Airto Ferronato: política e economia se encontram

Vereador de Porto Alegre fala sobre atuação na Câmara com foco na área das finanças, crise econômica e atual cenário político do país

Gustavo Pinheiro
Política e Economia
23 min readNov 27, 2018

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Vereador pelo PSB, Airto Ferronato na Câmara Municipal (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

Por Gustavo Pinheiro

Uma referência para os outros vereadores na área de economia. Assim Airto Ferronato se classifica como vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre. Com 60 anos, natural de Doutor Ricardo, cidade situada no Vale do Taquari, Ferronato foi vereador de Porto Alegre de 1988 a 1997, saindo para ser Diretor-Geral do Departamento de Esgoto Pluvial (DEP) da cidade. 12 anos depois, em 2008, se candidatou novamente e reeleito continua até hoje atuando na Câmara Municipal.

Já foi contador do Ministério da Fazenda e da Secretaria da Fazenda, auditor do Banco Central e da Receita Federal, entre outros cargos envolvendo finanças públicas, economia e tributos. Além disso, já foi professor de Ciências Contábeis na PUCRS e na Faculdade São Judas Tadeu e em pós-graduação e MBA da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, a vida lecionando e como servidor público trouxeram experiência para legislar pela cidade com vistas de suas desigualdades sociais e com grande base eleitoral em seus alunos e ex-alunos.

Alguns projetos em destaque de sua autoria são a isenção do IPTU para aposentado e pensionista com até 3 salários mínimos e que tenha só um imóvel em seu nome, a criação do Fundo Municipal do Idoso, a obrigação da gestão municipal finalizar obras públicas iniciadas em mandatos anteriores.

Ao falar sobre o cenário político em que está inserido, problemas em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil, crise financeira, corrupção e escolha de partido — Ferronato é filiado ao PSB — Airto apresenta uma simplicidade e franqueza surpreendente para quem acredita no estereótipo de políticos como pessoas altivas e que ajam de acordo com seus interesses.

Poderia contar um pouco da sua vida até chegar aqui como vereador de Porto Alegre?

Ferronato: Sou natural do interior do estado, sou de uma das menores cidades do estado, Doutor Ricardo. Quando vim morar em Porto Alegre fui garçom durante alguns anos e estudei técnico em contabilidade, depois bacharelado de ciências contábeis, uma vez formado fiz concurso para Receita Federal. Trabalhei na contadoria da União, trabalhei na contadoria do Estado, na Secretaria da Fazenda, fui auditor fiscal da Receita Federal e da Receita Estadual, contador no Ministério da Fazenda e na Secretaria da Fazenda, também fui auditor externo do Banco Central.

Logo após a minha formatura, fui convidado a lecionar em curso de nível médio na escola Medianeira em Porto Alegre e também convidado para lecionar na Faculdade São Judas Tadeu e na PUCRS. Tive uma história muito relacionada com o serviço público, além da vida bastante intensa como professor, já que lecionei em nível médio, em faculdade de ciências contábeis, lecionei em cursos preparatórios para concursos públicos e lecionei em cursos de pós-graduação e MBA na Fundação Getúlio Vargas.

Me candidatei pela primeira vez em 1986 a deputado federal, em 1988 me candidatei a vereador de Porto Alegre e me elegi, lá se vão trinta anos. Saí da Câmara em 1997 para passar uma temporada como diretor-geral do DEP. 12 anos depois voltei a me candidatar como vereador e me reelegi, essa é uma história que poucos conquistaram, doze anos depois, voltar a se candidatar e ser eleito.

Como e por que você entrou na política?

É uma coisa de veia que devemos ter, uma propensão sabe, para conquistar espaços, ter mandato eletivo político partidário, tu tens que ter tido antes disso uma história, porque você do nada te candidatar e se eleger é muito difícil. Em 1984, fui convidado para concorrer a deputado estadual. Outro parceiro acabou concorrendo eu não, mas sabia que na próxima eu concorreria, então me afiliei ao partido e concorri.

