Marcelo Sgarbossa: política e pedal

Bruno Raupp
Política e Economia
10 min readNov 13, 2018

Vereador petista luta por uma mobilidade urbana mais humanizada, aposta no progresso com sustentabilidade para Porto Alegre e entende que o retorno às bases como forma de diálogo para a esquerda é necessário

Vereador Marcelo Sgarbossa (PT) em discurso sobre mobilidade urbana na Câmara Municipal de Porto Alegre — Foto: Divulgação

Por Bruno Raupp

É uma segunda-feira de calor subsaariano. Marcelo Sgarbossa chega ao seu gabinete da Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre um pouco depois das duas e meia da tarde. Está vestindo um blazer azul marinho de corte clássico, camisa branca com gravata vermelha, calça escura e tênis All Star. Ele me avista, cumprimenta e pede para atender a um eleitor, que já estava esperando, antes de conversar comigo. Digo que não há problema e aguardo por alguns instantes.

Ciclista profissional por 10 anos, Sgarbossa chegou a figurar o ranking de melhores atletas brasileiros na modalidade, levando-o a uma carreira internacional de razoável sucesso, que culminou com a conquista, em 1996, do Gran Premio Fratelli Bagnoli, importante competição italiana de ciclismo. Todavia, indisposto com o uso de doping por grande parte dos competidores, decidiu abandonar o ciclismo profissional em 1997, com apenas 22 anos, retornando para o Brasil.

Após a volta para a casa, se formou em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), onde foi iniciado na militância política e no ativismo pelos direitos humanos. Mais de duas décadas depois, que incluem algumas incursões mal sucedidas à política — candidato a vereador em 2008 e deputado estadual em 2010 e 2018, ele está em seu segundo mandato pelo Partido dos Trabalhadores e mantém o ímpeto pela bicicleta ao ter a mobilidade urbana como uma de suas principais bandeiras.

Passados cinco minutos, Marcelo sai de sua sala com o apoiador, desce até a saída, levando uma bicicleta branca e antiga que estava parada na entrada do seu gabinete, que provavelmente pertencia ao homem, ou passou a pertencer após a conversa. Sgarbossa retorna, me convida ao seu escritório, tira a gravata, o paletó e bebe um copo d’água.

P: Qual a sua opinião sobre estes últimos dois anos do seu mandato aqui na Câmara de Vereadores?

Marcelo Sgarbossa: Então, nós reapresentamos os mesmos projetos, só que a conjuntura mudou. Com a entrada do Marchezan, a Câmara ganhou mais importância, porque ele quis fazer mudanças profundas, como a reforma administrativa, a redução das secretarias.

Diga-se de passagem, uma reforma administrativa que manteve a mesma estrutura. Só tirou o nome das secretarias, a quantidade de pessoas ficou a mesma, praticamente. Foi para inglês ver. O Marquezan começou a pautar muitas mudanças no serviço público, na carreira. Ele quis mudar a reforma da previdência, quis tirar o tempo do trabalho, que já está consolidado há muitos anos.

Então existe uma maior tensão…

A Câmara se tornou um espaço de luta bem diferente do governo anterior, onde, praticamente, tirando nós da oposição, com PSOL e PCdoB, os demais eram um bloco uno. As votações sempre se repetiam. Agora mudou. Primeiro o Marchezan atacou, de forma veemente, todos os lados. O grande problema do prefeito é que ele não consegue dialogar com os próprios apoiadores. Vereadores e vereadoras dos seus partidos de sustentação, muitas vezes, lutam no plenário para derrubar os projetos dele mesmo.

Então, em relação ao segundo mandato, os temas que nós pautamos ficaram em segundo plano. A gente reapresentou os projetos e conseguimos aprovar uma que outra coisa. São tempos diferentes. Eu espero que passe logo essa situação de extremo confronto, inclusive físico, com a Brigada Militar no plenário da Câmara, bomba de gás lacrimogêneo, e que a cidade possa voltar a falar de progresso com sustentabilidade.

Sgarbossa em discurso na Câmara Municipal de Vereadores — Foto: Divulgação

Qual o seu olhar sobre a mobilidade urbana em Porto Alegre? Quais são os erros e acertos?

O problema central de Porto Alegre é a sua rodoviarização. Uma cidade que teve uma janela de oportunidades, que foi a Copa do Mundo e os financiamentos de baixo custo, ao invés de repensar o que a cidade precisaria para ser sustentável, preferiu dizer assim, e isso eu estou falando frases dos técnicos da EPTC e dos gestores públicos de então: “estas obras estão previstas há 25, 30 anos, portanto vamos realizá-las”. Estou falando da trincheira da Anita Garibaldi, da duplicação da Tronco, do viaduto da Bento.

Há 20 anos ninguém diria que Porto Alegre teria, em 2018, quase um milhão de veículos emplacados na cidade. Esses financiamentos deveriam ter sido aproveitados para atualizar os conceitos e humanizar a cidade.

