Sistema Carcerário: Diferentes governos, a mesma problemática

Kizzy Morais
Política e Economia
8 min readOct 9, 2018
Da esquerda para a direita estão, Aline Kerber, Paulo Grilho, Mc Rafa Rafuagi e Melina Risso. / Créditos: Brunna Oliveira

O problema estagnado por trás das grades continua em pauta nos planos dos candidatos a governador do Rio Grande do Sul. Entretanto, as dúvidas seguem as mesmas: Quais as melhorias propostas e de que forma os apenados serão tratados? Até o momento o que conhecemos são apenas promessas, se serão concretizadas, já é uma incógnita.

Por: Brunna Oliveira, Mariana Paz, Matheus Dias e Kizzy Morais

Se lhe perguntassem agora, qual a história do Rio Grande do Sul, como chegamos neste ponto tão crucial, onde há um grande divisor de águas e opiniões. Você saberia responder? Ou melhor, vamos a um questionamento ainda mais próximo da realidade de mais da metade da população gaúcha: Quais os motivos que levam um jovem de origem humilde a ter menos condições do que os outros? Muitas perguntas, poucas respostas.

Voltemos um pouco no tempo para o século XVII, quando o conceito atual de prisão começou a ser conhecido com a reforma do Direito Penal e a “humanização das penas”. Até o momento, a única forma de punição conhecida e exercida pelo Estado, era a tortura.

Todos aqueles que desobedeciam a lei, eram punidos de forma cruel. Pena de morte, desmembramento, tortura e outros tipos de violência faziam parte do sistema vigente. Entretanto com a reforma, a principal punição passou a ser a restrição da liberdade.

A realidade prisional brasileira era precária, não havia estruturas humanas para receber os presos, assim como preparo. E outro tipo de prisão começou a ser exercida, o novo sistema prisional agora não cometia mais torturas carnais porém as celas não tinham vagas suficientes, nem condições básicas de receber os encarcerados e a superlotação se tornava um problema sem solução.

Somente em 1920, com a inauguração da Penitenciária do Estado, o Poder Público demonstrou preocupação em relação às condições do setor. Construída com o intuito de atender às necessidades dos apenados e do Código Penal 1890, se instalou uma expectativa positiva quanto a regeneração.

Atualmente dentro de diversas comunidades carentes existem projetos sociais que lutam por um futuro melhor para os jovens. A representação de um ser digno, que batalha dia a dia para aqueles que estão em fase de crescimento, é algo fundamental. Muitos jovens encontram na música o seu refúgio. “O hip-hop hoje é a maior ferramenta de diálogo”, afirma o produtor musical e cultural, promotor da cultura da paz, Rafa Rafuagi.

O “depósito de gente” em números

“Escola vazia, presídio lotado”, canta o grupo de rap Inquérito que expressa uma crítica sobre a forma como o sistema penitenciário brasileiro é conduzido. Essa é a realidade e o futuro mais provável para milhares de jovens periféricos, que, de forma injusta, são impedidos de ter acesso a uma educação de qualidade e digna.

Em debate promovido pelo Instituto Fidedigna, Instituto Igarapé e Zahar para o lançamento do livro de Illona Szabó e Melina Risso, “Segurança Pública para Virar o Jogo”, tivemos a chance de acompanhar a conversa entre convidados e público.

Para a socióloga e especialista em segurança pública, Aline Kerber, a segurança pública mostra a desigualdade em que vivemos. É possível vermos o reflexo deste cenário nos dados do Departamento de Segurança e Execução Penal — Susepe, no qual mostram que no sistema carcerário do Rio Grande do Sul há atualmente 40.362 presos, sendo 38.562 homens e 2.037 mulheres. Embora tenha capacidade para receber apenas 23.821 apenados.

