Paulo Germano: os receios, certezas e críticas sobre o panorama político brasileiro

Guilherme Telmo
Política e Economia
9 min readDec 4, 2018

Jornalista e colunista de Zero Hora avalia os possíveis desdobramentos do futuro governo Bolsonaro e critica a arbitrariedade da esquerda: “não souberam ouvir as pessoas.”

Jornalista Paulo Germano em redação de GAÚCHAZH/arquivo pessoal

Por Guilherme Telmo

Presenciamos uma renovação na configuração do congresso nacional após as últimas eleições, principalmente no surgimento forte do PSL, partido que pegou carona na “tsunami” Bolsonaro. A que você atribui esse resultado?

PG: O fator mais evidente, e isso já foi repetido várias vezes antes e depois da e eleição, é de que a sociedade deu sinais de esgotamento com a classe política tradicional que estava atuando. Podemos pegar exemplos de grandes nomes como Romero Jucá e Eunício de Oliveira, que não se elegeram, e esse cenário fica bastante claro. Em paralelo a isso, me parece que existe um crescimento de uma parcela da sociedade mais conservadora, que não se sentia incluída no debate político público, de um modo geral. Nesses 14 anos de governos de esquerda, essas pessoas se sentiram a margem dos debates que eram promovidos no país, pelo “politicamente correto”, que teve uma contribuição importante para a sociedade, como um aumento aos diretos das chamadas minorias (negros, mulheres, homossexuais), mas também teve o seu lado arbitrário onde não se ouvia as opiniões das pessoas, e a pior coisa que pode existir é não saber o que as pessoas estão pensando. Esse fator teve fundamental importância nessa ascensão da direita mais conservadora no Brasil.

Qual a importância de uma liderança como o Bolsonaro nesse processo?

Muito grande. A partir do momento que uma liderança política como o Bolsonaro passa a enfrentar esse politicamente correto, com falas contundentes, como a de que as minorias devem se curvar as maiorias, a parcela da sociedade que não se sentia representada no debate político do país passa a se empoderar. Isso fica evidente também na atual disposição do congresso nacional e na Assembleia Legislativa do estado, onde muitos deputados foram eleitos única e exclusivamente pelo efeito Bolsonaro. Antes, muitos tinham votações inexpressivas, como era o caso do Bibo Nunes (apresentador de TV e deputado estadual eleito para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul), por exemplo. Justamente porque essa fatia do eleitorado brasileiro enxergou nessas pessoas representantes de um discurso não relacionado a essa hegemonia do politicamente correto e da esquerda que havia no Brasil.

Não é perigoso, na atual conjuntura social e política brasileira, utilizar termos como “fascista” e “nazista”para se dirigir aos eleitores do Bolsonaro? Uma expressiva parcela da população votou nele. Seria possível estabelecer uma divisão entre o seu eleitorado, entre os que realmente têm um viés mais autoritário, e aos que simplesmente cansaram da classe politica e seus deslizes?

É ridículo chamarmos as pessoas de fascistas, nazistas e comunistas, a não ser que elas se enquadrem em uma “caixinha” ideológica muito restrita. Não é razoável taxar 60% do eleitorado brasileiro de fascista. Fazer isso é não querer entender o que está acontecendo. Tenho absoluta certeza de que grande parte de quem votou no Bolsonaro não concorda com as suas declarações abjetas em relação a negros, mulheres e homossexuais. Foi feita uma escolha, e nessa escolha, essas declarações pesaram menos na balança do que outros fatores, como os escândalos de corrupção que foram fortemente associados ao PT, por exemplo, além da falta de representatividade que essas pessoas sentiam com os políticos do partido.

Qual seria, então, o principal erro dos partidos de esquerda e em especial do Partido dos Trabalhadores (PT) que contribui para a ascensão dessa direita mais conservadora no Brasil?

A classe média, que é uma parcela bastante considerável da população brasileira, estava muito ressentida com o PT. O partido passou a demonizar essas pessoas, a partir do primeiro governo do Lula. Segundo eles, a classe média seria a principal causadora dos problemas nacionais, além de não gostar de pobres, de operários, de negros… O PT criou a narrativa de que era perseguido por ser um partido de massa, e se colocou em um lado antagônico com a classe média. A partir do momento em que um político baseia praticamente todo o seu discurso sendo contrários a essas figuras, as pessoas naturalmente se sentem representadas. “Finalmente existe alguém que quer tirar esses caras do poder, finalmente nós seremos ouvidos de acordo com os nossos reais interesses…” Foi certamente esse o pensamento de boa parte do eleitorado brasileiro que possui uma forte rejeição ao PT e sua hegemonia nesses anos. Portanto, o principal erro do partido, na minha avaliação, foi não ter dado voz a essa camada da sociedade, fazendo com que o partido fosse apontado como a única solução possível para o país, o que se provou um erro do PT, no ponto de vista estratégico, muito grande.