Tenho tido resultados muito favoráveis em Porto Alegre, sempre tive grande possibilidade de me eleger. Em 1986, me candidatei para deputado estadual e fiz 9.700 votos, aquilo me mostrou que havia uma grande possibilidade de eleição. Atribuo minha primeira vitória em Porto Alegre a questão da primeira campanha de 1986. Os 30 anos lecionando me dera uma base eleitoral muito solidificada com alunos e ex-alunos, que foram para mim um suporte importante. À medida que tu vai concorre e conquista vitórias, a perspectiva de vir a concorrer de novo é muito grande, até por uma questão de viabilização do próprio partido.

E acima de tudo, tem que gostar daquilo que tu faz e eu tenho uma veia política interessante,, sou um homem moderado, meu partido PSB é de centro-esquerda e isso me dá uma bela possibilidade de trânsito dentro da Câmara.

Aqui dentro, com a experiência que tenho e com as posições que tomo, sei que sou uma espécie de referência entre os vereadores, especialmente na minha área em que eu trabalho com finanças públicas, orçamento público e tributos. Me sinto preparado para fazer aquilo que se faz aqui e meu eleitor compreende isso e tem votado em mim todos esses anos.

Qual foi o principal desafio que você enfrentou legislando aqui na Câmara?

O primeiro desafio que se tem, é uma vez eleito, ser leal com teu eleitor e com a cidade, ou seja, trabalhar pela cidade, não tenho uma votação centralizada num bairro da cidade, tenho uma votação espalhada em Porto Alegre. Então a ideia nesse sentido de trabalhar em Porto Alegre é trabalhar pela cidade toda, numa visão estratégica e apresentar propostas que sejam propostas que alcancem melhorias reais na vida da cidade.

Mas o maior desafio que se tem é apresentar projetos que sejam aprovados e que tragam bastante repercussão para a cidade.

Então na verdade é preciso compreender que a cidade está conformatada num processo de grandes desigualdades e tem que se trabalhar olhando e sabendo, compreendendo essas desigualdades e apresentar propostas estratégicas que traga benefício para o cidadão.

Qual projeto que você considera o mais importante que aprovou aqui na Câmara?

Tenho alguns que considero importantes, na década de 90, nossa Avenida Castelo Branco ou Legalidade, ela tinha entradas para Porto Alegre pela Farrapos e pela Rodoviária, então todo pessoal da Zona Sul, do Centro e dos bairros da Zona Leste para ingressar na Legalidade ou Castelo Branco, precisava ingressar pela rodoviária, imagine se hoje tivesse esse mesmo sistema. Então foi de minha autoria uma proposta para Brasília, para que fosse cedido uma área que era da nossa Trensurb para prolongamento da Ramiro Barcelos até a nossa Freeway.

Também tem a isenção do IPTU para aposentado e pensionista com até 3 salários mínimos de renda, projeto de 1992. O pensionista ou aposentado com até três salários mínimos de renda com um imóvel estava isento total de IPTU. Esse projeto foi copiado em praticamente todos municípios brasileiros e isso beneficiou dezenas de milhões de pessoas idosas, acredito que foi uma das propostas mais importantes que apresentei lá no início do meu mandato.

Em 2010, foi aprovado em Brasília uma lei que dava a possibilidade de contribuição para políticas do idoso, se tu pessoa física ou empresa contribui para política de idoso, aquela contribuição diminui do imposto renda, então na verdade tu não paga a contribuição. Por exemplo, ao invés de pagar 100 reais para União de imposto de renda, tu paga 90 e os outros 10 tu deixa para política do idoso. Então, eu apresentei uma lei em Porto Alegre criando o Fundo Municipal do Idoso, foi talvez o primeiro do país de novo. O que aconteceu, com o Fundo do Idoso você pode depositar dinheiro para as políticas municipais do idoso e sabe aonde, para quem e como depositar. Para se ter uma ideia, antes desta lei, Porto Alegre arrecadou em 2010, 9.500 reais para política do idoso e a partir desta lei, no ano seguinte arrecadamos 17 milhões de reais. Hoje o Brasil inteiro também copia e tem que copiar, porque são milhões de reais que tu pode deixar no município e se você não faz isso, tu manda para União como imposto de renda para aquela roubalheira nacional. A lei teve uma repercussão tão grande que a BBC de Londres me entrevistou, coisa que nem eu imaginava.

