Concurso da Agroindústria Familiar impulsiona a produção de cachaças no Rio Grande do Sul

Bruno Raupp
Política e Economia
6 min readSep 4, 2018

Organizada pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, competição na Expointer analisa as melhores aguardentes produzidas no estado.

Jurados avaliam as cachaças durante o 7º Concurso da Agroindústria Familiar (Foto: Deise Freitas)

Por Bruno Raupp e Deise Freitas

Conhecida pelo seu estoicismo, a cachaça sempre foi considerada a antítese das bebidas requintadas. Feita a partir da cana-de-açúcar, ela possui diversos nomes, como pinga, mé, branquinha, caninha, aguardente, e é encontrada, na grande maioria das vezes, em bares simples e botecos, o que ajudou na criação do mito de bebida barata e vulgar.

Mas desde o início da sua produção — datada do século XVI, até os dias atuais, muita coisa mudou. Isto pôde ser visto na 41ª Expointer, onde ocorreu o Concurso de Produtos da Agroindústria Familiar, evento criado com o intuito de eleger os melhores produtos das agroindústrias familiares do Rio Grande do Sul, que escolheu, pelo 7º ano seguido, as melhores cachaças nas categorias Cachaça Prata e Cachaça Envelhecida (Premium e Extra Premium).

A degustação das cachaças

Criado em 2012, o concurso é uma iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), em parceria com a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (SEAPI).

O objetivo, segundo o regulamento interno da competição, é estimular uma produção de qualidade dos produtos advindos da agroindústria familiar gaúcha, criando novas aberturas para mercados externos. Além de incentivar os produtores a estarem com suas mercadorias regularizadas, capazes de participar de competições e disponíveis para comercialização no mercado formal.

Em relação às inscrições, cada cachaça precisou estar devidamente cadastrada nos órgãos competentes, embalada, rotulada e dentro do prazo de validade, além da obrigatoriedade de estarem inclusas no Programa Estadual de Agroindústria Familiar.

A degustação das cachaças contou com quatro juízes — funcionários da Emater, Confraria da Cachaça e Ministério da Agricultura, analisando produtos de onze cachaçarias. O concurso foi dividido em 3 subtipos:

Aldair Pancotto (Emater), jurado da competição pela terceira vez, disse que é importante a existência de concursos como este, principalmente para ajudar na comercialização da cachaça.

Isto pode ser notado ao analisar os dados divulgados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no último AGROSTAT (Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro).

A exportação de cachaça em 2017 cresceu em comparação aos números de 2016, mas ainda foi menor do que anos anteriores (2013 e 2014). Vale ressaltar que esses dados englobam a produção de cachaça de coluna (industrial) e artesanal (agroindústria).

Dados: AGROSTAT (Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro)

Por mais que os números tenham se mantido dentro da média nos últimos cinco anos, o principal desafio do setor está em como alavancar o crescimento da exportação em conjunto com a consolidação da cachaça, no exterior, como um produto tipicamente brasileiro

Mateus Weber mostra um dos produtos da cachaçaria de sua família. (Foto: Bruno Raupp)

Segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC), apenas 1% da produção de cachaça no Brasil acaba sendo exportada para fora do país. Mas isso não parece ser um problema para a Weber Haus (Ivoti/RS), que passou gerações aperfeiçoando sua fabricação e distribuição, tornando-se uma das cachaçarias de maior peso no estado.

Criada em 1948, hoje ela está presente em todos os estados brasileiros, além de exportar seus destilados para 21 países, como Estados Unidos, Alemanha, Holanda e Dinamarca.

A Weber Haus, presente no concurso desde a primeira edição, participou, este ano, das três categorias.

“As primeiras edições da Expointer contavam apenas com uma ou duas cachaçarias. Hoje em dia se tem mais de dez”, fala Mateus Weber — executivo de marketing da Weber Haus, sobre o crescimento na participação das famílias.

De acordo com Mateus, é possível viver da cachaça nas terras gaúchas, o que foi corroborado por José Carlos Fortuna, dono da cachaçaria 3Fortuna (Muçum/RS), que está em atual ascensão no setor.

