As histórias por trás das cores do artesanato indígena

Kizzy Morais
Política e Economia
6 min readSep 4, 2018
Leandro Garai (esquerda) e Fábio Timóteo (direita) compõem o time de artesãos que trazem a cultura indígena à Expointer. / Créditos: Brunna Oliveira

Mostrando suas conquistas e reforçando sua luta permanente por um espaço, o artesanato indígena se faz presente na 41ª Expointer, em Esteio no Rio Grande do Sul.

Por: Brunna Oliveira, Kizzy Morais e Matheus Dias

“Isso é tudo que nós temos!”, é o que ouvimos de Elias Joaquim, 29 anos, expositor indígena, quando o assunto é a importância do artesanato em sua vida. O jovem que pertence a tribo Kaingang, saiu de sua cidade natal, Santa Maria, e percorreu mais de 290 km para chegar em Esteio, onde acontece anualmente a Expointer.

Durante os nove dias em que a feira acontece (de 25 de agosto à 03 de setembro neste ano), Elias exibe seu trabalho na banca 265, no lado leste do pavilhão da agricultura familiar. Meio solitário e longe das demais bancas de artesanato, o expositor é rodeado por produtos do ramo alimentício.

Quando perguntamos o motivo desse distanciamento, Elias diz ser sorte, ou a falta dela. “Aqui é longe, as pessoas acham que o artesanato está só lá aponta para o centro do pavilhão — que não vão encontrar mais nada pra cá. Apesar disso o espaço é bom e não quero perder”.

A sabedoria de Iracema

Iracema carrega com orgulho e um grande sorriso as suas origens. / Créditos: Kizzy Morais

O caminho até a conquista pelo espaço na Expointer foi longo para Iracema Kantê, 55 anos, também pertencente da tribo Kaingang. A artesã é só elogio para a organização do evento. Todos os anos ela sai do bairro Morro Santana, localizado em Porto Alegre, onde vive atualmente, e enfrenta o trem lotado com cestos, pulseiras, chocalhos e sacolas até a feira.

Iracema, que utiliza nos finais de semana as ruas do Parque Farroupilha como escritório, diz que o maior ganho na feira é a troca de experiências entre indígenas. Kaingang e Guaranis convivendo e partilhando de informações e melhorias para os trabalhos manuais.

A expositora participa há anos da feira e recorda com carinho o início na lida artesã. Quando questionada sobre o significado do seu trabalho ela rapidamente responde: “Pra nós é uma preciosidade, poder mostrar um pouquinho o que nossos avós nos ensinavam”. Ensinamentos esses que desde jovem estimulam a prática do artesanato e são transmitidos para sua família.

Aproveitando o baixo fluxo de pessoas que observam a banca, Iracema nos conta mais sobre a história de seu povo e as lutas travadas ainda hoje. Mesmo com o passar do tempo, Iracema diz ainda sentir na pele o preconceito. Ela conta que a sensação de desigualdade é presente até hoje em espaços que deveriam acolher.

“Quando ela entrou (na sala) os colegas de aula diziam: ‘ó indígena, o teu espaço é lá vendendo artesanato’. Então quer dizer que será que o país não é meu também?” aponta Iracema, a respeito da experiência vivenciada pela filha, que atualmente estuda administração pública na UFRGS.

Para Iracema, a constituição é falha com os indígenas, onde os mesmos não possuem o direito ao registro em cartório com seus nomes de nascimento. “João, Maria, Pedro. Nós queremos tirar esses nomes. Nós apenas adotamos e nós queremos nos registrar com os nomes que nossos avós nos deram”.

A banca 137

Fábio, como um bom gaúcho, não abre mão de seu chimarrão. / Créditos: Kizzy Morais

Na banca ao lado encontramos os primos Leandro Garai, 23 anos e Fábio Timóteo, 27, ambos da tribo Guarani Mbya, na Estrada do Mar em Osório. Os jovens artesãos mantém firme a tradição indígena em seus acessórios e os hábitos gauchescos com a mateada diária. “Nós sempre tomamos, é nossa. Nós que produzimos”. destaca Fábio.

Leandro, é o responsável pela banca e nos conta que o lucro diário fica na base de R$100,00 e torce para o valor final arrecadado na feira seja o suficiente para ajudar em casa. O preço dos artefatos são acessíveis e variam de R$10,00 a R$50,00. “As pessoas gostam da nossa arte, o nosso trabalho é todo manual. A gente não usa outras coisas, nós usamos as facas e queimamos”, afirma Leandro.