Há 20 anos atrás tu começava uma obra pública agora e não terminava até o final do teu mandato e não se concluía. Por que que não concluía? Porque não se queria dar voto para o anterior, fazia outro projeto e gastava mais dinheiro, então é de minha autoria uma proposta que diz que obra pública inacabada por um governo obrigatoriamente tem que ser executada pelo próximo, isso hoje está na lei de responsabilidade fiscal.

Ferronato e Beto Alburqueque ( Foto: Ederson Nunes/CMPA)

Nesses dois anos finais de legislatura, você destaca algum projeto que está tramitando ou algum que você pensa em apresentar?

Estamos vivendo um momento interessante em que há uma enormidade de projetos do Executivo tramitando na Câmara e o prefeito pede urgência e tranca pauta. Significa dizer que não se pode votar projetos, a não ser esses do Executivo. Estive numa reunião agora há pouco e fiquei sabendo que virão mais projetos.

Eu tenho um projeto em tramitação também para idoso, a pessoa que usa um determinado posto de saúde, um equipamento de saúde, UPA, unidade semi-intensiva de saúde, centro de saúde tem uma regra que a pessoa vai ser atendida no mais perto, a partir de um georreferenciamento, ou seja uma foto aérea e por aquela foto, a prefeitura estabeleceu qual é o teu posto de saúde , e isso é uma imposição já que tu tem que ser atendido no posto X porque por aquela foto aérea, o posto X é o mais perto da tua casa.

Tenho alguns exemplos, de uma vizinha minha, ela mora numa rua A e ela tem uma parada de ônibus na frente da casa dela e tem um posto de saúde no Jardim Itu, é mais longe, porém existe uma parada de ônibus na frente do posto. O que ela poderia fazer, ela pegaria o ônibus na frente da casa, para naquele posto, desce ali, vai fazer a consulta, pega ônibus na volta e vem para casa. Pela referência aérea, essa senhora foi transferida para o posto do Passo das Pedras que é mais perto, mas para ela chegar até lá precisa pegar dois ônibus pra ir e dois para voltar, um que leve até a Protásio Alves e outro ônibus até o posto, depois do posto até a Protásio, mais um até a parada perto da casa dela e caminhar ainda umas 4 quadras para chegar em casa.

Com meu projeto a pessoa idosa ou com deficiência, poderá escolher entre o posto de saúde ou qualquer outro equipamento mais próximo da sua residência ou o de mais fácil acesso. Essa é uma proposta que está sendo preparada para votação e a primeira que tenho eu tenho mente para aprovar e vai trazer benefícios para muitas pessoas.

  • O projeto mencionado por Ferronato durante essa resposta, que permite ao idoso escolher posto de saúde para atendimento foi votado e aprovado durante a sessão extraordinária da segunda-feira (19/11) na Câmara Municipal de Porto Alegre. Após passar com 26 votos favoráveis e 0 contrários, a medida depende de sanção do Executivo para entrar em vigor.

Essa reunião que você falou que teve agora há pouco, sobre projetos do Executivo, poderia falar do conteúdo desses projetos?

Vou falar dos mais importantes, a prefeitura está apresentando e vamos votar amanhã, dia 14 de novembro e vai dar uma polêmica intensa. É sobre o ajuste do IPTU, o IPTU vem há quase 30 anos, como a lei que define a base de cálculo, ou seja, sobre aquele valor do imóvel vai incidir uma percentagem que vai ser o imposto a pagar. Hoje temos em Porto Alegre gente que tem mansões que paga 400 reais por ano e gente que tem uma casinha muito modesta e paga 500. Temos valores de imóveis com grande diferença e temos outros imóveis iguais em regiões muito próximas que um paga 500 reais e o outro paga 100 reais. Além do projeto que atualiza a base de cálculo do IPTU, tem mais dois projetos que destacaria.

O Executivo está apresentando uma PPP para parques e praças, ou seja, autorizar a iniciativa privada a executar benfeitorias naquelas praças, mediante uma remuneração. Existia, a adoção de praças e sempre foi uma coisa assim, uma empresa adota o parque e faz uma festa, bota ali duas ou três benfeitorias baratas e de quinta qualidade. Depois de um tempo se abandona, então a ideia da adoção da praça tradicional do passado, está fora de foco e a ideia do governo é apresentar uma proposta que a empresas assumam a manutenção, as benfeitorias, os equipamentos e a iluminação.

