Sofia Cavedon e a luta pela educação pública de qualidade

Gabriela Soares
Política e Economia
12 min readNov 27, 2018

A vereadora faz da política um instrumento de empoderamento popular, de inclusão e cuidado com a vida

Vereadora de Porto Alegre aos 55 anos, Sofia Cavedon foi eleita como Deputada Estadual nas eleições de 2018 | Foto: Josiele Silva/CMPA

— Gabriela Soares

Líder da Oposição na Câmara Municipal de Porto Alegre, Sofia Cavedon foi professora, sindicalista, secretária de Educação e presidente da Câmara Municipal, em 2015. No seu quinto mandato de vereadora de Porto Alegre pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleita para deputada estadual, na 55ª legislatura que se inicia em 1º de fevereiro de 2019.

A parlamentar foi secretária adjunta da Educação de 1997 a 2000 e secretária Municipal de Porto Alegre na Administração Popular em 2003/2004. Atua em diversos movimentos populares, pelos direitos da criança e do adolescente, pela moradia popular, milita pela igualdade de gênero, inclusão e contra toda a forma de discriminação. Ela destaca sua luta na valorização da educação e que o maior desafio na política é retomar a esperança do brasileiro.

Como iniciou o interesse pela política?

Surgiu de um debate educacional em Porto Alegre quando eu fui aprovada em um concurso para a Prefeitura de Porto Alegre. Então, o meu interesse se deu pela mobilização da educação da defesa de uma carreira para os professores e depois, pela luta na questão salarial.

Qual o papel do vereador?

Vereador em uma cidade tem pelo menos três dimensões. Uma delas é ser um grande ouvidor da cidade. O voto da cidadania em uma eleição é escolher um prefeito, que é chamada escolha majoritária e esta pessoa fica representada no legislativo. Então, são 12 partidos, são 12 ideias diferentes. A gente escuta ambos os lados com visões diferentes.

O segundo papel, é a proposição, seja de legislação a partir desta escuta e desse diálogo com o governo. Também é um mediador com o orçamento, onde vai se aplicar a riqueza coletiva. Essa mediação é feita representando as diferenças na sociedade, vai ser através de um votação, em uma iniciativa de lei ou em uma iniciativa de indicação.

E uma terceira dimensão muito importante, é a fiscalização do executivo. Nós temos um papel de aprovar aqui as contas de prefeitura, de verificar se os recursos são bem utilizados, de verificar se há cumprimento da legislação por parte do executivo municipal. Então, tem esse papel do cumprimento da legislação e da vontade de população.

Como foi concebido o projeto de lei que inclui o dia mundial contra o trabalho infantil?

Eu fui a única vereadora que se dispôs a compor o Comitê Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, representando o legislativo municipal. Eu comecei a me aproximar mais do tema e me dei de conta que nós temos no dia 12 de junho um dia tão significativo, dia dos namorados, dia do amor e dia do cuidado. No RS, 177 mil crianças entre 5 e 17 anos, já pré-adolescentes, estão no trabalho infantil. Portanto, o RS é o terceiro estado do país com maior número.

Além disso, o trabalho infantil abre portas para a violência, exploração sexual, a degradação na qualidade de vida, principalmente ao direito à educação, direito a uma infância saudável e feliz. O bolsa família fez muita diferença. Na verdade, o bolsa família tem o cadastro nacional das famílias que estão dentro da proteção social. Tem que ser informado mensalmente a frequência da criança na escola para família poder continuar recebendo. Isso tirou muita criança do trabalho infantil e da rua. O comitê, do dia 12, é para que a gente articule ação integrada. Todos os órgão da prefeitura tem algum papel na prevenção do trabalho infantil.

Qual a tua opinião sobre a atual conjuntura do governo municipal de Porto Alegre?

Pra mim, esse governo está de costas para a cidade real. Surgiu com uma ideia de que o estado era grande, que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre era onerosa, tinha muitos funcionários, que dava pra privatizar e que tinha que retirar direitos de carreira. O prefeito, Nelson Marchezan Júnior, no início da sua gestão, extinguiu um decreto que regulamentava a rotina escolar dos nossos professores. O prefeito está de costas, desconhece e desrespeita a caminhada participativa de Porto Alegre.