Carlos José Fortuna com uma de suas cachaças. (Foto: Deise Freitas)

Com uma capacidade de produção de no mínimo 100 mil litros por ano, Fortuna já está pensando em exportar seus produtos para terras estrangeiras.

“Como sou descendente de português, quero distribuir a minha cachaça para Portugal”, declara o empreendedor.

Voltando ao concurso, foram degustadas 29 cachaças durante toda a manhã do dia 28/08, levando aos seguintes vencedores:

Cachaça prata

1º colocado — Cachaçaria Harmonie Schnaps, de Harmonia;

2º colocado — Agroindústria StrohHut, de Não-Me-Toque;

3º colocado — Agroindústria Casa Bucco, de Bento Gonçalves.

Cachaça envelhecida: classificação Premium

1º colocado — Cachaçaria Harmonie Schnaps, de Harmonia;

2º colocado — Cachaçaria Weber Haus, de Ivoti;

3º colocado — Cachaçaria Casa Bucco, de Bento Gonçalves.

Cachaça envelhecida: classificação Extra Premium

1º colocado — Cachaçaria 3Fortuna, de Muçum;

2º colocado — Cachaçaria Weber Haus, de Ivoti;

3º colocado — Cachaçaria Unser Schnaps, de Presidente Lucena.

Por mais que a produção de cachaça seja um negócio viável no Rio Grande do Sul, a sua exportação em escala nacional se mantém abaixo do esperado.

Entretanto, eventos como este, que se empenham em apontar a dedicação dos produtores e a qualidade dos produtos, podem ajudar no reconhecimento dos destilados de cana feitos no país.

A Associação dos Produtores de Cana-de-Açúcar e Seus Derivados (Aprodecana) do Rio Grande do Sul também participou da Feira, ajudando na divulgação de diversas cachaçarias em sua sede no Parque e apoiando o concurso.

Alguns fatos interessantes sobre a cachaça

Em 1660, ocorreu a Revolta da Cachaça, mas que foi incitada por acontecimentos de pelo menos dez anos antes. Em 1647, a Coroa Portuguesa proibiu a produção de aguardente na colônia, visando a proteção de seus lucros, exceto em Pernambuco — à época comandada por holandeses.

Após a expulsão dos holandeses em 1654, o Brasil sofreu uma queda na exportação de açúcar. Com isso, os senhores de engenho passaram a produzir cachaça ilegalmente para aumentar sua arrecadação.

Frans Post. Detalhe de Engenho, século XVII. Óleo sobre tela, 71,5 x 91,5 cm. Crédito: Museum Boijmans Van Beuningen, Roterdã

Quando a Coroa descobriu, deu ordens para destruir os alambiques e os navios de transporte dos produtores. O Rio de Janeiro, um dos maiores produtores na época, agiu diferentemente e aumentou os impostos sobre a produção de cachaça, gerando ainda mais indignação.

Todos esses fatos levaram à Revolta, que acabou com Portugal, em 1661, perdoando os participantes do conflito e liberando a produção de aguardente em todo o país

No livro O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, a cachaça tem um papel importante na transição do personagem imigrante português para uma vida mais abrasileirada.

Ele troca o vinho do porto (bebida portuguesa) pela aguardente de cana, demonstrando o peso da bebida como um símbolo típico do Brasil. A literatura brasileira é povoada de citações e inspirações relacionadas à cachaça. Isso demonstra o seu valor histórico e social para o país e sua cultura.

Por último, existem duas frases relacionadas à famosa aguardente dentro da história brasileira que merecem destaque. A primeira é de um ex-presidente — não, não foi dita por Lula.

Bebo-o pois líquido é! Se sólido fosse, comê-lo-ia”, disse Jânio Quadros, pensando na branquinha.

A segunda é de autoria de um dos mais renomados compositores da música brasileira, também conhecido pela sua boêmia inveterada. Em Meu Caro Amigo, Chico Buarque canta a célebre estrofe, “sem a cachaça, ninguém segura esse rojão”, esclarecendo o ponto de que, para viver no Brasil, a aguardente se faz necessária.

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