O último é sobre PPP do DMAE, projeto bastante polêmico também. O DMAE cuida da água e do esgoto cloacal da cidade e a ideia inicial que se apresentou aqui foi uma PPP para todas as atribuições e nós vereadores nos insurgimos, sou radicalmente contra deixar a água para o setor privado, acho que a água é um bem sagrado e tem que ser pública. A partir disso, o governo apresentou uma PPP para o esgoto cloacal e confesso que dá para a gente pensar. Eles andam dizendo que o esgoto cloacal de Porto Alegre está uma tragédia, porque falta especialidade.

  • O projeto do IPTU que seria votado no dia 14/11, um dia após a entrevista com o vereador Ferronato, teve sua urgência retirada durante a sessão extraordinária da quarta-feira (14/11) na Câmara Municipal. Com isso, na segunda (19/11) e quarta (21/11) projetos de autoria dos vereadores foram apreciados e votados, entre eles, o projeto do Ferronato que permite a idoso escolher posto de saúde para atendimento. A proposta foi aprovada por 26 votos a favor e 0 contra.

Sobre esse projeto de IPTU, você acha que ele é viável ou o texto necessita de algumas mudanças?

O IPTU é uma proposta com um projeto dificílimo de escrever, porque tu não tem como botar imóvel por imóvel, tu faz isso mais ou menos por região, tu pega a região, o metro quadrado é x, o metro do terreno é y e a construção é z, vai depreciando em razão do tempo da construção e fica com um valor médio, mas esse valor médio às vezes se aproxima bastante da realidade e às vezes não.

Agora é certo que Porto Alegre tem casa que vale dois milhões e meio e o imóvel avaliado em 200 mil.

Portanto é uma realidade que precisa ser debatida, sei que é difícil escrever um projeto desses por pessoas que tenham conhecimento profundo no assunto. Então nós vamos começar a discutir isso, emenda por emenda e ver o que que se apresenta em cada uma e que reflexo tem nisso, por exemplo eu estou apresentando uma emenda, a isenção do IPTU para aposentado e pensionista.

Quando apresentei o projeto lá atrás, era isento de qualquer valor porque pode ter pessoa idosa que tem uma casa que vale 500 mil reais, mas ela ganhou de herança, ela aposentada ganha 2.000 reais, não tem condições de pagar o imposto, tu não pode penalizar de tal forma o contribuinte, a ponto dele ser obrigado a vender um patrimônio porque não tem condição de pagar imposto. Então meu projeto não definia valores, se tinha só um imóvel tu não pagaria IPTU.

Quando saí da Câmara e voltei 12 anos depois, nesse meio tempo, eles aprovaram um projeto que na minha visão foi ridículo, equivocado mas respeito. Aprovaram um projeto mudando a lei, que na verdade a partir de um determinado valor, o cidadão paga imposto, se um imóvel vale 100 mil e tu só tem esse imóvel sendo aposentado, até 60.000, por exemplo tu não paga, mas sobre os 40 mil restante paga.

Com o projeto que está aí, se aumentar o valor do imóvel, o aposentado que hoje paga sobre 40 amanhã ele pode ter que pagar sobre 400 mil. Estou apresentando uma emenda que diz o seguinte, o valor da base da isenção tem que aumentar no mesmo percentual, ou seja, se eu tenho um imóvel que vale 100 e ele vai valer 200 teu limite não é mais 60, será 120. Então tu tem que tem que atualizar a base para pagar imposto proporcional ao que se eleva no imposto, senão hoje estou isento e meu imóvel é avaliado em 60 e amanhã ele passa a valer 80 daí não fico mais isento. É possível apresentar esse projeto como está, agora que vai dar uma discussão enorme isso vai, porque repito, é uma das questões mais difíceis que tem porque como que tu vai fazer justiça com 700 mil imóveis da cidade, cada um com uma característica, localização e região.

O prefeito de Porto Alegre também alega uma grave crise financeira, como você que já foi auditor fiscal e entende de finanças públicas enxerga essa crise?

