Do compartilhamento ao crime

Bruno Raupp
Política e Economia
4 min readNov 28, 2018

Como indiciamento de gaúcha por crime eleitoral ao compartilhar notícia falsa abre uma discussão muito maior sobre o perigo das fake news

Arte: Nátalie Matiolo

Por Bruno Raupp e Deise Freitas

O termo fake news ganhou popularidade durante a campanha do presidente norte-americano, Donald Trump, em 2016. Por mais que o vocábulo já existisse, datando do século XIX, foi há dois anos que ele ganhou um significado maior, o de divulgação de notícias falsas com o intuito de disseminar a desinformação.

Dois anos depois. Ano eleitoral no Brasil. As eleições mais importantes e dicotômicas das últimas décadas. E as fake news foram, como nos Estados Unidos, peças fundamentais para a decisão da eleição presidencial, levando o candidato Jair Bolsonaro à presidência com mais de 57 milhões de votos.

Entretanto, fugindo do escopo geral e focando nos peões que alavancaram esse tsunami de informações falsas que tomou as redes sociais, um caso chamou atenção. Em 19 de outubro, na cidade de Porto Alegre, uma mulher, que não teve o nome divulgado, foi indiciada pela Polícia Federal por compartilhar notícias falsas na internet.

A educadora física postou um vídeo no qual aparece relatando que urnas fraudadas haviam sido enviadas para o Nordeste e que a responsabilidade pela suposta fraude nas eleições seria do governo federal.

Após o vídeo ter sido apurado pela força-tarefa criada para analisar crimes eleitorais, que conta com membros da Justiça Eleitoral, do Ministério da Justiça e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), além do presidente do TRE-RS, o desembargador Jorge Dall’Agnol, a denúncia foi encaminhada para a PF.

Algo semelhante já havia acontecido nas eleições de 2014, período embrionário ao monstro das fake news. Na época, o empresário Cristiano Coutinho Caldas havia sido apontado, também pela Polícia Federal, como o criador de uma notícia falsa que beneficiava o então candidato a Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB). Em março, ele foi condenado na Justiça Eleitoral a oito meses de serviço comunitário pelos crimes de divulgação de pesquisa fraudulenta e embaraço ao livre exercício de sufrágio.

Ao analisar a legislação eleitoral, é possível ver a falta de disposições sobre crimes produzidos através da internet. Datada de 1965, o código eleitoral configura como crime apenas contratar um grupo de pessoas para fazer mensagens ofensivas na internet — onde as chamadas fake news não se configuram como crime.

Segundo o Promotor de Justiça e Coordenador do Gabinete Eleitoral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Rodrigo López Zilio, as fake news podem ser trabalhadas de duas formas em relação a crimes eleitorais, na esfera civil ou na penal.

Promotor Rodrigo López Zilio em discurso — Foto: Diogo Sallaberry / Agencia RBS

“[Se] alguém veicular na internet uma notícia falsa que prejudique um candidato ou um partido, o ofendido pode pedir a retirada desse conteúdo para a Justiça Eleitoral”, explica. “Se essa mesma fake news imputar falsamente um crime a alguém, denegrir a honra ou a imagem, então ela pode ter consequências na esfera penal”, conclui.

Para o promotor, cada caso deve ser estudado de maneira individual. Em relação ao da educadora física, ela foi indiciada pelos seguintes crimes, “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado” e “caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”, que constam nos artigos 324 e 325 do Código Eleitoral, respectivamente, e podem chegar até três anos de detenção.

Em entrevista coletiva, o presidente do TRE-RS e desembargador Jorge Luis Dallagnol, falou que, além deste, outros casos serão analisados e submetidos à Polícia Federal, e esclareceu que a abertura de inquérito não caracteriza perseguição política, mas sim uma busca por apontar a transparência das urnas e dos servidores eleitorais.

A equipe de reportagem entrou em contato com Polícia Federal para obter mais informações sobre o caso, mas novos dados não puderam ser divulgados.

Este ocorrido demonstra um período nunca antes imaginado na conjuntura política brasileira. Essas eleições, abastecidas pela força das fake news, foram as mais divisivas das últimas décadas, criando esse antagonismo que invadiu grande parte da população.

“Acho que não vamos viver um processo eleitoral tão traumático e tão polarizado como esse. Nessas eleições, as pessoas estavam acreditando em qualquer coisa”, comenta López Zilio.

Em relação ao combate às fake news para as próximas eleições, o promotor acredita que é necessário educação digital para a população. “O poder judiciário não pode tutelar cada eleitor, as pessoas têm que ser mais maduras para saber o que podem e o que não podem ler e no que podem ou não acreditar”, fala.

A circulação de fake news nesta última eleição não teve precedentes, opinião corroborada pela Organização dos Estados Americanos, que esteve em missão no Brasil, comandada pela ex-presidente da Costa Rica.

É impossível prever quais serão as configurações em futuras disputas eleitorais, entretanto, é imprescindível que alguma medida de contenção seja tomada, principalmente em relação a análise de casos que possam ser imputados criminalmente. “A nossa legislação é analógica e não está preparada para um direito penal digital, que veio nas fake news”, finaliza o promotor.

--

--