Agroecologia se faz presente na feira do agronegócio

Estandes de produtos orgânicos e agroecológicos integram o Pavilhão da Agricultura Familiar na Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários (Expointer). No entanto, as famílias produtoras encontram empecilhos para financiamentos.

Larissa Pessi
Política e Economia
6 min readSep 4, 2018

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Embora a produção de gado de corte tenha papel de destaque na economia nacional e estadual, a agricultura familiar não fica para trás. Cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros tem origem na pequena propriedade rural. Entre os agricultores, 17.083 possuem certificação de sua produção de orgânicos, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Alguns deles estavam presentes na Expointer, maior feira do agronegócio da América Latina.

Na tentativa de melhorar a qualidade de vida e manter os filhos trabalhando no campo, muitas famílias de agricultores buscam a agroecologia. No Censo Agropecuário realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2017, quase 69 mil propriedades foram declaradas como produtoras de orgânicos, incluindo neste número as que ainda estão no processo de transição e na busca da certificação. Mais de 4 mil delas estão localizadas no Rio Grande do Sul. No entanto, mesmo com o aumento da conscientização, ainda existe dificuldade dos agricultores utilizarem práticas agrícolas mais sustentáveis.

Técnicos da Emater estavam presentes na Expointer dando orientações sobre temas como conservação do solo, bovinocultura de leite e criação de abelhas. Foto: Larissa Pessi.

O técnico da Emater Marcelo Biassusi declara que a resistência se deve ao receio da mudança e costume ao modo convencional de produção. Muitos também temem maiores custos, sendo que, na verdade, o cultivo de produtos orgânicos e agroecológicos podem agregar valor aos produtos, assim como baratear o processo de produção.

Marcelo explica que na agroecologia prioriza-se o uso de insumos produzidos na própria propriedade, assim como “imitar” o funcionamento da natureza sem a intervenção humana. Práticas como rotação de culturas — tão antiga quanto a própria agricultura — , adubação verde (plantio de plantas benéficas à cultura) e armadilhas para pragas, assim como utilização de irrigação focada nas peculiaridades da planta, preservam os recursos naturais (solo e água, por exemplo), mantêm o ecossistema equilibrado e fazem o bem tanto para quem produz o alimento quanto para quem o consome.

Outra prática ecológica é o uso do pó de rocha — que pode ser produzido pelos próprios agricultores — , substituindo a adubação química, recuperando o solo e aumentando a produtividade. Tudo isso por um custo de produção menor. O insumo é um dos utilizados por Sadi Giacomin, produtor de Paraí, no norte do Estado.

Sadi Giacomin veio de Paraí, norte do Estado, para expor geleias e cultivares de milhos produzidos a partir de sementes crioulas. Foto: Larissa Pessi.

Ao descobrir ter uma doença causada por agrotóxicos (segundo os médicos que consultou) há oito anos, Sadi iniciou o cultivo de alimentos agroecológicos. O atual guardião de sementes crioulas (que não sofreram alterações genéticas) produz verduras e frutas, vendidas em feiras na cidade vizinha de Dois Lajeados, onde também construiu a Agroindústria Nostro Lavoro (Nosso Trabalho, em italiano). É lá onde fabrica a farinha de milho crioulo vendida para São Paulo e outros estados que diz valorizarem mais os produtos orgânicos.

Barreiras no financiamento

Embora o interesse pelo consumo e pela produção de produtos orgânicos tenha crescido nos últimos anos, o mesmo efeito parece não ter atingido os bancos. Muitos produtores queixam-se da dificuldade de terem seus projetos aceitos para financiamento nestas instituições, segundo o técnico Pedro Ferreira Coelho, agrônomo da Emater em Riozinho. Os produtores gaúchos são os que mais fazem financiamentos agrícolas no país, sendo o principal meio os bancos.

Sadi Giacomini desejava aprimorar sua produção e aumentar sua renda com a construção de uma estufa para o cultivo de morangos e verduras. Então, há dois anos, procurou alternativas de financiamento através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que utiliza recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Quando consultou os bancos da região, encontrou muita burocracia e taxas abusivas, segundo o agricultor. Sadi acabou por realizar todo o processo através de uma cooperativa, contratando o Pronaf Agroecologia com taxa zero.