Melina conta que a grande maioria dos encarcerados não possui o ensino médio completo. E, conforme dados da Susepe, o índice de escolaridade dos detentos se encontra em um nível baixíssimo, onde 4,1% são analfabetos e 13,3% estudaram até o ensino fundamental. O número dos que possuem ensino superior é ainda menor: 0,9% não concluíram a graduação e apenas 0,4% finalizaram o curso.

Considerado durante anos a pior penitenciária do Brasil e da América Latina, a Cadeia Pública de Porto Alegre, mais conhecida como Presídio Central, conta com uma área de 25 mil metros quadrados, aproximadamente 3,5 campos de futebol.

Sua capacidade é de até 1,9 mil presos, entretanto abriga 4,7 mil. Isso tudo resulta em uma superlotação de 250%. Estes estão separados em 11 galerias, sendo 10 delas dominadas por facções.

Entretanto se pararmos para uma reflexão sobre como chegamos a esse ponto, é necessário afunilar as questões e mudar o sistema de dentro para fora. “Usamos tratamento de quimioterapia para gripe. Só existe uma forma de combater. É preciso que outro modelo possa ser pensado e que a gente não use o que chamamos de depósito de gente”, completa Melina.

Segundo relatório realizado pela Organização Mundial da Saúde, o Brasil alcançou a sétima posição no ranking de países com a maior taxa de homicídios das Américas. Com um indicador de 31,3 mortes para cada 100 mil habitantes, o que confirma o cenário do país. A autora ainda finalizou dizendo que “A gente precisa compreender que não somos uma sociedade pacífica, o “brasileiro cordial”. Nós resolvemos nossos problemas com violência.”

Propostas para definir em quem se aposta

Ano de eleição é sempre a mesma coisa: discurso daqui, promessa dali… e cabe à nós estudarmos e avaliarmos qual proposta de governo mais se encaixa com o nosso perfil a partir de nossas crenças e ideologias.

Nota- se diariamente, que o nosso estado vive uma grande crise que afeta, também, o sistema carcerário do RS. Em 2018, quiçá, está ocorrendo a eleição mais marcante em 30 anos.

No segundo turno, para Governador do estado do Rio Grande do Sul, temos o candidato à reeleição, José Ivo Sartori, que disputa com o novato Eduardo Leite. Ambos apresentam seus planos de governo com soluções à questão peniten ciária. Entretanto, sabemos que na prática nem tudo é tão fácil.

Candidato a governador do Estado pelo MDB, José Ivo Sartori. / Reprodução: Arquivo pessoal

José Ivo Sartori governou o estado do Rio Grande do Sul por quatro anos. Sua gestão foi um tanto quanto questionável: o atraso no pagamento de salários dos servidores prejudicou muito sua imagem.

No seu plano de governo de 2014, ele falou pouco sobre o sistema carcerário. Zerar o déficit de vagas prisionais e reinserção social e produtiva foram as duas propostas trazidas por ele. Mas será que o atual do candidato do MDB conseguiu cumprir o que dizia na sua proposta de mandato?

Após pesquisarmos sobre o assunto, notamos que as duas soluções para o sistema penitenciário e apenados andaram, mas não foram concluídas.

O governo de Sartori duplicou, em 2018, o número de vagas oferecidas aos egressos da Fase no Programa de Oportunidades e Direitos (POD Socioeducativo). A quantidade de vagas disponíveis pulou de 180 para 383. Os jovens, de 12 a 21 anos, recebem acompanhamento individual e participam de diversas oficinas para prevenir a violência e combate a reincidência infracional. Não há nada concreto para os demais (ex) apenados acima de 21 anos.

O déficit de vagas prisionais no estado era de 8 mil. A proposta de Sartori em 2014 era de zerar esse número. Porém, em quatro anos de governo, ele abriu apenas 2.800 vagas, com o Pecan (Complexo Penitenciário de Canoas). Ainda há dois presídios em construção através de permuta de imóveis que, segundo o atual governo, abrirá 836 vagas.

Na proposta de governo para reeleição, Sartori aborda um pouco mais o tema sistema carcerário e traz novas e mais amplas soluções. Separamos em tópicos as principais propostas do candidato do MDB.