Logo no início de nossa entrevista, conseguimos acompanhar o momento em que os primos vendem o primeiro artesanato do dia, uma coruja. O animal que é o símbolo da sabedoria dentro de sua cultura é um dos mais vendidos da banca.

A compradora é a nutricionista Jéssica Goulart de 32 anos, moradora de Porto Alegre. “Eu adoro artesanato e admiro o trabalho deles, então vir aqui pra mim é ótimo. Sem falar que consigo ajudar eles de alguma forma, mesmo que seja comprando algo de R$10 reais”.

De geração para geração

A mistura das cores é característica presente no artesanato indígena. / Créditos: Kizzy Morais

O artesanato presente na cultura dos povos indígenas, vai muito além do que um simples trabalho manual. Cada item produzido carrega uma história de luta de resistência, tendo o seu próprio significado. Através dessa arte, são transmitidas de geração para geração, saberes, ensinamentos e práticas técnicas.

Além disso quem caminha pelo centro de Porto Alegre, consegue facilmente encontrar entre o agito de centenas de pessoas, uma das heranças dessa cultura, o “poraró”. A prática reconhecida como legítima pelo município em 22 de dezembro 2011, pelo decreto Nº17.581, contempla apresentações musicais e comercialização de artesanatos em espaços públicos.

Contudo, há quem pense que o estado não tenha uma representatividade indígena. Apesar da queda de 48,98 % nas pessoas que se intitulam indígenas em Porto Alegre no Censo de 2010, ainda restam cerca de 13.820 pessoas vivendo em centros urbanos e 19.169 em terras indígenas, totalizando 32.989.

Segundo a Lei 6001/73 vigente no Estatuto do Índio, Decreto n.º1775/96 a demarcação das terras indígenas podem ser classificadas nas seguintes modalidades: terras indígenas, tradicionalmente ocupadas, reservas Indígenas, terras dominiais e interditadas. De acordo com Fundação Nacional do Índio no Rio Grande do Sul existem 44 terras tradicionalmente ocupadas e 6 reservas indígenas.

A seleção antes da Expointer

Coordenadora do Programa Gaúcho do Artesanato, Marlene Garcia relata como funciona o cadastro dos artesãos na feira. / Créditos: Matheus Dias

Um dos marcos da Expointer 2018 foi a expansão dos pavilhões de artesanato. Paralelo à isso, podemos dizer que o aumento foi em duplo sentido. Além de contar com dois pavilhões, o ‘novo’ local possibilitou a exposição de mais artesanato indígena. Apesar de ainda pouco, o número de bancas indígenas superou o das outras edições.

A Coordenadora do Programa Gaúcho do Artesanato, Marlene Garcia, disse em entrevista que, por ser um espaço gratuito, as tribos indígenas presentes na Expointer preferem se instalar no pavilhão da Agricultura Familiar. “Nunca vieram no nosso, justamente por ser pago”, disse Marlene com relação ao pavilhão de Artesanato.

Ela ainda nos explicou como funciona para que os índios possam expor sua arte na Expointer. “A EMATER e a Agroindústria são quem selecionam os candidatos a montar sua banca. Se não for selecionado, não participa.”, nos conta Marlene.

Após a seleção, é necessário ir até um dos postos do SINE (Sistema Nacional de Emprego) entregar uma documentação que indica de qual aldeia ele é para ser confeccionada sua carteira de artesão. Um ponto bem importante é que a carteira de artesão é o único documento necessário para que eles possam montar sua banca na Expointer.

Diferentemente dos outros artesãos, os índios não precisam fazer teste de habilidade para ser selecionado. E isso vale, também, aos apenados (da SUSEPE) e aos quilombolas.

“Eles não fazem teste de habilidade igual os outros artesãos, tem essa diferença. Porque eles trabalham com isso já, é comprovado. Então a FUNAI nos dá um documento dizendo que eles trabalham com tal matéria prima e em tal região.”, disse Marlene. Além disso, eles também são isentos, não pagam taxa de inscrição.

O agradecimento

O artesanato indígena faz parte da cultura brasileira há mais de 500 anos. Por isso, expor sua arte na Expointer é sempre gratificante e traz visibilidade a um trabalho que carrega tanta história em sua produção. Com isso Iracema se sentiu confortável e deixou recado de agradecimento em sua língua nativa. Assista ao vídeo.

A artesã agradece o acolhimento da Expointer. / Créditos: Matheus Dias

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