Carla Zanella e a busca pelo santo graal de fazer política de forma justa

Kizzy Morais
Política e Economia
7 min readNov 25, 2018
Carla Zanella foi candidata a deputada federal pelo PSOL em 2018. Créditos: Brunna Oliveira

“Mulher negra, moradora da grande Cruzeiro, coordenadora da Emancipa Mulher, militante do Juntos e do PSOL, cientista social, graduanda em Direito”, este é o texto que preenche a lacuna chamada “ breve biografia” na fanpage de Carla Zanella, candidata a deputada federal em 2018 pelo Partido Socialismo e Liberdade, PSOL: partido político brasileiro fundado em junho de 2004.

Em meio ao calor escaldante presente em Porto Alegre e após inúmeras conversas via aplicativo de mensagens, foi possível encontrar Carla. De longe avistei uma mulher jovem de 28 anos e com aproximadamente 1,50 cm de altura. Jamais havia passado pela minha cabeça de que ela poderia ser gente como a gente. Uma mulher comum, que trabalha e luta paralelamente por justiça e um mundo menos desigual.

Comprimento Carla com um forte abraço, no qual senti que há conhecia de outros momentos ou quem sabe vidas. Nos apresentamos e passamos a caminhar pelo Campus da UFRGS, já que mais tarde teria aula, este foi o cenário escolhido pela deputada para nosso encontro.

Caminhamos por quase cinco minutos pelas estruturas antigas e medievais do prédio, Carla desfila e cumprimenta um em cada três estudantes que cruzamos. Passamos por um lindo jardim com portas de vidro que contém um aviso “Proibido entrar no jardim”, logo larga Carla comenta “Aqui seria lindo, pena que não podemos entrar!”. Mais a frente entramos em um corredor silencioso, composto por bancos e duas poltronas charmosas, pronto, achamos nosso local ideal.

Carla se senta, ajeita os cabelos e pergunta se está bem em frente a câmera, verifico e respondo que sim, assim damos início ao nosso bate-papo.

Primeiramente quero te agradecer por aceitar o meu convite, e entender como tu chegastes no meio político?

Durante a vida eu já fazia política e não sabia o que era. Da maneira como eu compreendo política ela é o cotidiano, é a gente fazer parte do Grêmio Estudantil da escola, é lutar no dia a dia para que a sua rua seja asfaltada, até mesmo quando você decide não alisar mais o cabelo, aceitar seus traços. Isso tudo é política, você está praticando uma forma de residência política.

Sendo assim o Juntos foi teu primeiro contato com a política?

Então, eu acabei me tornando uma defensora das cotas na universidade pública e foi onde eu ingressei no JUNTOS, que é um coletivo de juventude. Ele tem diversas pautas nacionalmente, mas aqui no Rio Grande do Sul ele é super engajado nesse movimento de cotas. A gente pauta questões estudantis, políticas, LGBTfobia, racismo, machismo e por aí vai.

E como tu chegastes ao PSOL?

Houve uma deliberação para eu ser candidata do PSOL dentro coletivo. Escolhemos o PSOL já que o partido é o que mais se vincula às nossas crenças. Então foi uma ação do coletivo a minha candidatura, não do partido.

E a quanto tempo tu estás no setor político?

Como eu disse já fazia política antes mesmo de saber o real significado, acredito que meu primeiro contato tenho sido no Juntos em 2012 e no PSOL me filiei em 2012 também. Esse é o primeiro ano em que fui candidata, antes eu era uma apoiadora e militante no dia a dia.

Depois da eleição recebi um convite para trabalhar com a Luciana Genro… Na verdade hoje já trabalho com ela na Emancipa Mulher, que é uma ONG feminista e antirracista, na qual sou coordenadora, mas não era uma profissão remunerada, era parte da minha militância.

Antes qual era a tua ocupação?

Então antes eu era professora concursada em uma escola de Novo Hamburgo, me tornei militante a partir de 2012, filiado ao PSOL no mesmo ano, candidata a deputada federal pela primeira vez em 2018 e agora assessora da Luciana Genro. Por isso acabo vendo a política não como um trabalho e sim como uma militância.

É possível perceber que tu tens isso como uma convicção, de que forma esse pensamento se concretizou?

Porque a Luciana tem como propósito usar o mandato dela para atuar em duas novas frentes na Emancipa, então nós vamos estadualiza-lá, já que ela conseguiu uma cadeira na Assembléia Legislativa isso ajuda com que tenhamos mais financiamento. Então a escola que funcionava exclusivamente em Porto Alegre com aulas de 15 em 15 dias às sextas e sábados à noite, vai poder acontecer em diversos ponto do Rio Grande do Sul.

Nós também vamos criação um projeto voltado para negros e negras, chamado Emancipa negros e negras. Então foi um conjunto.