- Dar continuidade aos investimentos para o aumento de vagas no sistema penitenciário, com a construção, a reforma e a ampliação de unidades prisionais;

- Ampliar a utilização de tornozeleiras eletrônicas, de modo a desafogar a superpopulação dos presídios;

- Ampliar os programas e ações de reinserção de ex-apenados no mercado de trabalho, mediante um sistema de incentivos à empregabilidade, à capacitação profissional e à formação educacional dos apenados;

- Investir no tratamento penal, trabalho, saúde, educação e religiosidade como instrumentos de reinclusão social;

- E fomentar a implantação do método Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) como alternativa penal no interior do Estado, como forma de desafogar o sistema prisional e possibilitar melhores condições de reinserção social por parte dos apenados.

Candidato a governador do Estado pelo PSDB, Eduardo Leite. / Reprodução: Arquivo pessoal.

No outro lado da disputa, temos Eduardo Leite, que já foi prefeito de Pelotas e é uma cara “nova” na política do estado. Como prefeito, ele diz ter ajudado na evolução pelotense em todos os seus âmbitos (educação, economia, saúde, etc). Todavia, seu mandado na prefeitura de Pelotas esteve envolvido em um escândalo de fraudes em exames de câncer no colo do útero.

O candidato do PSDB segue a mesma linha de Sartori em sua primeira candidatura: pouco falou sobre o sistema carcerário e a reinserção do ex apenado. Em entrevista à Folha de Torres (RS), Eduardo Leite diz que o remanejo de líderes de facções para outras unidades penitenciárias (visando desestruturar as mesmas) e o controle do uso de celulares na cadeia são medidas necessárias a serem tomadas.

Além disso, o candidato disse que a Parceria Público-Privado (PPPs) deve estar no foco para a construção de novas unidades prisionais, buscando diminuir o déficit de vagas.

Assim como o outro candidato, separamos em tópicos as principais propostas do programa de governo de Eduardo Leite para a questão penitenciária.

- Empreender esforços para a redução significativa do déficit de vagas do Sistema Prisional, criando novas vagas, em estabelecimentos modernos e adequados para o cumprimento das penas;

- Fortalecer o controle interno dos estabelecimentos prisionais, reprimindo as “facções criminosas”.

- Oportunizar a reinserção social dos apenados e dos egressos, por meio de programas específicos de inclusão social.

- E instituir e implementar um sistema eficiente de acompanhamento e controle dos regimes semiaberto e aberto, visando a redução dos índices de reincidência criminal.

Para o doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Eduardo Pazinato, a melhora no quesito segurança pública e carcerária durante o governo Sartori, não é um feito deste mandato e que assim como as condições têm melhorado de um lado, têm piorado de outro. “O Governo Sartori segue a mesma política efetiva ou inefetiva do governo anterior em relação a segurança”, afirma Pazinato.

Porém, o pesquisador diz que teve uma pequena redução dos crimes no começo de 2016, e explica que a questão da segurança, no atual governo é um contraponto já que na mesma proporção em que foram investidas em medidas de segurança, o índice de criminalidade cresce.

Para explicar este aumento, o também advogado, cita a circulação ilegal de arma de fogo como artefato principal, o que acaba potencializando a violência praticada, e o que antes eram atritos interpessoais, hoje se torna um crime organizado que lidera as manchetes dos jornais com violência no estado. Pazinato diz ainda que esse quadro precisa ser revertido. ”Nós temos, na verdade, um discurso de ausências na área de segurança”.

Com a chegada do segundo turno das eleições, Pazinato reflete sobre a importância da melhora neste setor que é fundamental para a sociedade. “Diferentes governos, diferentes bandeiras, lamentavelmente acabaram não conseguindo fazer frente no Rio grande do Sul na questão de segurança, essa ainda é uma pauta sem avanços que precisa ter devida importância”.

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