numa praça que é nossa feira modelo, onde tem um movimento grande de feirantes em todos os domingos. Com as entidades, fazemos um projeto de não levar a elas somente a leitura, mas sim a escrita através de oficinas. Por exemplo, o teatro. Fazemos oficinas de teatros dentro de uma entidade da comunidade. Nós tivemos agora uma oficina com uma moça que está na faculdade de fotografia, ela ensinou os jovens a fazer com duas caixa de fósforos e alguns outros artifícios, uma máquina fotográfica que tira foto, ‘como assim, com duas caixas de fósforos tu tira foto? E tirou’. Então essas oficinas que leva a leitura para a imaginação e construção de algo, é onde mais vemos resultado. Faz parte do projeto.

O que tu esperas como retorno da comunidade através desses projetos que estão fazendo?

Vou te dizer assim, eu estou num período que eu estou chegando nas pessoas e estou falando ‘preciso disso e daquilo, vem conhecer o espaço’. Passa alguém aqui na frente eu já chamo convidando para conhecer o local. Outra coisa que está ajudando muito são as redes sociais, através delas estamos ganhando muitas doações, até de materiais pra ter um espaço de clinica dentária. Qualquer doação é bem-vinda: um saco de areia, um livro, a compra de uma rifa de 2 reais. Esse é o retorno que eu quero. Que as pessoas enxerguem esse espaço como seu.

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