Seus olhares quase me destruíram — uma resposta ao texto de Stalimir Vieira no Prop Mark

Carol Patrocinio
Polemiquinhas com a Carol Patrocinio
3 min readDec 6, 2017

(Esse texto é uma resposta ficcional ao texto publicado pelo site Prop Mark e escrito por Stalimir Vieira, diretor da Base Marketing)

Preciso confessar uma coisa. Por muito tempo eu tive medo de ir para o trabalho. