O amor de Deloi

Entrevista com Maria Deloi Cardoso Silveira, uma das lideranças comunitárias mais longevas e atuantes na busca por melhorias para o bairro Mário Quintana, zona nordeste de Porto Alegre

Ulisses Miranda
Política e Economia
16 min readNov 26, 2018

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Maria Deloi Silveira Cardoso, 77 anos de dedicação e amor à assistência social. Foto: Ulisses Miranda

Por Ulisses Miranda

Voz eloquente de uma representante daqueles que poucas vezes são ouvidos. Sendo mulher, negra e moradora da periferia, Maria Deloi Silveira Cardoso tem uma história marcada por batalhas e, por isso, se considera uma guerreira. Por ser uma natural representação de muitos é que suas conquistas se tornam saborosas. Talvez, sem o mesmo gosto doce das guloseimas feitas pela mãe que era doceira e que dona Maria perdeu aos 16 anos. Mas igualmente saborosas. Nascida em 1941 na cidade de Alegrete, no oeste do Rio Grande do Sul e a quase 500 quilômetros de distância da Capital, dona Maria Deloi, é uma liderança na comunidade Timbaúva, que faz parte do bairro Mário Quintana, zona nordeste de Porto Alegre. Aos 77 anos — 28 deles na casa da Rua Sebastião do Nascimento — , dona Maria foi professora em Alegrete, quase virou freira em Lages-SC e hoje é, entre suas muitas atividades, voluntária no Centro Social Marista (Cesmar) que ela ajudou a levar para a comunidade há 21 anos. Participante do Orçamento Participativo (OP) desde a criação, em 1989, dona Maria fala da vida e da política como se fossem uma coisa só.

Como suas vivências quando criança e adolescente influenciaram na pessoa que a senhora é hoje?

Eu venho de família de pessoas humildes. A minha mãe era filha de criação dos Guedes Dorneles, de Alegrete. A minha criação foi toda focada para o estudo. Fui criada em colégio de freiras. Eu lembro da minha infância, do trabalho que a minha mãe teve, depois que os pais dela faleceram, ela comigo, com tudo. Minha mãe era doceira em Alegrete. Então, ela trabalhando com doces, fazendo doces para quase todas as pessoas de Alegrete, para aquelas famílias tradicionais de Alegrete e eu estudando. Graças a Deus, com toda a minha humildade, eu tive uma infância maravilhosa. A criação que a minha mãe me deu, embora sendo analfabeta — e é uma das coisas que eu me orgulho em dizer, que minha mãe era analfabeta, e não escrevia o nome dela mas sabia fazer contas melhor do que eu que estava dentro da escola. Eu estava estudando, comecei no colégio de freiras, saí do colégio de freira… naquela época não tinha grandes cursos. Aí eu fui para o Instituto [Estadual de Educação] Oswaldo Aranha que foi onde eu me formei.

Isso lá em Alegrete?

Tudo em Alegrete [pausa porque os familiares de dona Maria estavam falando alto dentro de casa. Ela pede por um silêncio que rapidamente vem]. Aí quando eu me formei, tive uma tragédia nesse meio, superimportante: queimou a minha casa.

Quantos anos a senhora tinha?

Eu devia ter… eu não era formada ainda, a minha mãe ainda existia. Eu deveria estar com uns 13 anos, quando a minha casa incendiou. Eu estava me formando no que, na época, era o ensino fundamental. Como eu já estava na 5ª série, já ia terminar. Mas, graças a Deus, no dia da formatura, eu estava novamente com a minha roupa em condições de me apresentar na formatura, porque a minha mãe tinha uma grande amizade com uma série de pessoas dentro de Alegrete. Então eu tive condições de me formar e foi mais uma vitória na minha vida.

Não conheceu seu pai, correto?

Fui criada por uma mulher só, não conheci pai. Eu conheci pai na barra da saia de uma mulher. Então isso eu peguei para a minha vida. Isso eu trouxe para a minha vida. Por isso que sou a pessoa que sou, uma guerreira. Eu não me abato por qualquer coisa. Acho que quanto mais difícil, melhor tornam-se as coisas para mim. Com mais gosto eu faço. Eu aprendi a viver assim. Nesse meio tempo, depois de estar formada, com a minha carga de conhecimento católico, trabalhando na Igreja com o padre Paulo Arípio, foi onde eu aprendi a ter amor pela parte de assistência social.

Foi aí que eu me apaixonei pela assistência social.

Eu comecei a fazer cursos, me formei, trabalhei 18 anos como professora, dentro de Alegrete, dentro das escolas municipais. Trabalhei seis anos numa colônia de alemães e seis anos numa colônia de italianos. Porque aí eles começaram a pegar aqueles professores que eram solteiros para destacar para aqueles lugares onde tinha aquelas granjas de arroz. Como a solteira não tem compromisso com filho nem nada, né? Mas nesse meio tempo mesmo a minha mãe já tinha falecido. Eu morava com pessoas amigas.

Quando perdeu a sua mãe a senhora tinha 16 anos, certo?

A minha mãe faleceu quando eu estava com 16 anos… 16 anos eu estava quando a minha mãe faleceu, num 1º de ano… 1º de ano. Então para mim foi aquele desespero por, praticamente saber que estava só — porque era filha única. Mas isso, me abateu, sim, mas eu olhei para frente com toda a fé que a gente tem que ter em Deus, que é o todo poderoso. Tive força para lutar e consegui tocar… isso me emociona muito [com a voz embargada]. Nesse meio tempo, nas indas e vindas e viagens, eu fui fazer um curso convidada a viajar à Santa Catarina. Imagina só, fui para um convento em Lages. Nesse convento iria ser freira. Eu vi que, em um ano e pouco que fiquei lá, não era o que eu queria. Digo, “não é isso, não quero ficar encerrada numa peça!”. A gente vendo tanta coisa para fazer e eu já tinha aprendido muito com o padre Arípio [em Alegrete], trabalhando com os ribeirinhos na beira do arroio Ibirapuitã — que naquela época sempre tinham enchentes horríveis em Alegrete. A água chegava a passar por cima da ponte. As pessoas do outro lado da ponte não tinham como passar para cá, e as pessoas da cidade não tinham como voltar para o outro lado. Isso tudo eu enfrentei e passei. E aí a gente ajudava as pessoas. E fui indo, fui indo, me casei.

Dona Maria até hoje se emociona quando fala sobre a mãe, Angela da Silveira. Foto: Ulisses Miranda

E com quantos anos a senhora foi para Santa Catarina?

Eu tinha uns 18, 19 anos. Era nova ainda. Nesse meio tempo, já tinha tido um namorado muito tempo atrás, brigamos, eu pensei que nunca mais ia vê-lo. Eu digo “bom, o que é que eu vou fazer? Já que tive o chamado, vou para o convento, vamos ver se eu sigo isso”. Até pensei num campo de ajudar as pessoas. Porque tu sabes, em colégio de freira sempre estão ajudando as pessoas, né?

Por que a senhora não ficou no convento?

Não foi aquilo que eu imaginava, sabe? Era muita clausura. Naquela época, as freiras carmelitas, era uma ordem muito severa, e eu digo “não é isso”. Aí fui a Alegrete para visitar os parentes, minha madrinha, que eu morava com ela, né? Aí falei com padre Paulo. Aí ele falou “se tu não queres seguir, o teu espaço tá livre aqui, volta então. Vamos continuar”. E me desliguei [do convento]. Nesse meio tempo com todo o trabalho que nós fazíamos — era Banco da Família Pela Família chamava-se, o nome era Bafafa — fui conhecendo pessoas e entrei na política.

Sempre fui política. E aquilo foi me apaixonando.

Tudo que vocês possam imaginar que eu possa ter feito na vida política, e eu nunca fui presa. Mas nos tumultos… tu vês que peguei, a época do militarismo. Passei tudo. Nós fazíamos bagunça, mas nunca fui presa. Eu sempre tive essa… e sempre fui do lado vermelho. Sempre. Eu não escondo. Só que atualmente tem coisas que aborrecem a gente, a política está se tornando muito porca, muito suja.

Por que a senhora acha isso?

