Eduardo Leite e a luta pela redução da violência doméstica: Retrocesso ou avanço?

Kizzy Morais
Política e Economia
7 min readNov 28, 2018
Imagem produzida para a plataforma online Unidas Somos Mais Fortes | Foto: Aldrey Dornelles

O alarmante número de mulheres vítimas de violência doméstica no Rio Grande do Sul é o pano de fundo de um cenário de desigualdade de gênero e falta de medidas protetivas que atuem de forma efetiva e assegurem de fato tais casos. No entanto onde estão os planos do futuro governador para reduzir está problemática?

Por: Brunna Oliveira, Mariana Paz e Kizzy Morais

Você sabia que é possível termos acesso às propostas de governo divulgado por Eduardo Leite dentro do site do Tribunal de Superior Eleitoral? O documento disponibilizado pela equipe eleitoral do candidato é composto por vinte e cinco páginas e em nenhuma delas a palavra segurança está vinculada a mulher.

Ali não constam programas que visem reduzir os índices de violência contra a mulher. Será este um plano de governo escasso? Falta de preparo do futuro governador? Preocupação nula quanto a questão?

“Não está nada especificado, como nada no governo dele, não é?! É só mais um dos pontos que não foi debatido como tantos outros nas campanhas eleitorais. Acho que a principal questão do governo do Eduardo Leite é a não visibilidade. Ele simplesmente não enxerga isso como um problema.” afirma socióloga Vanessa Porciuncula.

A socióloga formada pela PUCRS, ainda acrescenta que os debates acompanhados, assim como as propagandas não enxergam a violência doméstica como um problema. Para ela quando um governador enxerga isso como algo natural, um fim cultural, ele mostra que não tem responsabilidade com isso, ou seja, fica no âmbito cultural.

Há décadas a cultura gaúcha tem sido vista como uma cultura machista. “E o que o governador vai fazer? Nada, ele não tem tanto poder assim e muito menos interesse em mudar o cenário”.

Além disso, para Vanessa a reputação do governador eleito perante as mulheres não é positiva. Trazendo como referência o ocorrido em Pelotas durante o seu mandato como prefeito no período de 2013 à 2017. Ela reforça que questões ligadas à mulher são tidas como banais. “O caso das fraudes nos exames são o reflexo da ideia do machismo institucional, que são aquelas práticas machistas que estão dentro da instituição, que acontecem de modo praticamente autônomo, sem muito processo de reflexão sobre aquele assunto.”

Quem tem medo dos números?

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos, que administra a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, o Ligue 180, até junho de 2018, o serviço registrou cerca de 73 mil casos de violência doméstica. O Ligue atua de forma gratuita e funciona 24 horas por dia, incluindo feriados e fins de semana.

Quando trazemos para debate o tema violência doméstica, consequentemente é necessário e de extrema urgência falarmos sobre o desenvolvimento de recursos inteligentes para reduzir e em um futuro, quem sabe próximo, eliminar estas taxas que hoje são extremamente assustadoras.

Durante os últimos quatro anos em que José Ivo Sartori, filiado ao partido MDB, e governou o Rio Grande do Sul, seus programas de governo atuaram de forma parcialmente eficaz, decrescendo as taxas. Do início de seu mandato até junho deste ano, os números foram reduzidos de 72.081 mil registros para 62.972, tendo uma taxa de queda de quase 10 mil casos.

Vejamos melhor estes registros de acordo com os números expressos no gráfico abaixo.

O gráfico mostra índices de violência doméstica ao longo dos quatro anos em que José Ivo Sartori esteve à frete do governo gaúcho. / Créditos: Kizzy Morais

No entanto, há pontos em que o governo Sartori pecou com as mulheres, como a falta de investimento em trabalhos que visem reduzir taxas deste cenário da violência, como o Centro de Referência da Mulher Márcia Calixto, um dos principais espaços estratégicos da política municipal de enfrentamento à violência contra as mulheres no estado, que acabou tendo que diminuir muito a sua intensidade e atividades.

Para a ex secretária municipal de políticas públicas e ex coordenadora do CRAM, Waleska Vasconcellos, é complicado um organismo de política para a mulher que trabalha direto amparando-as contra a violência, ter suas atividades reduzidas.

Waleska, que também faz parte do diretório do PDT, assumiu no governo de José Ivo Sartori, a Secretaria Geral do Conselho Estadual de Direitos da Mulher. Com a desculpa, não sabe se é verdadeira ou não a situação de que o estado estava quebrado e não tinha dinheiro, se enxugou muita coisa.

Em 2015 foi cortado mais de 5 milhões em políticas públicas quando Dilma Rousseff teve que fazer cortes. “Infelizmente quando é pra cortar coisas e economizar se corta na carne das mulheres.” acrescenta Waleska.

Para ela, isso se tornou ainda pior vindo da ex presidenta. “Uma coisa é o Sartori ou o Leite fazer este corte, ou até mesmo o anterior que era o Tarso Genro e outra coisa é uma mulher. Ela era comprometida com a causa das mulheres, e teve que fazer este corte. Será que não dava pra cortar em outro lugar?”

