Teia se constrói em conjunto

Jennyfer Siqueira
Política e Economia
4 min readNov 27, 2018

Painel reúne jornalistas para debater a realidade negra na comunicação

O evento foi a primeira ação do coletivo Afrofapa | Foto: Jennyfer Siqueira

Por Jennyfer Siqueira.

A primeira linha da rede se ligou. Em busca de formar novas ligações na teia do mercado de trabalho da comunicação, o evento “Se a comunicação fosse negra?”, realizado na noite de quarta-feira (21), foi mais um passo para o desenvolvimento de uma rede de contatos composta por profissionais negros.

O painel foi a primeira realização do coletivo Afrofapa formado por estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (FACS) da UniRitter. Debater a comunicação especificamente para a comunidade negra incentivou a quebra de paradigmas dos próprios organizadores por esse não ser um tema que seja tratado no cotidiano. Foram convidados para a mesa três especialistas da área. O jornalista e idealizador do grupo Mil Tons, Airan Albino. A jornalista e editora-geral da Editora Figura de Linguagem, Fernanda Bastos. E o pesquisador e professor, Deivison Campos, doutor em Ciências da Comunicação.

“Em tempos de regressões políticas e sociais, organizar um evento que promova a discussão sobre essas pautas abre espaços para que, em um futuro próximo, faça a diferença nos valores “quebrados” que nossa sociedade nutre”, afirma Ariel Freitas, um dos produtores do painel.

Nos intervalos, Ariel, Luka Pumes e Matheus Dias foram convidados a apresentar seus ‘Slams’, poemas recitados sem acompanhamento musical. Os versos traziam os dramas da realidade periférica negra que tenta se posicionar na sociedade. Essa ideia de apagamento cultural é trazida na fala de abertura da mesa conduzida pelo historiador. Além de pesquisador, Campos coordena o curso de Comunicação da ULBRA e o Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena da faculdade. Para ele, a comunicação só será negra se junto com ela houver uma mudança de cultura. “É preciso pensar por dentro”, ele diz.

A mudança no discurso nacional, que engatinha em tornar mais inclusiva as minorias, é vista como oportunidade de criar estratégias por ele de se reposicionar no mercado e mostrar que o estereótipo negro vai além da periferia. Campos exemplifica a questão com no tema deste ano do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Pela primeira vez em 41 anos, o congresso aborda as desigualdades e gênero. Atualmente, o Brasil o país possui o 9º pior valor do mundo no Índice de Gini, estudo que mede nível de desigualdade entre as classes sociais.

“Então, se o campo não está interessado em pensar as diferenças a gente vai entender como é a nossa mídia”,analisa o professor.Para pensar em como o negro se insere na comunicação é preciso adotar o modo propositivo. Através de debate, repensando a estrutura social e elaborando estratégias para inclusão. É o que pensa o editor do Nonada Jornalismo Travessia, Airan, que relatou que no início de sua carreira sentiu que a profissão era um lugar em que ele não poderia estar. Durante o painel, o jornalista instigou os ouvintes a praticarem networking em rede sempre que possível. Para ele, estabelecer relações é o que abre portas no mercado e vê como essencial fazer essa teia com profissionais comunidade negra para fortalecer o movimento. E finaliza apresentando a regra 60–30–10:

“Como é que a gente consegue estar nesses espaços já que eles nos são negados? 10% é o teu trabalho, 30% é a divulgação dele e os outros 60% são relações com as outras pessoas”, aconselha Albino.

A necessidade de realizar pontes e apostar em uma rede na comunicação negra também foi ressaltada na fala de Fernanda Bastos. Para a jornalista, a ponte não liga o discurso só as pessoas negras, mas propõe estabelecer o diálogo de forma que integre também a branca, classe média, que não entende a realidade da periferia negra.

“A gente tem uma experiência de infiltração. A gente consegue se infiltrar e fazer parte do sistema de certa forma, mas eu acho pouco. A gente tem que pensar para além disso”, ao dizer que é preciso ter em mente pelo que se está lutando.

Enquanto, os palestrantes destacavam a integração para fortalecer o discurso e estabelecer um diálogo com as outras camadas, da platéia o gestor comercial Júnior Menarosa pede licença para dar seu depoimento. Do comércio exterior, o gestor chamou a atenção para a necessidade de uma organização não somente na comunicação, não somente pensar ‘Se a comunicação fosse negra’, mas também em todas as outras áreas. Para Menarosa, atualmente, se restringe às necessidades da comunidade ao tentar entrar num mercado projetado para atingir outro grupo social.

“Como eu vou abordar o meu cliente negro com a fala negra? E se eu tivesse que vender somente para negros como eu faria? Eu tenho domínio sobre isso? Não, eu não sei fazer isso porque eu não sei como o negro fala, como o negro se organiza. Então, eu venho pra esse evento pra tentar entender sobre esse mercado”, declara.

O painel liderado pelos universitários foi descrito pelo historiador como um movimento que ensina para a faculdade sobre os temas que são importantes para eles. A descrição resume o grupo de alunos negros que, motivados pela pela ausência de discussões raciais dentro da área da comunicação, convidaram profissionais negros a fim de entender como se posicionar no mercado e levar as pautas de sua realidade para ele.

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