Ela [política] tem um fundamento bom, só que várias pessoas que fazem parte desse trabalho não fazem jus da sigla que representam. Eu acho que tudo que a gente faz tem que se fazer por amor, sem tanta ladroagem, tanta sacanagem que está sendo feito, onde cada um quer se arrumar da melhor maneira e estão esquecendo da base política que vieram. Que a nossa base política é para ajudar o pobre. Como tantas coisas lindas e maravilhosas que foram feitas dentro de nossa querida cidade de Porto Alegre. Por que hoje eu tenho o título de cidadã porto-alegrense? Por causa dos trabalhos que eu fiz. E quem reconheceu, até, foi um governo que não era nem do meu lado [em 2007 recebeu a Medalha Cidade de Porto Alegre do então prefeito José Fogaça]. Isso é muito bom, é uma glória muito boa, porque eles enxergaram isso. O nosso trabalho, da sigla política, foi de suma importância para a cidade de Porto Alegre. E, infelizmente, nesse momento crucial, o povo esqueceu. Esqueceu grandemente. O que tem de bom dentro de Porto Alegre foi feito pelo PT [Partido dos Trabalhadores]. Pobres que nunca tiveram nada na vida, hoje estão morando “muito bem, obrigado”. Ou botando fora. E, infelizmente, demonstraram agora, que botaram fora o que tinham de melhor.

Como era aqui quando a senhora veio para cá?

Quando eu vim para cá, morar no Timbaúva — eu já moro aqui há 28 anos — isso aqui era mato. Não existia o Cesmar [Centro Social Marista, fundado em 1997], não tinha calçamento, não tinha nada. Nós subíamos e descíamos isso aqui [apontando para a rua] num barral para ir trabalhar. Chegávamos no fim da linha [de ônibus] com barro quase aqui na canela. Nós tínhamos que levar um saco plástico para chegar lá em cima [no final da linha de ônibus] e trocar de calçado para a gente trabalhar. E daí para cá eu fui me apaixonando, e sempre juntando as coisas com a política, tá entendendo? Uma coisa caminha com a outra.

E quer queira ou não, a nossa vida toda é pautada em cima de algo político. Tudo que se faz é política.

Só que tu fazes uma política honesta, limpa e clara, ajudando as pessoas a construir um mundo melhor. Porque é nossa obrigação de ajudar os nossos governos a fazer algo por nossa cidade ou nosso Brasil. Não destruí-lo, como a gente está vendo que a destruição está chegando. E será que nós vamos aguentar tudo isso, passivamente? Eu não estou querendo aceitar, porque estou com 77 anos, e eu acho que o nosso Brasil não merece. Acho que está na hora do povo brasileiro acordar, arregaçar as mangas e ir para a rua pedir… talvez, vamos esperar. Ver o que vai passar a acontecer, mas se estiver ruim, se ficar pior do que já está, aí é matar as pessoas né? Aí nós vamos voltar a escravidão. Quanta coisa estão terminando? Olha o que está acontecendo no dia a dia aí. Eu penso assim: o que é que eu vou deixar para os meus netos? E para os meus bisnetos, porque eu tenho bisnetos agora, com muito orgulho.

O que preocupa a senhora?

Na atualidade, como as coisas estão se apresentando, o que me entristece muito, no meio de tanto banditismo, é que nós temos uma cidade maravilhosa — olha Porto Alegre é linda — só que o banditismo está tomando conta, tá entendendo? Incentivando as crianças a pegar armas e ir para a rua, nós estamos mais expostos a ele [banditismo]. Muito mais expostos. Sem ter incentivo tu já tens essa criançada… porque eu pertenço, ali, ao Centro Social Marista, que faz um trabalho maravilhoso para tirar essa criançada da rua. Tem como visão tirar essa gurizada da rua, tirar e dar um norte. Se faz muito sobre a aprendizagem. O que é a aprendizagem? É algo que está sendo implantado, enraizado, para que essa juventude de hoje tenha um rumo certo na vida. Para que eles sejam os grandes, os futuros governantes do nosso Brasil. Ele merece gente boa e é isso que eu espero que a gente possa ter. Porque a gente tem trabalhos maravilhosos, com tantos colegas que lutaram… tu vês, nós temos posto de saúde, nós temos CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], tudo que tu podes imaginar, nesses 28 anos que era mato… tu olhas, nós temos ruas asfaltadas, nós temos luz, nós temos água, nós temos recursos. Só que as coisas estão se esvaindo. Tudo o que foi conquistado, a gente está prestes a perder de um dia para o outro com a maior tranquilidade. E isso entristece. Pois quando tu és uma lutadora, tu lutas por aquele espaço que tu vives… eu não ajudo somente os outros. Eu mesma estou me ajudando. Porque o lugar que eu moro é o lugar que eu mais tenho que querer e prezar por ele. Para que ele seja o melhor dos melhores. Qualquer pessoa deve pensar isso. E, para dizer que a gente quer o melhor para a cidade de Porto Alegre, para os nossos bairros, para isso a gente tem esse trabalho fantástico que é feito pelos conselheiros do Orçamento Participativo, uma marca tradicional no mundo inteiro.