Ele está retirando direitos ou tentando conceder, por exemplo, a gestão da água ou querendo vender a Carris. A Carris é um patrimônio histórico nosso, uma conquista nossa. Ela já foi premiada três anos seguidos como a melhor empresa do Brasil. O prefeito não apresenta nada de novo para sair da crise econômica. Ele não faz e não deixa fazer. A cidade só é bem servida quando o gestor sabe escutar e sabe propor coisas novas a partir desta escuta. E nós não temos isso.

Aproveitando então, tua opinião sobre o parcelamento dos salários?

O parcelamento dos salários é evitável. Porto Alegre gasta 50%, no máximo 52%, da sua receita com o funcionalismo. Então, não há o que se explique que ele não pode organizar a receita de maneira para chegar no fim do mês e pagar integralmente o salário. Tanto que, a justiça entendeu que ele é obrigado a pagar. Ele não tem sido penalizado mas vai tomar multas, com certeza em um processo mais longo.

Pra mim ele tem um objetivo com o parcelamento, é continuar convencendo que a cidade está quebrada. Então, precisa que a Câmara aprove projetos, tire carreira dos municipários, reduza o regime de trabalho e aumente impostos. Isso é um desrespeito profundo com os trabalhadores. Na minha opinião, é uma ilegalidade.

Sofia foi a primeira procuradora especial da Mulher na Câmara Municipal de Porto Alegre | Foto: Divulgação

Por ser defensora da Educação Pública, qual o principal problema, hoje em dia, para ter uma educação de qualidade e igualitária?

Não tem um problema. Não existe uma solução. A escola pública é o direito de todos e todas. A idade obrigatória, recentemente, em 2016, nós passamos para 4 anos até os 16 anos. Nós criamos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Todos os parâmetros da educação que é direito de todos são muito recentes.

A gente vem desprestigiando os professores, principalmente tirando o tempo de formação dos professores. Ser professor exige um capital inicial muito grande além da técnica pedagógica. Cada criança que não aprende vem um desafio enorme pela frente, principalmente para entender porque ela não aprendeu. Temos uma única medição que é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que não é suficiente. Mesmo assim, esse único indicador vem mostrando que devagar a educação vem obtendo mais resultado e alargando.

Hoje, nós temos muito mais jovens nas salas de aulas do que tínhamos antes e aumentamos muito o número de vagas no ensino superior e o ensino médio. O desafio é chegar a 10% do produto interno bruto (PIB) investido em educação. Hoje, nós estamos com 5%. Então é dobrar os recursos em educação em dez anos. Tem muita demanda educacional para ser cumprida ainda. Se todo mundo se empenhasse a educação ia dar um salto importante.

Os professores têm sido vítimas de ataques nos últimos dias. Queria tua avaliação para a valorização dos professores.

Eu to acompanhando muito de perto. Um nível de ataque é a desautorização do professor, é a ruptura da confiança entre aluno e professor, através de movimentos como Escola sem Partido. O Escola sem Partido é acusação aos professores que eles fazem ideologização nas escolas e doutrinação. Isso não é uma questão menor, está acontecendo no país inteiro.

E a outra, é a violência física está casada também com a violência da sociedade. As políticas públicas não vem melhorando. Infelizmente não podemos dizer que o Brasil está evoluindo, encontrando fórmulas e investindo. Por exemplo, na minha opinião, temos que secar a fonte de jovens e crianças que vão entrar nos negócios do crime. A gente não consegue disputar esse jovem. Não temos políticas para ele nem política adequada para a repressão. Nosso sistema penitenciário é péssimo. Então, nós temos um sistema penitenciário que não corrige e produz mais violência, temos uma ação desintegradas das polícias e não temos ações preventivas eficaz.

Isso tudo faz com que as comunidades se relacionem de maneira violenta. Não de forma geral, porque em todas as situações onde houve pontualmente o ataque ao professor, seja de um mãe, seja de um irmão, as comunidades se levantaram em defesa da escola. Então é bem importante a gente não generalizar. A maioria da violência acontece nesse contexto, mas às resistência pela paz são muito maiores.

Então, a senhora é contra o movimento Escola sem Partido. Destacar sua opinião.