A crise financeira começou com esta roubalheira nacional, não começou, mas se intensificou, roubaram centenas de bilhões de reais numa tacada só, agora não se sabe ou não se quer saber o tamanho do rombo do roubo que tem nesse país, são trilhões de reais, em qualquer gaveta, em qualquer canto desse país ou estado tem processos de roubo, desvio, corrupção.

E esta corrupção levou o Brasil a um descrédito total e esse descrédito, não digo na parte política, mas falando na econômica, fez com que investidores internacionais começassem a devagar investir menos aqui. O Brasil precisa de investimentos internos públicos, privados e externos. Então se espantou as empresas, e isso teve um reflexo bastante importante.

Portanto o país se embretou nas questões de economia e de política, assim por diante e as finanças públicas federais começaram a minguar, muito bem, o Brasil tem na Federação aquela velha ideia da repartição dos recursos, como existem países que a União arrecada 100% dos impostos e tributos e distribui para os estados, municípios e tem países que cada estado e município arrecada o seu imposto e acabou a história, eles têm aquela receita e deu. O Brasil tem uma questão híbrida, uma parcela de recursos arrecadados pelo ente federado, o município arrecada seus recursos próprios, o estado seus próprios e a União seus próprios, mas também tem, o que faz ela ser hibrida, porque além de recurso próprio o estado distribui para União, para município uma parte dos recursos. Então o estado repassa uma parte para o município e para União, é o famoso Fundo de Participação do Estado e o Fundo de Participação Municipal, e a medida que a economia brasileira enfraqueceu, os estados e municípios e a União passaram a arrecadar menos tributo e é lógico, menos atividade econômica, menos tributo, e além disso a União que repassa para o estado e município, se ela está com recurso bem abaixo daquilo que é normal, ela passa menos para cá, então virou uma ciranda, primeiro União, depois estado.

O estado do Rio Grande do Sul está falido, vamos ver o que vai acontecer.

E depois os municípios começaram a minguar e hoje, Porto Alegre também está nessa seara. Agora não se pode pensar numa atualização do IPTU pensando que vai aumentar imposto. Precisa atualizar o IPTU por uma questão de justiça fiscal. Outra questão das finanças públicas, elas passam necessariamente por duas mãos e o pessoal grita bastante, cada um do seu lado.

Fala do empresariado aumentar um por cento de imposto de ISS e vê a gritaria que vai dar, então você de um lado tem uma resistência muito grande de buscar receitas e diminuir despesa e por outro lado diminuir despesa, onde é que hoje sobra para diminuir despesas nessa dificuldade dos governos?

A mais fácil que tem é no serviço público, então tem um lado do empresariado que quer que aprove aqui e não quer que aprove seu aumento e por outro lado gera uma rejeição muito grande dos servidores, que pensam “só nós, só nós” e ficou uma situação difícil. A saída é recuperação da economia, mas ela está lenta demais, diziam que com o Temer o mundo ia evoluir, que o Brasil ia ser a maravilha do século e é o fiasco que estamos vivendo com um governo apodrecido de tanto corrupto e pouca gente fala disso.

Como você enxerga o atual cenário político nacional?

Na década de 90, tu dizer que não era do PT, tu era quase apedrejado porque o PT se tinha como partido ético e os demais eles consideravam como monte de bandido e ladrão.

Porto Alegre chegou a ter 70% de pensamento político médio de esquerda e as coisas foram mudando, e hoje a gangorra chegou do outro lado como é normal, principalmente em países não tanto consolidados democraticamente, nós estamos nos aprimorando, mas uma hora estava na extrema esquerda e agora bandiamos tudo para extrema-direita, porque primeiro, pela forma como se gestou, se geriu, se agiu no cenário político.

Vou dar exemplo nacional, começou-se a fazer governo de compadrinho e de figurinhas trocadas, tu é situação comigo e outro é oposição, mas na verdade estavam todos juntos, cada um com seu quinhão, porque cada um roubava no seu galinheiro. Existem belíssimas exceções, mas a grande fatia da política brasileira ficou nisso de se roubar descaradamente. De um lado vemos o Brasil começar a pender para direita e de outro lado essas composições espúrias, ridículas e safadas que se construíram entre aspas para governabilidade, aquilo era pra governabilidade do bolso deles.