E a criação dessas duas frentes, podemos dizer que tem muita influência deste novo governo? Esse cenário no qual somos alvos…

Com certeza! A ideia é interseccionar a luta e ter um espaço no qual teremos essa formação, já que existem muitos mitos sobre o feminismo. Só que esse ano com o assassinato da vereadora Marielle Franco isso se tornou mais latente, por mais que todos os nossos ensinos e estudos a respeito da luta antirracista demonstrasse o quanto era necessário que as pessoas negras ocupassem um lugar na política, o assassinato da Marielle foi um choque, principalmente para o PSOL.

Com tudo isso qual o cenário que tu acredita que está sendo trilhado?

Com a eleição do Bolsonaro…não que eu ache que as pessoas que votaram nele são como um todo fascistas, mas o discurso dele, faz que as pessoas se sintam autorizadas a legitimar discursos machistas, racistas e homofóbicos. Com isso no poder é um caminho perigoso que torna necessário que as pessoas de periferia tenham acesso a fazer a política com as próprias mãos.

Durante todo o período eleitoral, podemos perceber que parecia como se as pessoas não tivessem escolha…

Isso! Muitas vezes a gente acaba votando nesse tipo de coisa, porque acredita que ali não é nosso lugar fala, isso é a grande barreira que o Juntos me fez vencer, ele que impulsionou o fato de eu poder estar na política e acreditar nisso.

Isso me fez vencer uma barreira e com esse cursos de formação ofertados por nós, vamos conseguir avançar com aquelas pessoas que não queiram um coletivo de fato, uma militância de pegar a bandeira e defender na rua, mas que queiram saber como se faz política, que queiram se tornar líderes.

E dentro da política, tu tens uma inspiração?

A primeira pessoa foi a Fernanda Melchionna já que ela é a fundadora do Juntos aqui na ocupação de cotas, eu cresci na militância junto com ela. E a Luciana Genro que quando foi candidata em 2014, abriu caminho para muitas mulheres, para gente saber que podia tomar a frente.

Quando o Juntos me escolheu pra ser candidata, eu tinha dito que não ia ser, mas quando a Luciana me convidou para trabalhar junto e eu comentei com ela, logo ouvi “Mas tu tem que ser, vai ser importante pra ti e um grande aprendizado!”

Então elas foram muito importantes na minha trajetória.

Pude conversar com a Melchionna em uma outra oportunidade acadêmica e de fato ela é uma inspiração…

Sim, sem dúvidas! Tem outras, agora a gente fala da Marielle que eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente no nosso Encontro Internacional da Juventude em Luta, foi uma das pessoas convidadas pelo Juntos para debater na mesa de mulheres negras.

E a Winnie Bueno que é uma militante anti racista e feminista, uma das idealizadoras da Emancipa Mulher e ela fazia parte do Juntos. Então toda a minha formação anti racista iniciou por ela, porque quando eu iniciei no movimento era uma coisa mais no impulso do que a partir de um conhecimento teórico.

É preciso ter um embasamento para ser militante, buscar saber pelo que está militando, certo?

Sim, e e eu aprendi muita teoria com a Winnie e fui percebendo que a gente não falava de uma coisa banal, mas sim estrutural e sistêmica e que eu não compreendia.

E essa tua luta é para deixar um mundo melhor para os teus filhos, sobrinhos e afins?

Eu iniciei achando que poderia mudar o mundo sozinha. Hoje cada vez eu tenho mais certeza que esse meu pensamento é algo que mudou com o tempo, então hoje a minha militância se dá mais no sentido de que juntos podemos fazer a diferença, por isso eu conto como iniciei a militar. Não é a Carla, não é o mandato da Luciana, não é isso. Tudo só passa a ter significância a partir do momento que outras pessoas se engajam junto e que aquilo não é um nome e sim um coletivo.

Memorial

Carla Zanella relata como ingressou no meio político, suas inspirações e lutas em entrevista concedida no Prédio de Direito da UFRGS no dia 23/11/2018. Créditos: Brunna Oliveira

Quando recebemos a pauta desta matéria, logo soube que gostaria de entrevistar algum político negro, para poder me ver representado neste mundo de leões sedentos por poder.

Carla Zanella, logo entrou para a minha lista de opções, tendo em vista que já a conhecia pelas redes sociais e tinha um certo conhecimento sobre o trabalho e a luta desenvolvida por ela aqui em Porto Alegre.

Durante nosso encontro enquanto a ouvia falar sobre saber o real motivo da militância, seus direitos e deveres, pude refletir sobre diversos pontos existentes em minha vida atualmente. Foram quarenta e cinco minutos de um encontro memorável, reflexivo e de total aprendizado. Obrigada, Carla. Juntos somos mais fortes!

Entrevista elaborada na disciplina Gestão da Informação: Política e Economia do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis — UniRitter / campus Fapa. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

--

--