Para a contratação dessa modalidade, assim como do Pronaf Eco, outro empecilho é a exigência de assistência técnica para realizar os projetos dos empreendimentos. Segundo o engenheiro agrônomo Marcelo Biassusi, muitos agricultores preferem, então, utilizar o Mais Alimentos, sem essa mesma exigência. Em 2017, entre as mais de 250 mil propriedades familiares gaúchas que tentaram financiamento, 30% tiveram sucesso, segundo o IBGE.

Eumira Silveira Carrarro e a família produzem produtos agroecológicos há 18 anos no nordeste do Estado. Foto: Larissa Pessi.

Eumira Silveira Carrarro também conseguiu financiamento com taxa zero, pagando apenas o valor financiado. No seu caso, isso foi possível através do Programa Rio Grande Ecológico, da Secretaria da Agricultura Familiar, durante o governo de Olívio Dutra no Estado. A família de Eumira sentiu a necessidade de ampliar seus negócios para agregar valor aos produtos e manter os filhos no campo, e procurou recursos para a reforma do prédio que se tornaria a Agroindústria Carrarro. Com o financiamento do governo estadual, desde 2002 têm a estrutura necessária para produzir geleias sem adição de açúcar, doces e sucos na cidade de Monte Alegre dos Campos. Desde então, não conseguiram mais financiamentos.

Os produtos são comercializados em toda a região sul do país, assim como em outros dez estados. A família também contribui para os projetos governamentais Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

O programa que beneficiou a família de Eumira foi criado pelo então governador com o objetivo de apoiar iniciativas de produção ecológica, utilizando o sistema de Crédito Rural do Banrisul. O investimento total do programa chegou a R$1,8 milhão na época. Olívio considera que, atualmente, faltam políticas públicas que incentivem o trabalho do pequeno agricultor e a ecologia no campo: “Agricultura de economia familiar e a ligada a agroecologia são fundamentais de serem estimuladas, e isso significa garantir produtos de boa qualidade, para a vida e não para a morte, e qualidade de vida para os trabalhadores e as trabalhadoras do setor”.

Ao mesmo tempo, o técnico Marcelo demonstra preocupação com as consequências caso um produtor não consiga quitar o financiamento no prazo. “É muito triste ver um agricultor não conseguir pagar, vai lá o banco fazer um arresto (apreensão de bens), pegar, por exemplo, as máquinas que ele tem e levar embora. Muitas vezes o agricultor entra em um estado de depressão muito grande e a gente tem visto uma incidência muito grande de suicídio por causa disso”, lamenta. Por isso, o agrônomo aconselha analisar se o investimento dará retorno e se é a melhor escolha.

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Entrevistando o ex-governador Olívio Dutra

Uma nervosa futura repórter entrevistando um ex-governador. Acontecimento trivial. Foto: Roberto Villar Belmonte.

Na rotina jornalística, é necessário se adequar às adversidades e também às oportunidades. Não planejei encontrar Olívio Dutra na Expointer para entrevistá-lo, nem tive a audácia de sonhar com tanto. Mas foi o que aconteceu, por sorte ou destino — ou por causa de um insistente professor que, segundo uma amiga, fez o papel de ‘pai orgulhoso’ fotografando o momento ao lado.

Talvez eu nunca tenha suado tanto de nervosismo na minha vida, mesmo sendo bem recebida por Olívio. A questão é que ele não é somente um político importante na história do Rio Grande do Sul, adorado por todos os espectros ideológicos. Acima de tudo, é um cidadão gaúcho que admiro e considero ser um dos — se não o — mais conscientes membros do Partido dos Trabalhadores.

Me senti vulnerável o entrevistando, não tendo pesquisado sobre sua contribuição para a agroecologia no Estado, apenas sabendo o pouco dito pelo professor Roberto Belmonte. Fiz perguntas que demonstravam meu nervosismo e falta de conhecimento. Ao fim da entrevista, no entanto, já estava mais tranquila, além de me sentindo lisonjeada pelo privilégio de entrevistar Olívio e incluir suas palavras em uma reportagem de minha autoria sobre uma questão essencial à vida e ainda pouco abordada.

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