Eu acredito que nós políticos temos que votar de acordo com a nossa consciência, se achando que o projeto é bom votamos sim, se não, não. Não deve se votar por mensalão, mensalinho, troca de favores, isso aconteceu e o brasileiro com perdão da palavra, encheu o saco e disse “isso não me serve e eu não quero votar no que está aí”, e não votando no que está aí acabou se votando no Bolsonaro.

Eu espero que ele faça um bom governo, agora, foi um cheque em branco, porque o que ele vai fazer a não ser dar tiro, matar, ele fala muito em terminar com o PT, pobre. Agora mudou, mas ele falava isso, sobre mulheres também, falou isso durante 30 anos, então estamos com esse futuro governo que ninguém sabe o que ele tem em mente, o que ele vai fazer com a previdência, então estamos vivendo um momento delicado.

Com o Temer, todo cara que tem processo, quanto mais pesado o processo na justiça, maior é o cargo no governo atual, para ser ministro tem que estar quase condenado, o Brasil chegou numa situação que não pode ficar como está, o povo compreendeu isso e mudou, numa expectativa de melhora, não queriam nem saber o que o Bolsonaro é ou o que fez, preferiram errar votando nele do que votar nesse pessoal que tá aí, esse foi o sentimento nacional que resultou nesse panorama, que já era esperado há bastante tempo.

Airto junto ao vereador Paulinho Motorista, juntos eles compõem a bancada do PSB em Porto Alegre. (Divulgação)

O quanto tua profissão e tua formação facilitam na tua atuação aqui na Câmara?

Eu sou contador, já trabalhei muito tempo no serviço público, e em três áreas, fiscalização, finanças e orçamento, conheço bem essa área, as primeiras vezes que me candidatei, o pessoal me dizia para não colocar isso nas minhas propostas, , bota que tu vai trabalhar pela saúde e pela educação, não que vai fiscalizar recursos públicos”, porque na época só se falava disso e ainda hoje se fala.

Mas os governos falam que vão trabalhar para saúde, educação e segurança, mas não pagam salário, pagam quando querem, e não tem como pensar em grandes ações públicas se tu não pensar como e onde buscar o recurso, e na minha especialidade de atuação sempre dei uma atenção toda especial para isso. Sempre estive na Comissão de Financiamento e Tributos da Câmara, sempre tive essa possibilidade de trabalhar olhando para esse lado e também vejo que isso foi um diferencial que eu tive, fazendo com que o pessoal compreendesse e a própria imprensa compreendesse que se querem falar de saúde, educação comigo podem falar, agora se querem falar de tributos eles me procuram porque quem conhece o assunto, sem modéstia, sou eu, claro que tenho que conhecer, trabalhei 40 anos nisso.

Então na verdade, a gente vai dando uma moldada diferente na Câmara, do que aquilo que sempre se entendeu. No passado, a pessoa se elegia vereador e queria participar da Comissão de Justiça, de Saúde, de Segurança e de Educação, eram as comissões mais procuradas. Andei o Brasil inteiro dando palestras e dizendo da importância da comissão de Finanças e destacando que os municípios deveriam ter comissões de finanças e hoje todas têm por uma lei federal.

Hoje a comissão de Finanças tem uma demanda grande tanto que o Executivo uma vez a cada 4 meses vem para Câmara com um relatório sobre a situação econômica da cidade. A minha especialização me viabilizou trabalhando numa área muito específica e que hoje está no centro do debate, a dez anos atrás, nenhum candidato a prefeito ia fazer campanha dizendo que ia mexer em finanças, falava-se em educação, hoje todo debate nacional, seja prefeito, presidente, tem que falar necessariamente na questão financeira do país, estado e município.

Esse ano você foi candidato a deputado estadual, como foi a campanha?

Eu vou dizer uma coisa bastante dura e sei que os caras vão me xingar bastante e aqui mesmo em Porto Alegre. Quanto mais ladrão e mais corrupto o candidato, mais facilidade de eleição ele tem, porque ele vem endinheirado, então fazer campanha num olhar destes é difícil.Eu sempre fui bem em Porto Alegre e vou me candidatar de novo para vereador.