Tua resposta tem paralelos com os comentários apontados pelo David Byrne quando esteve de passagem em março de 2018, que enxergou Porto Alegre como uma cidade inacabada…

Ele tem os Diários de Bicicleta (livro publicado em 2009). Ele pedalou aqui em Porto Alegre e até fez uma crítica àquele empreendimento na Beira-rio que é tipo uma escadinha. Achou legal a Orla e tal. Mas ele trouxe essa crítica da rodoviarização.

O que te levou a se candidatar para deputado estadual nesta última eleição?

Nós sentimos a necessidade de levar o tema da bicicleta para outras cidades, para outros lugares. Como eu sou um candidato temático, significa que eu poderia tanto me eleger deputado ou não. A gente veio de uma reeleição. Seria quase que uma omissão eu não ser candidato. Quando tu é um agente público, como agora eu sou, claro, eu não posso me candidatar a presidente do Brasil, mas, também, não concorrer a deputado…

Então o fato de não ter se elegido deputado estadual não foi encarado como uma derrota?

Não, não. Nós não alcançamos os números necessários, mas, no entanto, foram vitórias políticas. Não tô falando que eu “tive” uma vitória política, mas que dei mais um passo numa construção.

E a tua candidatura para vereador em 2020 já foi decidida?

Não sei te dizer. Tem dois anos pela frente. Como nós estamos em um momento de conjuntura que é muito rápido, eu não sei o que pode acontecer daqui dois anos. Se eu tivesse que dizer agora, o mais natural é uma reeleição.

Mas digamos que eu vá para um terceiro mandato, acho que encerra ali. Eu acho que tenho uma contribuição para dar. Agora, essas contribuições também têm um ciclo. Eu não estou condenado a ser um servidor público o resto da vida. Posso parar e servir ao público de outra forma.

Os dois deputados estaduais mais votados do Rio Grande do Sul são do PSL (Tenente Coronel Zucco e Ruy Irigaray). Qual a sua opinião sobre isto?

Dois desconhecidos. A minha resposta é o que todo mundo já concluiu. Surfaram numa onda. Ontem mesmo eu estava andando pelo bairro Menino Deus e encontrei santinhos jogados no chão de um desses dois e tava só Bolsonaro e o nome dele como candidato a deputado. Eu torço que eles sejam bons parlamentares, que tenham racionalidade nas suas medidas.

Em relação à campanha do PT para a presidência, qual a sua opinião?

O Fernando Haddad, eu acho um candidato excelente, o cara já mostrou o que fez. Também não se elegeu para prefeito de São Paulo, por contas dessas ondas. Tava muito na onda de pós-golpe, Dória.

Marcelo Sgarbossa em entrevista — Foto: Bruno Raupp

A derrota para Bolsonaro poder ter tido relação com o fato do Lula ter sido o candidato oficial por grande parte da campanha? O que você achou dessa estratégia?

Eu acho que não. Tanto quando o Haddad foi oficializado, em dois ou três dias, não me lembro bem dos números, ele saiu dos 10% e foi para 25%. A estratégia do PT teve uma racionalidade. O Lula tava muito bem colocado nas pesquisas. Tem todo um procedimento que poderia ter garantido ele como candidato. Ele poderia ter conseguido uma liminar do STF.

Mas ele preso, condenado em segunda instância, Lei da Ficha Limpa…. nós temos aqui dentro da Câmara um sujeito que foi condenado em segunda instância, que conseguiu uma liminar do TSE, e concorreu a reeleição em 2016 e tá aí como vereador. A gente percebe que pro Lula tem um julgamento diferente.

Muitos eleitores acharam uma ingenuidade do PT acreditar que o Lula fosse conseguir concorrer mesmo condenado em segunda instância.

Abandonar o Lula quando ele ainda podia ser candidato, seria tu dizer o seguinte, “muda, vamos pegar outro cara”. A ONU deu uma liminar dizendo que o Lula deveria concorrer. As pessoas costumam atacar quem tá argumentando ao invés do argumento. Analisaram o processo e perceberam que tem problemas. Acho que tínhamos, sim, todos os elementos para apostar no Lula, até por uma questão de valor, solidariedade e de referência que ele é para as esquerdas do mundo todo.

Qual a sua opinião em relação à autocrítica do PT por parte dos seus eleitores?

Eu vejo os petistas extremamente autocríticos, até meio autoflagelação, sabe. Lá em 2002 já teve um grupo que saiu do PT por achar que o Lula não tava implementando a reforma agrária como deveria. Então, assim, essa autocrítica existe internamente. Mas tu não vai querer que, em pleno debate eleitoral, eu te dê munição para tu me atacar.

Cadê a autocrítica do Bolsonaro? Ele era do PP, apoiador do governo Lula. O PP tava no governo. Então o Bolsonaro apoiou o governo Lula, só para dar um exemplo. Querem que o PT termine? Aí é um ato fascista

Como acha que o PT poder dar a volta por cima após uma derrota depois de mais de 10 anos no poder?

É um momento de muita crise, de questionamento. Não tem uma fórmula mágica. Todo mundo mais experiente sabe o que tem que fazer, ou seja, ter um papel de base, de reconexão. Com o fato de estar no governo, tu vai perdendo a conexão. A vida tá muito mais lá fora. A volta por cima está numa reconexão com a base.