“Eu acho que tudo que a gente faz tem que se fazer por amor”. Foto: Ulisses Miranda

Era sobre esse assunto que gostaria de falar agora. Quando a senhora veio de Alegrete foi para Viamão, primeiro. Depois para o bairro Glória…

Sim, dali, quando eu fui para a Glória, comecei no OP da Glória. Essa história tem dentro do livro do OP, comecei na Glória.

E daí eu me apaixonei pelo OP.

Foi o primeiro contato, assim, de ter uma prefeitura ao lado da comunidade, foi no Orçamento Participativo?

Sim, sim, sim. Ah, mas isso era na época do grande amigo Olívio Dutra, que é uma marca registrada para nós. É um cara assim que, como ministro das cidades, pelo amor de Deus, deu uma ênfase enorme. O mundo inteiro conhece o Orçamento Participativo. Mas dizem “ah, vamos trazer lá do gringo!”. Eu acho que nós mandamos muita coisa boa para os gringos. Muita coisa eles aprenderam conosco. Só que infelizmente nós fomos passados a perna, iludidos com mudanças que fizeram no Orçamento Participativo. Mataram [o OP] em tese. Porque não mataram enquanto existir os guerreiros antigos, a marca, duas letrinhas, o ó e o pê vai estar no topo do mundo. Isso eu te garanto. Que vão… quantos já foram? Já estão lá do outro lado do mundo. Mas eles mandam energia para que quem está aqui continue lutando, para que este Orçamento Participativo volte, mas volte com muito mais força para fazer o melhor. Para que a gente possa combater as forças que vêm para destruir.

O Orçamento Participativo ainda sobrevive com os mais antigos…

Nós temos que puxar as pessoas novas, para que eles enxerguem o quanto isso é importante para eles mesmos.

Na visão da senhora, qual é a dificuldade para conseguir criar novas lideranças?

Eu acho, para ser sincera contigo, que é a desilusão que as pessoas têm. De tanto mal que falam daquelas pessoas que foram “as cabeças”… porque até agora, falar é fácil, provar está sendo difícil. Até agora ninguém me provou nada. E é isso que revolta quem conhece a fundo o trabalho que foi feito, a injustiça é grande. Porque é muito simples tu acusares uma pessoa. Agora, acha a prova e bota, para que a gente veja e diga “realmente”. Agora eu te pergunto: quem não rouba, no caso, vamos generalizar, todo mundo é ladrão? Todo mundo é bandido? Não. Procuraram e ninguém acha malas de dinheiro que dissessem que o Lula tivesse levado. Eu não vi dizerem isso. Acusam, só se apegam ao Triplex. Mas peguem esse Triplex e vão morar dentro dele. Mas não excluam as coisas boas que foram feitas.

A senhora disse que enquanto as duas letras existirem elas não estarão mortas. Mas acredita que o Orçamento Participativo ainda funciona?

Funciona em partes. Eu tenho essa visão, posso estar errada. Funciona em partes, porque a desilusão é muito grande.

Então, qual é o futuro do Orçamento Participativo?

