O desafio das contas para o novo governador do Rio Grande do Sul

Regime de Recuperação Fiscal tem pontos divergentes nos planos de governo dos quatro candidatos analisados

Ulisses Miranda
Política e Economia
6 min readOct 7, 2018

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Próximo ocupante do Palácio Piratini terá como principal desafio ajustar as contas gaúchas (Foto: Leandro Osório/ Palácio Piratini)

Por Robson Hermes e Ulisses Miranda| Gestão da Informação: Política e Economia|UniRitter campus FAPA

Apertar ou afrouxar o cinto das contas públicas é apenas um dos pontos divergentes entre as quatro candidaturas melhor colocadas nas pesquisas do Ibope de intenção de voto* para o Governo do estado do Rio Grande do Sul. Entre os postulantes ao Palácio Piratini estão dois ex-prefeitos, Eduardo Leite (PSDB) e Jairo Jorge (PDT), um ex-ministro Miguel Rossetto (PT) e o atual chefe do executivo gaúcho José Ivo Sartori (MDB). Eles têm soluções diferentes para o mesmo problema: a crise financeira do estado.

O principal símbolo da recessão é o parcelamento de salários dos servidores públicos estaduais — embora não seja a única consequência dela. Em julho de 2015 o atual governador parcelou o salário do funcionalismo gaúcho pela primeira vez em seu mandato. Essa ação do governo emedebista durou dois meses. No ano seguinte, em 2016, o parcelamento iniciou em fevereiro e, desde lá, se manteve mês após mês. Justificada como alternativa para equilibrar as contas públicas, a medida já havia sido tomada, em 2007, pelo governo Yeda Crusius (PSDB).

Anunciado diversas vezes pelo governo Sartori como “única alternativa” para recolocar a economia do estado nos trilhos, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), segundo a secretaria do Tesouro Nacional, foi “criado para fornecer aos estados com grave desequilíbrio financeiro os instrumentos para o ajuste de suas contas”. Além disso, o projeto complementa a Lei de Responsabilidade Fiscal, que não trazia previsão para o tratamento dessas situações.

Em comunicado do dia 8 de fevereiro deste ano, minutos depois da Assembleia Legislativa gaúcha aprovar durante a madrugada o Projeto de Lei Complementar (PLC) 249/2017, que autorizou o estado a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, o governador Sartori enfatizou que essa não era a solução para todos os problemas. “Precisamos continuar fazendo o dever de casa”, disse naquela oportunidade.

O que dizem os planos de governo

Em seu plano de governo em busca da reeleição, Sartori destaca como principal prioridade aprovar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, que ainda depende da definição de quais contrapartidas serão exigidas pela União. A segunda medida decorre da primeira e consiste em garantir o cumprimento do acordo fiscal que determina a privatização ou federalização de empresas estatais dos setores de energia, saneamento, financeiro, entre outros, utilizando esses recursos para quitação de passivos.

Os alvos escolhidos pelo governo estadual para atender a esse item são: Companhia Estadual de Energia Elétrica Participações (CEEE-Par), Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica (CEEE-GT) e Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D); Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás); e Companhia Riograndense de Mineração (CRM). Principal expoente entre as estatais do setor financeiro, o Banrisul tem sua privatização negada por Sartori. Embora, em 2017 tenha decidido vender 49% das ações ordinárias (com direito a voto) — mantendo o controle acionário de 51%. O terceiro ponto abordado no plano de governo do candidato do MDB visa utilizar os três anos de suspensão do pagamento da dívida com a União, que significa um fôlego ao caixa de cerca de R$ 3,5 bilhões ao ano, e aval para novos financiamentos.