A esquerda e o eleitorado do chamado “campo progressista” enfatizaram durante todo o período eleitoral que eleger Bolsonaro era um “risco a democracia”. Você acha que existe razões para preocupação de fato ou boa parte do discurso do presidente eleito não vai se traduzir na prática a partir do início do mandato?

Não acho que o Bolsonaro irá dar um golpe, embora eu acredite que ele tenha sim ímpetos autoritários. De qualquer forma, nós temos no Brasil instituições relativamente estabelecidas que podem combater eventuais desmandos e ações autoritárias, se elas acontecerem. A partir disso, eu acredito que algumas bandeiras de campanha dele vão sair do papel, ou pelo menos serão propostas, logo no começo do governo. O que me preocupa, pois são temas que dividem bastante a sociedade, que já vem extremamente polarizada, desde as Jornadas de Junho de 2013. Falo por exemplo da escola sem partido, autorização para o policiais matarem em serviço, entre outros projetos que foram amplamente debatidos nos últimos anos e devem ganhar ainda mais força agora. Algumas pessoas podem dizer que esses não assuntos importantes, que o mais importante para a pauto do Brasil é a economia. De fato isso pode ser verdade, mas não deixam de ser temas que mexem diretamente com as pessoas e mobilizam movimentos sociais, tantos os de esquerda, como os de direita, uma novidade recente do país. Esse acirramento dos ânimos é o que me preocupa mais a respeito do futuro governo Bolsonaro.

E a respeito das declarações polêmicas de Bolsonaro? Eles tendem a arrefecer, agora ocupando um cargo de tamanha importância? Nós podemos constatar uma figura com falas mais comedidas depois dos resultados das eleições. O que tu pensas sobre isso?

Acredito que sim, e que ele realmente tenha se mostrado mais contido depois de eleito. Aquelas excrecências que antes eram declaradas por ele tendem a diminuir ou acabar por completo. O problema é que o Bolsonaro tem uma capacidade muito grande de empoderar “imbecis”. Me parece muito curioso isso. E esse é o medo maior em um futuro governo dele. Durante o processo eleitoral, era corriqueiro ver nos jornais e na televisão pessoas sendo agredidas ao declararem apoio contrário a ele. Existiram agressões do outro lado? Existiram. O próprio presidente foi acometido por um atendado muito violento. Mas, é fato que essas agressões ocorreram em menor número, e isso é incontestável. O Bolsonaro não está necessariamente estimulando o preconceito e a estupidez, a descriminação. Mas pouco importa que ele não esteja dizendo isso expressamente. A maneira como ele se portou, justamente com essas declarações ao longo da sua trajetória na vida pública, com um histórico de anos agredindo as minorias com suas falas e comportamentos fazem com que essas pessoas se sintam no direito de reproduzir algumas dessas ações. Tenho bastante receio a respeito disso.

Lula e Bolsonaro, que são os principais personagens antagônicos recentes da política brasileira, ou ou menos eram no período pré-eleitoral, possuem uma massiva idolatria de seus apoiadores. Os dois possuem trajetórias diferentes, histórias e campos ideológicos distintos, mas tu não considera similar esse apoio irracional a essas duas figuras? Nós poderíamos afirmar que os dois se assemelham nesse aspecto?

Sem dúvida. Eu nunca havia presenciado anteriormente no Brasil tamanho servilismo e bajulação ideológica, uma obediência cega, como aconteceu nessa campanha, tanto em relação ao Bolsonaro, como em relação ao Lula. Até escrevi uma coluna a época tratando sobre esse assunto. É uma postura serviçal, de capacho mesmo, que abdica de qualquer tipo de senso crítico. É natural reconhecer virtudes em lideranças, principalmente no meio político, mas, quando elas te retiram a tua capacidade própria de pensamento, as coisas descambam para um lado bem complicado. Na verdade, se tu não tem capacidade própria de pensamento, tu apenas acaba reproduzindo um discurso pronto, maquiado, que pouco acrescenta ao debate público do país. Essa ignorância é outro fator bastante preocupante. Reiterando que, é saudável refletir, reconsiderar certos aspectos, e se sentir representados por figuras dessa importância, Todos os seres humanos possuem seus mestres e mentores, mas a partir do momento em que eu reproduzo fielmente todos os pessoas e falas dessas pessoas, eu perco a minha capacidade crítica. A impressão que eu tenho é que tanto os seguidores do Lula, tanto os do Bolsonaro entraram em uma greve de personalidade, e estão terceirizando seus pensamentos. Não existe mais debate. Existe apenas a verdade dita por essas duas lideranças, e nada mais.

