(minha) Trilha sonora da revolução: 2017

Carol Patrocinio
Polemiquinhas com a Carol Patrocinio
7 min readDec 11, 2017

Esse foi um ano de muito trabalho, muitas mudanças e de uma correria bem intensa. No meio de tudo isso arrumei forças na música. Um fone de ouvido e um mundo inteiro se abre dentro da gente, né?

É importante dizer que essa não é uma lista de discos lançados em 2017, melhores do ano ou algo do tipo. Aqui não existe a pretensão de falar sobre qualidade musical, descobrir novos talentos ou algo assim. Essa é uma lista dos artistas que mais ouvi esse ano e me inspiraram a seguir lutando e não desistir quando as coisas ficam tensas. É uma lista baseada em sentimentos e sensações.

Dá um play e aproveita pra ler o que tenho a dizer sobre essas pessoas incríveis, suas músicas e a maneira que eles brotam bons sentimentos em nós.

Ana Tijoux
Já falei isso mais de uma vez, mas nunca canso de repetir: se a revolução tivesse uma música tema ela teria saído do disco Vengo, da Ana Tijoux. Além de falar sobre a luta feminista, Ana nos dá aquela sensação de pertencimento latino que como brasileiras somos levadas a esquecer.

Destaque: Somos todos erroristas
Tem um trecho da música que é daqueles que nos empurram pra frente e nos fazem lembrar que temos que ocupar todos os espaços possíveis:

“No voy a pedir permiso ni pedir la palabra el que quiera escucharme bienvenido en esta sala”, em tradução livre ela diz que não vai pedir permissão nem a palavra, quem quiser escutar é bem-vindo nesta sala. Aprendizado pra vida: se a gente esperar nos darem espaço vamos esperar pra sempre.

Tássia Reis
Se eu precisasse escolher só uma palavra para definir o que a Tássia passa com suas músicas seria força. Ela tá lá, dizendo o que bem entende, do jeito que quer, com a voz que mistura força e doçura de uma maneira que poucas pessoas conseguem. Além da mensagem que passa, a imagem de Tássia é inspiradora. Foi ela uma das responsáveis por eu fazer as pazes com meu corpo e voltar a cuidar de mim. Revolução também é amar a nós mesmas.

Destaque: Se avexe não
Talvez uma das coisas mais bonitas que ouvi nos últimos anos é esse trecho: “Me permito desmoronar / Desabar todo de entristecer / Pra que seja possível curar / Me amar e me prevalecer”. A gente, tão ensinada a cuidar dos outros, precisa ouvir que nossa cura está em nós, está em olhar pra gente com mais generosidade e nos dizer baixinho, no pé do ouvido, que somos maravilhosas e merecemos coisas boas.

Xênia França
A primeira vez que ouvi o disco Xenia, que saiu esse ano, estava trabalhando em público e tive que parar a música. Meus olhos se encheram de lágrimas. Depois ouvi no carro e me permiti chorar tudo o que o disco pedia. Cada letra nos pega em lugares que a gente nem sabia que podiam doer tanto — e às vezes nem dói por nós mesmas, mas pelo mundo. Revolução é também tentar entender o que o outro sente.

Destaque: Breu
Xênia diz “outra mulher, outro fim, mesma dor” e a gente sabe do que ela tá falando. A gente sente em cada pedacinho da gente. Porque é ali, na dor, que a gente se reconhece na outra. É no medo, no desespero, nas inseguranças. A gente ainda tá aprendendo a se encontrar nas forças e alegrias, mas por enquanto o importante é nos encontrarmos.

Destaque extra: Garganta, com Roberta Estrela D’Álva
Há muitos anos resolvi estudar spoken word. Eu queria fazer um documentário sobre a importância da tradição oral, das histórias contadas, da troca que acontece quando a voz é acompanhada do olhar, das expressões. Uma das entrevistadas foi Roberta e dali pra frente o carinho e admiração por ela só aumentaram. O documentário não saiu — mas as gravações estão guardadinhas, quem sabe um dia? -, mas Roberta seguiu o caminho que estava trilhando naquele momento e se tornou talvez a maior referência sobre o assunto no país. Em “Garganta” ela faz aquilo que sabe melhor: nos toca com profundidade.

Sza
Ela fala sobre relacionamentos, amores e coisas assim. Não é porque a gente tá lutando por algo que o coração deixa de bater, que a gente deixa de entrar numas furadas ou procurar aquela pessoa que vai lutar ao nosso lado. Sza deixa o coração quentinho pra gente juntar forças, enxugar as lágrimas e entender que acontece com todo mundo, uma hora vai dar certo.