Num olhar assim, a candidatura a deputado também tem outro problema dificílimo, tu vai para o interior do estado, já que aqui em Porto Alegre tu tem tua votação e precisa do interior para ser eleito, e o interior tem uma questão, em determinada cidade, com mil habitantes, tem o cara do PTB, do PDT, do PP, do PT, e eu sou do PSB, eles não mudam os votos, eles votam nos deles.

Além disso, tu precisa de uma estrutura para se eleger deputado, e essa estrutura é difícil e cara. Por outro lado, que está mudando pra melhor é as redes sociais, a internet, que tem facilitado conversar com mais pessoas, a rede social vai ser fundamental para conversar com milhares de pessoas ao mesmo tempo e levar a tua mensagem, que atenda os anseios dos eleitores e que seja aquilo que a pessoa realmente queira. Contudo, a rede tem aquele problema, que se tu diz alguma coisa aqui, milhares de pessoas ficam sabendo e se tu faz uma bobagem, o espalhamento disso é muito maior do que quando disser uma coisa certa. Contudo, teve uma mudada no Congresso é acho que vai ser positivo.

Porto Alegre tem vários problemas ventilados, entre eles tem a questão dos buracos, o que você pensa sobre isso?

O êxito do prefeito é estar de bem com a sociedade e isso é bom para os vereadores também, por uma questão interessante, porque a população entende que quem tapa buraco é o prefeito e nós também, mas não temos poder pra isso. Porto Alegre está com uma situação muito difícil em termos de serviços, obras nem se fala, porque investimento quase não existe, mas temos um horizonte positivo já que o orçamento para 2019 que vai ser aprovado, destina verbas para execução das obras, anteriormente, ditas da Copa, hoje são de mobilidade.

Agora o serviço em Porto Alegre está muito ruim e os buracos são uma referência negativa da nossa cidade. A prefeitura comprou duas usinas de asfalto no final do governo anterior, e eu não sei se estão funcionando. Por outro lado, temos o governo dizendo que a própria Petrobras não está fornecendo os insumos, então o que se diz é que teve problema na compra de insumo para fazer o asfalto. A buraqueira está tão grande que começou a Operação Tapa-Buraco, mas é tão ruim o asfalto em Porto Alegre, salvo raras exceções que tu tapa o buraco agora e daqui 20 ou 30 dias vai surgir um novo buraco naquela área.

Isso virou uma roda viva e é uma questão que o governo tem que olhar com todo cuidado ano que vem, sobre pena de se inviabilizar em termos de aceitação popular.

Existe alguma legislatura ou algum mandato de prefeito que você viu mais mudanças, mais melhorias para a cidade?

Em 89, tivemos Olívio Dutra como prefeito e foi onde comecei então vou falar a partir daí. Houve algumas ações concretas que mudaram a forma de governar, e todos os outros governos assumiram com boas intenções, agora com todo respeito, na mesmice de sempre, pensando no dia de amanhã e estrategicamente pensando em praticamente nada.

Eu fui líder do governo Fortunati, que teve a possibilidade de iniciar grandes e muitas obras na cidade, macro obras, em razão da Copa e foi um belo negócio, porque chegou o dinheiro para Porto Alegre com custo bastante baixo, estes recursos e essas obras foram tantas que cada uma tinha seu problema, porque é diferente, tu construir uma ponte no teu quintal de casa, é tua casa, o quintal é teu, pessoa física ou privada não depende de nada, e faz aquilo que deve fazer segundo as regras que te apresentaram e aprovado pela Prefeitura, no setor público a cada passo é um problema, então não deu para executar todas as obras e por culpa do processo, não por culpa do prefeito Fortunati. Agora esperamos que se conclua essas obras para o bem da cidade e do próprio governo.

Eu também fui diretor-geral do DEP, Departamento de Esgoto Pluvial de Porto Alegre, e chegando lá, não se tinha dinheiro, mas tinha alagamento pela cidade inteira, um caos. E eu disse: “sabe o que vamos fazer, projetos, macroprojetos”, nós fizemos projeto para a Panamericana, Camaquã, lá embaixo perto da PUCRS, Álvaro Chaves, São Pedro, Pernambuco, Casa de Bombas, fizemos no total 22 projetos de milhões de reais cada um, e eu levei para Brasília para o Ministério das Cidades em 2004. De repente, sai no governo Dilma aquele PAC 2, Programa de Aceleração de Crescimento, que ia executar obras, projetos e Porto Alegre só tinha projeto, na grande maioria, de drenagem do meu tempo de governo do DEP então executaram praticamente todos.