Qual seu ponto de vista sobre os casos de agressão influenciados por motivos políticos?

É um absurdo. O problema de toda ditadura não é o ditador, é o guardinha da esquina que acredita naquilo que o cara falou. Toda figura pública tem que ter muita responsabilidade naquilo que fala. Eu sei que as pessoas querem ouvir autenticidade, mas não dá pra dizer “eu vou metralhar, faltou matar uns trinta mil”, ambas frases do Bolsonaro. Pode ser uma frase de falastrão, mas isso, pra quem não tem um certo equilíbrio, é uma mensagem de “vamos atacar eles agora”.

E a influência das Fake News no resultado geral desse eleição?

Eu tô em vários grupos de família e recebia Fake News direto. Desde o filho do Lula que nem era o filho do Lula. Eram bem estruturadinhas. Tem uma geração que, não tô dizendo que são ignorantes, tô dizendo que eles falam o seguinte, “se tá escrito, é verdade”, porque acham que foi feito por alguém sério, por um jornalista. Aquela ideia de que se tá no jornal, é verdade. Então, no mínimo serve para confundir. Elas influenciaram muito, sim. O problema é que isso já tinha acontecido nas eleições dos Estados Unidos, no Brexit e talvez, aqui, as nossas instituições não estavam preparadas

Petista no plenário da Câmara Municipal de Vereadores — Foto: Divulgação

Sua ideias sobre o novo governador, Eduardo Leite?

Primeiro, ele foi muito inteligente na campanha. Apesar dele ser um sujeito vinculado ao PSDB, ele conseguiu se desvincular, inclusive, do Marchezan. Eu não vi nenhuma propaganda eleitoral em que ele apareceu. Isso é estratégia. Ele, diferente do Marquezan, é um sujeito com equilíbrio emocional. Na gestão em Pelotas, ele dialogava. Eu espero que seja um governo tranquilo.

Em relação às privatizações no novo Governo do Estado?

Ele fez um campanha que não focava nesse liberalismo desvairado, assim “vamo vender tudo”. Já deu duas sinalizações, “o Banrisul e a Corsan eu não vou privatizar”. Não só um espectro da esquerda das pessoas que querem defender o patrimônio público, tem gente que confunde isso. Tem setores da sociedade que são estratégicos que o poder público faça diretamente ou tenha capacidade de controle, o que não é fácil. É comum aqui nos debates da Câmara a seguinte questão, nós (PT) não somos contra a parceria público-privada e nem, eventualmente, privatizar alguma coisa. Agora, a questão toda é estabelecer o que é estratégico e o que o estado consegue fiscalizar

Ele pode se diferenciar do governo Sartori?

Eu acho que não vai ser muito diferente. A linha que o Sartori está implementando é muito parecido com a do Leite, ou seja, a ideia do estado mínimo. Na racionalidade, o Eduardo Leite tem falado coisas positivas, por exemplo, ele vai manter esse aumento do ICMS por dois anos, ou seja, ele quer ganhar um tempo pra ver o que vai fazer. Mas acho que na linha política, não vão ter grande mudanças.

Acredita que a retórica do Bolsonaro pode ser colocada em prática?

Ele pode, efetivamente, querer aplicar aquilo que falou na campanha. Aí nós vamos ter muitos confrontos, com movimentos sociais, com setores da sociedade que não concordam, até aqueles que votaram nele. Ele acha que mulher tem ganhar menos do que o homem. Então, digamos que na Reforma Trabalhista alguma coisa que diga isso. Será que as mulheres não vão se levantar?

Vai depender muito do quanto ele vai querer levar adiante as coisas fortes e equivocadas que ele falou. Mas acho que não, primeiro por um tomo de esperança por achar que foram só bravatas de eleição, segundo, ele está se cercando. Queira ou não queira, o Moro estudou Direito e nas suas entrevistas tem dito que os movimentos sociais podem se manifestar, e o Onyx Lorenzoni é um cara que também faz política do ódio, mas tá lá há muitos anos, então acho que um freio ele vai ter.

Como combater essa nova onda de fascismo que ressurgiu nos últimos anos e foi tão forte nas eleições?

Quando a gente fala em fascismo, é bom lembrar que desses eleitores do Bolsonaro, eu não sei te dizer quanto, mas, efetivamente, não são os 56% fascistas. O que eu percebi nos últimos tempos é que cresceu a ideia do “vamos terminar com vocês”. Isso é uma ideia fascista. Mas eu não vejo uma onda com organizações. Eu acho que foi mais o clima da eleição.

Memorial

Em tempos políticos sombrios e conturbados, a oportunidade de entrevistar alguma persona política é inestimável. Por isso, escolhi pelo vereador Marcelo Sgarbossa, que tem se mostrado um homem público de inabalável estima em prol de suas bandeiras.

A entrevista ocorreu em seu gabinete na Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre. Durante uma hora e vinte minutos de conversa, foi interessante poder entender mais sobre suas opiniões e projeções para o futuro da capital, além de suas ideias sobre assuntos de política geral.

Entrevista elaborada na disciplina Gestão da Informação: Política e Economia do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis — UniRitter / campus Fapa. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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