Destaque: Love Galore
A música é linda, a participação do Travis Scott é de tirar o fôlego e o clipe é incrível. E a letra… bem, quantas de nós já estivemos nessa situação de estar com uma pessoa e descobrir que ela é comprometida e o relacionamento só é aberto do lado dela? Ou quantas vezes nós fomos essas pessoas? E quantas vezes a gente só quer xingar todas as outras pessoas e se sentir amada independente de qualquer coisa? Pois é, revolução também é assumir que a gente, de vez em quando, caga as coisas e só queria poder se vingar do mundo.

Rimas & Melodias
Escrevi sobre o Rimas faz pouco tempo no Per Raps e faço piada dizendo que sou groupie dessas mulheres incríveis. Esse é um dos projetos que mais ouvi em 2017. Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie Roberta, Tássia Reis e Tatiana Bispo mostraram no primeiro disco e nos shows que se não tiver espaço pras minas elas vão abrir o caminho na mão e na voz. E, cara, que coisa linda poder assistir isso de perto e aprender com cada música delas.

Destaque: Manifesto / Pule, Garota
A faixa, com participação da Djamila Ribeiro, é um hino de força e amor. Além disso, o tempo todo tem um tom de ironia delicioso rolando na música, na letra e na maneira que as minas rimam. Música deliciosa!

Erykah Badu
Muito da minha desconstrução de padrões de beleza passou pela Badu. Eu sempre a achei linda, mas ela não se encaixava em nada do que eu tinha como bonito antes dela aparecer. O trabalho toda dessa mulher é sobre mostrar que o desconforto do outro não é responsabilidade dela, que ela não está aqui para agradar e que o objetivo dela é estar ao lado de si mesma. Revolução por todos os lados.

Destaque: Cleva
Essa música é um hino. A letra basicamente diz: minha aparência não é perfeita, mas tem tanta coisa incrível por baixo disso que ela nem deveria ser importante. Quantas vezes a gente não quis se sentir exatamente assim e dizer as mesmas coisas?

Ibeyi
Duas irmãs que misturas influências e fazem um som único e cheio de beleza. Já era apaixonada pela música das duas antes do show que fizeram no Brasil e naquele dia me apaixonei por elas. Duas mulheres doces, sorridentes, lindas e fortes. Essa mistura sempre me deixa encantada. A gente perde a doçura e endurece com muita facilidade. Elas são um lembrete de que revolução também é não abrir mão de ser quem você gosta de ser.

Destaque: Mama says
Essa música fala sobre um dos temas mais difíceis de serem entendidos entre feministas: o sofrimento quando se perde um amor. Dizem que a gente tem que ser forte, que foi melhor que aquela pessoa (principalmente quando é um cara) ter ido embora e que você não precisa de ninguém para ser feliz. Bem, na hora em que está doendo nada faz isso mudar, nem mesmo a volta daquela pessoa. Sofrer, respeitar nosso tempo, o tempo das outras e dar a chance de que cada uma tome suas próprias decisões, que devem ser respeitadas, é revolução pura.

Tem caras também!

Rincon Sapiência
Não é a primeira vez que Rincon mostra que é um artista sensacional. Lá em 2011 eu já dançava ouvindo Elegância e sabia ele merecia ser gigante. O último disco dele, porém, ultrapassou qualquer expectativa. O rap, renovado sempre, recebeu uma injeção de energia que ninguém esperava. Galanga Livre é um disco inteiro bom, cheio de frases pesadas e que ficam reverberando dentro da gente. Um homem negro e periférico de saia é revolução e resistência, dizendo o que ele diz, então, é linha de frente.

Destaque: Benção
Acho que esse trecho explica o motivo dessa música ser a minha escolhida do disco:

“Bênção é a chuva no sertão / É a rosa no cinza do concreto! / É o rango no fim de um jejum / Benção é a goma para os sem-teto! / É o punho fechado, pronto pro soco / Que se abre, pronto pro afeto! / Nas leis que impera o silêncio / A bênção é o grito de quem tá quieto!”

Castelo Branco
Num dia em que eu tava bem sem energia me indicaram o disco Sintoma e ao ouvir me senti realmente reenergizada. É um disco que parece não fazer o mínimo sentido no meio dessa lista, mas ele faz porque nenhuma pessoa é uma coisa só, então nenhuma lista precisa ter uma unidade fácil de explicar. Se eu não sou fácil de explicar porque minha lista seria? Além disso, as músicas desse disco falam muito sobre isso: autoconhecimento, olhar para dentro, sentir mais e viver com mais afeto. Acho que a gente precisa ser lembrada dessas coisas de vez em quando…

Destaque: Providência
Essa música é uma daquelas coisas que uma mãe poderia dizer a um filho, o conselho mais cheio de amor possível: “Vai tu / Se não a vida é quem vai (…) / Mas se for / Então que sejas / Com gosto”. É basicamente o que a gente precisa se lembrar todos os dias: não existe inércia na nossa vida e se a gente não escolher os caminhos pode ter certeza que a gente vai ser empurrada por um dos que a gente não gostaria de ir.

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