Porque você escolheu o PSB?

Em primeiro lugar, sou um homem moderado, eu não sei gritar e xingar, não sou daqueles que sou situação ou oposição, existe aquela conversa que essa divisão é positiva e necessária, necessária coisa nenhuma, se tu é do governo, vota com governo sempre, se é da oposição critica sempre governo e vota sempre não. Isso foi uma das causas da roubalheira nacional, porque obrigatoriamente tiveram que se misturar tudo na mesma seara ou quase tudo porque sempre se sabe quantos votos tem a favor, e se não tiver o suficiente se traz todos para seu lado, e a que custos nós sabemos.

A minha posição sempre foi assim, eu olho o projeto, se gostar, voto sim ou se não gostar, voto não. Eu acho que o Brasil precisa de um capitalismo mais entre aspas socialista, porque se diz o seguinte: como eu sempre fiz bem, nunca fiz mal a ninguém eu vou para o céu, eu acredito no céu e no purgatório, mas não no inferno, então tem que fazer o bem, o capitalismo precisa de uma pitada socialista, um socialismo moderado não radical, que faça um meio dessas pontas todas com outros partidos.

Por isso fui para o PSB, acho um partido que me atrai, sua doutrina não é contra o capitalismo, não é contra empresa. Nessa campanha tivemos pela primeira vez aquela coisa do pessoal falar, “não vocês socialistas, comunistas, não queremos isso”, acabam te xingando, mas não temos nada a ver com comunismo, aquela ideia do socialismo extremamente radical que existe em outros países, não temos nada a ver com isso.

Somos um partido de centro-esquerda, muito bem posicionado e que não tem o rabo preso na sua extraordinária maioria dos seus militantes isso é um patrimônio que nós temos e que devemos preservar. Acho que o país precisa disso, pode ter uma extrema-direita e extrema-esquerda, agora necessariamente tem que ter um centro meio catalisador dos dois lados e repito a roubalheira nacional nasceu da bipolaridade, já vinha de antes, mas se intensificou, sou do governo voto tudo no governo, sou da oposição voto com oposição, daí o governo faz matemática, falta 100 caras para ter maioria então se compra e teve muita gente se vendendo e ganhando fortuna.

O governador eleito para o Rio Grande do Sul vai conseguir cumprir as propostas das campanhas?

Vamos esperar que sim, agora tem que mudar bastante porque ele começou com uma proposta de pagar em dia o salário, ele dá o exemplo de Pelotas onde antecipou, pagava dentro do ano, também disse que o reajuste do imposto de ICMS só será para os primeiros dois anos, falou que vai recuperar as estradas que estavam num ritmo muito lento, e que agora a coisa vai melhorar, vai acelerar, vai ter mais agilidade, projetos de diminuir radicalmente a burocracia, fazer obras mais rápido que o governo atual. Porém, ele não diz onde que vai buscar o dinheiro, sem dinheiro eu repito não vai ser fácil, mas vamos estar na torcida pelo governador, é um jovem e tem tudo pra dar certo.

Memorial Descritivo

A conversa com o Ferronato foi muito tranquila, mesmo com o calor africano que atingia Porto Alegre no dia (36ºC em plena primavera). Cheguei no gabinete do vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre 1 minuto após o horário marcado para a entrevista, preocupado com o que o entrevistado poderia pensar da falta de pontualidade.

Mas em menos de 5 minutos toda minha preocupação tinha ido para o espaço, Airto me convidou para sua sala e passamos mais de uma hora conversando sobre os mais diversos temas, Ferronato sempre falava com política e economia no plano de fundo de suas respostas, já que é sua vida.

Perceber que políticos são pessoas “normais” e não aquele esteriótipo que a população em geral tem deles, foi para mim um dos principais aprendizados dessa tarefa.

Entrevista produzida na disciplina Gestão da Informação: Política e Economia do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) — Campus Fapa. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte.

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