É completamente ilegal. A censura e a ruptura que ele faz da relação de confiança entre educadores e alunos. A educação é uma relação entre dois sujeitos cognoscentes, ou seja, o professor ele é o sujeito de um conhecimento, e ao mesmo tempo que ele tem que ensinar, ele tem que continuar aprendendo. Há versões na história que poderão contar a versão dos ganhadores e a versão dos perdedores. Não podemos ter a ilusão da neutralidade.

O professor tem que lidar com todas essas manifestações e ele tem que ter o direito dessa ação, mas precisa ser profundamente democrático. A escola sem partido não faz isso. Ela quer estabelecer de fora pra dentro. Inclusive o nome é incorreto. Nos debates políticos eles dizem que os professores fazem campanhas partidários, e isso não é verdade. Os professores, no máximo, vão responder, no recreio ou em um intervalo, o que o aluno quer saber sobre o seu partido. Eles vão expressar posicionamentos.

O que eu tenho visto dentro das escolas lidando com manifestações após as eleições, tem sido exemplar. Todas as escolas lidaram bem com as diferentes manifestações, não permitiram confronto e lidaram pedagogicamente.

Tua opinião sobre filmar professores na aula de aula, supostamente doutrinando alunos.

Eu acho que filmar aulas tem que ser um acordo mútuo entre professores e alunos. Combinado. Agora a ideia de filmar a sala de aula para fiscalização, eu acho absurda. Acho que é retirar totalmente a confiança do profissional da educação e pressupor que os alunos não têm pensamento próprio, não têm condições de pensar e não têm condições de se colocar de maneira diferente. Não acredito que os nossos alunos são folha em branco. Eles trazem uma condição de sujeito, uma cultura desde pequeno. O ser humano sabe se manifestar.

Imagina tu fazer um processo de educação onde o aluno aprende que o professor tem que ser vigiado. Ele nunca vai construir heteronomia, ou seja, tomar postura sem controle, de fora para dentro.

Vereadora atua pela igualdade de gênero | Foto: Divulgação

Segundo o próprio presidente Bolsonaro: “A família ensina sexualidade, a escola não trata disso”. Qual tua opinião sobre essa declaração?

Com a questão da declaração é algo que eu acho uma aberração. As questões de sexualidade vão aparecer na escola, no diálogo dos estudantes. Isso é um tema a ser discutido sim. Bom, se a família tem divergência da questão tratada na escola, é preciso garantir a democracia dentro da escola. A família tem que ter um espaço pra discutir e expressar isso. A escola tem que modular e respeitar se for algo que fere as questões religiosos e morais de determinada família.

Tenho que destacar que isso é um processo político pedagógico, nós não nascemos democráticos ou não nascemos autoritários. Não nascemos preconceituosos, machistas nem racistas. Nós nos tornamos. A escola é um lugar da construção do humano, um processo de aprendizagem, individual, de desenvolvimento, de construção de si e do mundo. Precisamos experimentar a democracia para construir sujeitos democráticos. Eu tenho um projeto de lei contra o machismo.

Nós vamos trabalhar o tema do machismo dentro da escola com alunos e alunas para terem acesso às mesmas experiências, meninos e meninas.

Tua opinião sobre o novo presidente.

Pra mim, o Bolsonaro é um representante do estado ultra neoliberal, ou seja, um capitalismo aprofundando a sua extração da mais valia, extração da força do trabalho, abocanhando fatias do que é a riqueza pública para a exploração privada. Como foi as vendas da Petrobrás por valores baixíssimos, abrir mão da soberania energética e ainda isentando as petrolinas de impostos para favorecer a venda.

Ele apresentou durante a campanha uma armadura do conservadorismo, do machismo, do preconceito e da LGBTfobia. É a pior combinação que nós podíamos ter para o Brasil. Ele terminou com o Ministério do Trabalho, então ele vai flexibilizar ainda mais, tirando o direito de quem vive do trabalho. O Brasil foi fundado em cima do autoritarismo e da violência. É um país que teve 350 anos de escravização do povo negro. É um país instalado em cima da violência e do preconceito com negro, pobre e mulheres. O Bolsonaro representa a política contrária dos avanços que precisamos.

Qual sua visão sobre a participação das mulheres do cenário político?