Oradora conhecida nas reuniões do Orçamento Participativo, dona Maria Deloi espera que a “base” volte a ser ouvida. Foto: Ulisses Miranda

De que alguém ainda continue fazendo isso aí. Insistindo. Mas, com a cabeça… não politicamente. Que ele não se transforme numa coisa que seja só política. Porque é isso que o está matando. As pessoas estão perdendo amizade porque só estão discutindo política, política e política. Vão discutir textos bons, que tem de ser feitos, que traga… materializar aquilo que já era uma matéria pura e clara de ajudar aqueles que mais precisam. Vamos voltar para a base. O OP tem que voltar para a base. Voltar para onde ele nasceu. Ele nasceu na base.

Falando em voltar para a base, a senhora falou que começou lá em Alegrete com um padre, fazendo assistência social. Como define seu trabalho: é um trabalho comunitário, de assistência social ou tudo junto?

Eu acho a coisa mais linda quando tu te dedicas por amor. Eu faço por paixão.

Sem interesse material. “Eu vou fazer porque vou ganhar tanto”, “vou mentir para o fulano ou beltrano”. Faça com amor. Te dedica com amor. Tem tantos e tantas pessoas conhecidas, jovens, que estão fazendo trabalhos maravilhosos dentro da entidade e que não são funcionários. Eu, durante esses 25 anos, nunca fui funcionária do Cesmar. Eu sou uma parceira do centro. Eu sou uma pessoa que está lá para ajudar a crescer e manter a comunidade tendo as vantagens e tudo que é de bom que o Centro Social Marista possa oferecer para a comunidade. É por isso que eu luto.

A senhora é um exemplo para muita gente. Como se vê sendo uma inspiração por ser mulher, do movimento negro também…

Exatamente. O maior orgulho que tenho em ser negra e ser reconhecida por ser negra. Não me acho inferior a ninguém. Não me acho. Vou te dizer com muita humildade. Fazer muitas vezes o que eu faço, com a idade que estou. Eu sou uma supermulher e sou uma guerreira. Enquanto eu tiver vida, enquanto eu tiver saúde, enquanto eu tiver o grande senhor que está lá em cima e a nossa senhora me ajudando, vou continuar lutando para ajudar meu povo com muita bravura.

A minha pergunta era justamente nesse sentido: a senhora representa muitas pessoas que costumeiramente não tem voz: mulheres, negros, periféricos. Como a senhora lida com isso?

Isso é importante. Só que, graças a Deus, isso não deixo subir a minha cabeça. Olha, eu viajo por aí tudo. E sou reconhecida onde eu vou. As pessoas dizem “bah, mas que bom lhe conhecer pessoalmente”. A gente conhece muito de novo. A própria secretária, ex-secretária de educação [de Porto Alegre], a Cleci [Jurach], disse que quando foram representar o Fórum Social Mundial, no outro lado do mundo, e que eu não fui, quem é que apareceu no telão? Nem eu imaginaria que eu estivesse lá. Para o mundo todo ver. Eu sei quem eu sou. Tenho que continuar sendo quem eu sou. Eu me torno importante por continuar sendo a mesma Maria Deloi, do interior, que veio para dentro da Capital batalhar e vencer como eu venci até os dias de hoje. E pretendo fazer mais. Enquanto der para fazer eu vou fazer.

Qual era seu objetivo quando começou a se envolver com assistência social? Tinha um objetivo?

O objetivo era ajudar as pessoas. Porque graças a Deus eu nunca passei trabalho, nunca precisei, com a graça de Deus e de Jesus, estar morando embaixo de uma ponte, estar pedindo esmola, estar isso ou estar aquilo… eu acho um absurdo termos mordomia para tantas pessoas que não têm necessidade. Imagina uma pessoa que ganha R$ 63 mil reais por mês. É justo? É justo? Não. Por que uns podem viver tão bem e outros têm que viver escorraçados. Somos todos iguais. Somos humanos. Merecemos respeito. Eu acho que isso aí as pessoas estão esquecendo.

Nessa sua trajetória, tem algum projeto, ou ação, que seja mais marcante?