Depois de 14 anos da esquerda no poder do Brasil, podemos afirmar que chegou a vez da direita se consolidar durante os próximos anos, ou ainda é cedo para fazer esse tipo de avaliação?

Eu acho que ainda é cedo para fazer qualquer tipo de prognóstico, mas, a partir de uma perspectiva histórica, podemos constatar que a política brasileira é feita de ciclos. A partir da redemocratização tivemos a ascensão da chamada direita neoliberal, com um viés um pouco mais privatista, na figura do Fernando Henrique Cardoso, e antes dele, já tivemos governos que eram considerados de centro, como os casos de Collor, Sarney e Itamar, e recentemente, tivemos a passagem do PT na presidência da república. O que podemos observas nesse processo é de que, a América do Sul parece se mover junta em muitos momentos. Quando Lula foi eleito presidente, a América do Sul tinha governos mais a esquerda em diversos países, como na Bolívia, Colômbia, Equador, e principalmente na Venezuela, tão comentada e debatida até hoje. Na atual conjuntura, me parece que as coisas já estão mudando um pouco de figura no continente, e isso me parece refletir no Brasil. A Argentina, por exemplo, na figura do presidente Maurício Macri, se parece bem mais com o discurso do Bolsonaro, principalmente no ponto de vista econômico. Mas, nesse caso, acho que o crescimento da direita não se restringe a América do Sul. É um fenômeno mundial. Uma direita menos liberal e mais conservadora, autoritária, a chamada extrema direita. O que nós vamos ter que observar de perto é de que essa onda da extrema direita pelo mundo é a primeira num sistema majoritariamente democrático, e a impressão que dá é que muitas pessoas, no Brasil e no mundo, cansaram da democracia. Que democracia é essa que permite que mais de 60 mil homicídios por ano no país?(62.517 mortes violentas em 2016, segundo o último estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Que democracia é essa onde não se tem saneamento básico em muitos municípios brasileiros? Certamente, essas e outras perguntas permeiam a cabeça das pessoas, e a impressão que eu tenho é de que elas querem um governo forte, mais impetuoso, que seja mais protetor para com a sociedade. As pessoas parecem não entender muito que grande vantagem existe em se viver em um regime democrático. É certamente um dos fatores que explica esse crescimento da direita no Brasil, atrelado a outras questões de ordem global. Como isso é relativamente novo, é difícil dizer se a direita vai se perpetuar no poder. Os resultados do governo certamente serão determinantes para isso. Mas acredito que seja um ciclo, e as pessoas optarem por passar por esse momento, que até então era inédito na nossa democracia.

Memorial

Em uma segunda-feira, as 11h, na redação integrada de Zero Hora e da Rádio Gáucha, na conhecidíssima Av Ipiranga, esquina com a Érico Veríssimo, estava pronto para começar a entrevista com o jornalista Paulo Germano. Com 36 anos, Paulo é uma das principais vozes do jornalismo gaúcho. Sempre com opiniões contundentes, ele faz questão de não ficar em cima do muro em questões polêmicas e que geram debates acalorados. Durante o período eleitoral, escreveu diversas colunas a respeito do momento conturbado que atravessa a política brasileira, e em todos elas, críticas e xingamentos toscos e rasos foram dirigidos a ele, de ambos os lados. No entanto, ele não arrefeceu e continuou, sabendo o ambiente polarizado em que as discussões se encontram atualmente no Brasil. A conversa transcorreu tranquilamente, e durou cerca de 40 minutos. Paulo faz questão de elucidar todos os questionamentos calmamente, e suas opiniões e explicações bastante completas certamente proporcionaram uma experiência bastante enriquecedora. Ao término, ele fez questão de se mostrar disponível para um novo encontro, caso houvesse necessidade. Sua disponibilidade e atenção foram fundamentais, em todo o processo de realização dessa entrevista.

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