Forte candidato, segundo a pesquisa, Eduardo Leite, do PSDB, traz em seu plano de governo diversas semelhanças com o do atual governador com relação ao ajuste fiscal. Entre elas destaca-se a adesão ao RRF, “ressalvadas hipóteses asseguradas pela Constituição Federal e aquelas essenciais para reposição de vacâncias e essenciais para sociedade”. No que se refere a privatização ou federalização de estatais, Leite reforça a necessidade, sendo favorável a proposta de venda da CRM, CEEE e Sulgás. No caso do Banrisul, o candidato tucano se diz contra a privatização por entender que o banco pode ser estratégico em fomento e crédito em áreas importantes para a economia. Em relação à suspensão do pagamento da dívida com a União por três anos, Leite defende a mudança de alguns termos contratuais, como esse prazo que, segundo ele, é insuficiente.

Terceiro colocado nas pesquisas, Miguel Rossetto, do PT, não cita em seu plano de governo o Regime de Recuperação Fiscal. Ele sinaliza como principal alternativa para superar a crise “a luta pelo ressarcimento das perdas decorrentes da Lei Kandir”. O documento aponta que o estado deixa de arrecadar com a desoneração dos produtos primários e semi-elaborados na exportação aproximadamente R$ 4 bilhões ao ano. Além disso, prevê a negociação da dívida, a revogação da Emenda Constitucional 95/2016 — que limita por 20 anos os gastos públicos — , e a imediata anulação das medidas privatistas do governo atual.

Prefeito de Canoas por dois mandatos consecutivos, Jairo Jorge, do PDT, rejeita os termos do atual acordo de adesão ao RRF. No plano de governo, explica que para chegar ao equilíbrio financeiro no estado, é necessário “reduzir déficits operacionais e aumentar a capacidade de investimento, passando por ajustes na receita, combate à sonegação e justiça fiscal”. Para o crescimento de arrecadação e investimentos na gestão da receita, o caminho apontado pelo candidato é diminuir a burocracia e os impostos, além de também buscar recursos com o governo federal. Contrário a privatizações, o pedetista quer tornar as estatais mais lucrativas e eficientes.

Dívida, salários e o colapso

Em agosto de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar que suspende o pagamento da dívida gaúcha com a União. Com a decisão, a administração deixou de pagar R$ 280 milhões por mês. O valor vem auxiliando no pagamento da folha de servidores públicos estaduais.

Desde 11 de setembro deste ano, José Ivo Sartori aguarda a assinatura de um acordo prévio de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal junto ao governo federal. A cúpula do governo estadual afirma que com uma possível queda da liminar e a volta do pagamento mensal da dívida, o estado entraria em colapso.

Em seus planos de governo, Leite e Sartori, empatados na liderança das pesquisas, não mencionam o parcelamento de salários do funcionalismo. O atual governador, inclusive, utiliza em sua campanha o slogan “o gringo tá certo”, evidenciando acreditar que as medidas até aqui tomadas estão corretas. O candidato do PT, Miguel Rossetto, é o único que coloca como uma prioridade o pagamento da folha em dia em seu projeto, embora não especifique concretamente como o fará. Jairo Jorge também não cita os vencimentos do funcionalismo em seu plano, mas assegura ser possível ajustar o pagamento da mesma forma que realizou como prefeito em Canoas.

Pontos e contrapontos ao RRF

A atual administração do estado entende que o acordo “não é o melhor negócio”, mas se mostra a mais viável para amenizar a crise. Os custos de juro e correção da dívida, nas contas do Piratini, serão menores do que os cobrados pelo uso dos depósitos judiciais, calculados em torno de R$ 960 milhões por ano (referentes ao exercício de 2017). Esses valores, com a adesão ao RFF, deixarão de ser pagos por três anos (prorrogáveis por mais três). Contudo, eles não serão perdoados. No futuro, precisarão ser quitados, porém, ao final deste período o valor suspenso será maior devido ao acúmulo de juros e correção — montante que, segundo a Secretaria da Fazenda, chega a R$ 1 bilhão.

A possibilidade do estado conseguir novos empréstimos previstos pelo RRF, que acabarão aumentando a dívida com instituições financeiras, é apontada como um tópico negativo por aqueles que se opõem à adesão. As contrapartidas exigidas também são consideradas excessivas, uma vez que o regime, como explicitado pelo próprio governo, não solucionará a crise definitivamente.

*Consulte a pesquisa Ibope (BR-01567/2018).

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