Puxa, tem tanta coisa marcante na minha vida, muitas que eu não espero, que eu me surpreendo, quando vejo está acontecendo. Pergunta como é que eu faço. Eu imagino e me atiro à luta. Se tiver que buscar parceiros eu vou buscar parceiros para fazer isso. Foi o que aconteceu com esse Polo Tecnológico que nós temos aqui [no Cesmar]. Fomos buscar parcerias de pessoas que nos ajudassem a fazer algo de melhor para nossa comunidade. E estão lá, na placa, os nossos parceiros que nos ajudaram a fazer isso. Onde o Centro Social Marista, a província Marista, abriu as portas para que a gente conseguisse fazer lá. Emprestou o nome, emprestou tudo que pode, para que a gente pudesse ter esse centro tecnológico.

Para terminar, gostaria de saber o que motiva a senhora a continuar?

É viver. E ser feliz ajudando os outros.

MEMORIAL

Quando o professor Roberto Belmonte apresentou o plano de ensino, no início do semestre, ele explicou que essa entrevista ping-pong poderia ser feita com um(a) jornalista do campo político ou econômico, um(a) economista, um político e, até, com uma liderança comunitária. “Uma liderança comunitária”. Isso martelou na minha cabeça mesmo enquanto enviava e-mails para um renomado jornalista gaúcho para tentar entrevistá-lo. Sem resposta, conversei com meus pais, que também são considerados líderes comunitários no bairro em que vivemos, o Mário Quintana, para que sugerissem nomes de outros líderes.

Com o leque de possibilidades na mão, a primeira tentativa foi dona Maria Deloi. Nunca tivemos um contato maior do que um cumprimento de entrada e saída dos locais que compartilhamos. O primeiro desses locais, foi uma das chamadas Plenárias do Orçamento Participativo da Região Nordeste, da qual o bairro Mário Quintana faz parte. Nessas Plenárias, a comunidade tem a oportunidade de votar e apresentar na hora à prefeitura as demandas que julga mais relevantes. Mesmo criança e sem entender muito do que estava acontecendo, as falas de dona Maria Deloi sempre chamavam a atenção. Hoje tenho consciência de que ela sempre fez uma defesa forte e praticamente incansável das necessidades do bairro.

Logo no primeiro contato ela topou conversar. Meu pai foi quem intermediou. A primeira data agendada seria um sábado à tarde. Poderia chegar “a hora que quisesse”, apontou dona Maria. No entanto, no mesmo dia que agendamos, ela retornou a ligação. Lembrou que já tinha um compromisso inadiável [“de religião”, explicou antes da entrevista] e que, a única data que comportaria meu prazo, seria naquele mesmo dia. E dali 1 hora. Troquei meu sono* pela entrevista sem pestanejar. Coloquei o celular para carregar, juntei o tripé, coloquei bermuda e chinelo.

Eu, à esquerda, de camisa azul, bermuda e chinelo, dona Maria Deloi e meu pai, Manoel Rocha, de camisa branca, bermuda, tênis e boné, numa tarde de conversa no Timbaúva.

Lá na casa de dona Maria, meu pai e eu fomos recebidos por parentes dela. Nos alcançaram cadeiras de praia para sentarmos no pátio [em frente à porta porque mais ao lado, no espaço da garagem, estaríamos na mira dos cães que estranhariam nossa presença latindo]. Minutos depois, ela chegou acompanhada do filho, sacolas de frutas e caixas de ovos. Tinham ido até a Ceasa [Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul]. Depois de nos cumprimentar, dona Maria recebeu uma cadeira, reclamou de dores nos joelhos e perguntou se queríamos algo [“nem um copo d’água?”].

Ao término da entrevista, dei um abraço e agradeci dona Maria Deloi. Ela me disse o seguinte:

“Desejo que tu possas apresentar esse trabalho e que tu possas ser feliz. É a melhor coisa que tem. A melhor coisa que tem na vida da gente é desejar a felicidade na vida dos outros.”

  • Chego em casa às 3h30min aproximadamente, acordo às 7h, tenho aula das 9h às 12h e por isso durmo a tarde, logo após o almoço, até no máximo às 17h, para chegar no trabalho às 19h e iniciar novamente o ciclo.

Entrevista produzida durante a disciplina Gestão da Informação: Política e Economia do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis — Campus Fapa. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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