É simplesmente necessário. Está muito longe de ser garantido, exatamente por ser espaço político. É o reflexo do sexismo da nossa sociedade. Esse sexismo é produzido pelas famílias, pelas religiões e propaganda. Desde as mais sutis até as mais grosseiras. As mais grosseiras é uma legislação que existe para cercear comportamentos de mulher, sobre o seu corpo. Não existe legislação em que o homem não pode fazer isso e aquilo com o corpo. Inclusive, a legislação que diz que a mulher não pode tomar uma pílula no dia seguinte. A história da mulher é como se ela fosse um objeto a ser regrado. Mesmo saindo para o emprego, para o espaço de trabalho público, ela somou responsabilidades majoritariamente. Isso tira a mulher da participação do espaço político.

Eu sou uma deputada da minha bancada, sou eleita em 8 deputados. Hoje nós somos 4 vereadoras em 36. Isso é por que a mulher não quer? Não, isso é porque a mulher é induzida, pressionada e cobrada. Quando um filho não vai bem na escola, é responsabilidade da mãe, quando um filho está mal vestido, é responsabilidade da mãe. Essa é uma pressão histórica, da forma como a sociedade olha para o homem e coloca outro papel. Faz com que o homem não se sinta digno se ele está limpando um banheiro e perdendo tempo cuidando de filho.

O espaço público ele é duro, ele é machista e violento. Se cria uma ideia de que a mulher não está preparada para isso. Nós, que estamos neste espaço, temos que furar esta bolha e temos que ser exemplo. Temos que criar estratégias de empoderamento para as mulheres. Por isso eu insisto muito na relação, educação e gênero.

O que deve ser prioridade em uma gestão estadual?

A falta de estímulo e de investimento com a educação estadual, vai ser um trabalho muito forte meu, que atualmente está sem condições de trabalho, sem dignidade e com salários parcelados. O meu desafio é somar e aumentar as somas de resistência a essa combinação de farsas que está representada no Bolsonaro e que se reproduz aqui no RS. Quando a gente veio ganhando governos progressistas e dobrando vagas nas universidades, conseguindo cotas raciais e cotas públicas e moradias, a gente tinha criado uma esperança de que o outro mundo era possível. No meu pequeno espaço de vereadora já faço isso.

Retornaremos a esperança do povo brasileiro para não chutar o seu voto. Fizeram uma escolha desta vez como “não acredito”, “nada muda”, “nós vamos colocar alguém radical”. Esta eleição é uma eleição da não política. Nós temos que retomar a ideia da esperança na política e na participação de todos para construir melhor.

Pensa em se candidatar a prefeita?

Essa é uma pergunta que não tenho uma resposta para dar agora. Eu pretendo primeiro instalar um mandato forte, muito presente e participativo. Pretendemos que tenha uma frente de esquerda, que melhor vai conseguir potencializar essa mudança. Então, não poderei dizer que o meu nome não estará futuramente, mas a prioridade agora é fazer um grande mandato como deputada.

Entrevista realizada no gabinete da vereadora, na Câmara Municipal de Porto Alegre no dia 13 de novembro | Foto: Larissa Mascolo

Memorial

Essa foi minha primeira experiência em entrevistar uma personalidade importante na política e com um papel tão significativo na sociedade. Procurei me informar o máximo sobre a vereadora e principalmente saber quais são as suas lutas e os seus ideais.

Desde que entrei em contato com sua assessora de comunicação, Rozane Dalsasso, a fonte mostrou-se interessada em me conceder esta entrevista. A Larissa Mascolo, minha colega me acompanhou e foi a responsável pela filmagem. Tivemos uma ótima receptividade, conhecemos o gabinete da vereadora e mais sobre sua rotina.

A entrevista durou cerca de uma hora. Por ser a minha primeira entrevista filmada, fiquei muito nervosa. Entretanto, Sofia Cavedon demonstrou muito amor pelo que faz e sinceridade em todas as respostas. Ela faz com que as pessoas voltem a acreditar de novo na política, como deixa destacado em uma de suas respostas. Inclusive, a minha esperança.

Entrevista produzida na disciplina Gestão da Informação: Política e Economia do curso de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) — Campus Fapa. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte.

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