A ex secretária de políticas públicas ainda destaca que cortar uma quantia desse nível de investimento na Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, inclusive a única com status de ministério, foi péssimo. “Fica uma situação indefensável”, afirma Walesca.

Para a pedetista, Waleska, ações estão sendo feitas a muito tempo, o que deve ser feito relacionado às mulheres, é política pública. “Eu acredito que não foi feito aquilo que nós esperávamos, o que as mulheres mereciam e precisavam — referindo-se ao governo Sartori. É lamentável e triste e eu também não espero muita coisa do próximo governo (Leite).”

A militante feminista ainda afirmou não ver nada específico e nenhuma pauta que vise trazer maior segurança para as mulheres. Ela diz não acreditar que Eduardo Leite tenha o mesmo perfil que o atual presidente Nelson Marchezan, já que a mídia tem os comparado de forma insistente. “Embora sejam do mesmo partido, o Leite parece ser um cara polido, educado e sabe falar com as pessoas enquanto o outro não, a relação não só é ruim com o magistério, mas com todo o funcionalismo público. Uma relação muito ruim assim como o atual governador (José Ivo Sartori).”

Para Carla Zanella, candidata a deputada federal, existem dois pontos importantíssimos que Eduardo Leite deve seguir para reduzir os números. O avanço dado pela Lei Maria da Penha, que completou 12 anos agora em 2018, ainda não é de total de satisfação, visto que os artigos presentes são ideias e muito menos completos.

Entretanto, considerando os dados e os amparos tidos pela lei e levando em conta que hoje temos as estatísticas, faz com que a sensação de que estes casos estão sendo cada vez mais recorrentes e tudo isso influencia para que haja propostas para minimizar estes índices, o que na realidade acaba não acontecendo. “O Leite precisa focar em políticas públicas efetivas, que tragam de fato a segurança da mulher, o pensamento precisa ser inteligente e concreto. Não adianta apenas um pedaço de papel que contém uma medida protetiva. Isso não protege, o que protege são as políticas públicas de combate e prevenção.”

Zanella comenta ainda que é complicado reduzir estes números sem a reestruturação da Secretaria da Mulher, ação que não está nos planos de Leite. “A Secretaria não é apenas um cabide de emprego como costumam achar, mas também não é garantia. Mas ela tem a função de pensar essas políticas.” Carla vê este ato como um retrocesso, que descredibiliza muito o futuro governador.

Os 12 anos da Lei Maria da Penha

Em meio a diversas notícias de homicídios cometidos contra mulheres, no Brasil, este ano a Lei Maria da Penha completou seu décimo segundo ano, desde que foi sancionada em 7 de agosto de 2006. A Lei 11.340 tem o intuito de proteger mulheres que sofrem determinados tipos de agressão dentro de seus lares, como agressões físicas, psicológicas, morais, patrimoniais entre outras.

Uma dessas medidas efetivas para mães e filhos, são os Lares provisórios, onde a mulher é amparada e acolhida em um ambiente reservado. Além disso, conta com equipes para realizar a mudança de objetos e roupas, a fim de não deixar a vítima em posição vulnerável diante do agressor.

É importante ressaltar que a violência doméstica não tem raça, credo, cultura, etnia, orientação sexual é muito menos classe social. Ela pode acontecer em qualquer âmbito. Todos os casos de abuso ou violência contra a mulher podem e devem ser denunciados através do número Disque 180, porém, para que haja as medidas de proteção, os registros precisam ser feitos diretamente pela a vítima.

Familiares e amigos não podem realizar o boletim de ocorrência, salvo os casos em que há flagrante ou tentativa de homicídio. Das principais agressões sofridas por mulheres, estão violências verbais, físicas, sexuais, casos de cárcere privado, assédio e homicídios.

Através da sanção da Lei Maria da Penha, estes casos passaram a ser considerados crimes e na maior parte das vezes precedem casos fatais. O Rio Grande do Sul liderou, com mais de 400 mil casos de denúncias, para medidas protetivas com urgência em 2016, de acordo com Instituto de Pesquisa DataSenado.

Mesmo com este índice elevado, muitas mulheres passam por diversas agressões e ameaças até tomarem coragem de denunciar, correndo o risco de serem mortas pelo companheiro.

A farmacêutica Maria da Penha, que deu origem ao nome da lei, sofreu agressões durante 23 anos e após uma tentativa de homicídio, resolveu lutar por seus direitos. O julgamento de seu caso demorou tanto por conta da falta de uma legislação para as agressões vivenciadas por mulheres.

Penha ficou paraplégica e lutou bravamente por sua vida até que seu parceiro fosse condenado. Atualmente com 73 anos,ela trabalha em prol dos direitos das mulheres vítimas de violências domésticas.

A união faz a força

Estudantes de Jornalismo desenvolveram um projeto para a disciplina de Jornalismo Digital da UniRitter, ao longo do segundo semestre de 2018 nasceu a plataforma online Unidas somos mais fortes, destinada a informar e debater relacionamentos abusivos e violência doméstica. https://unidassomosmaisfor.wixsite.com/unidas

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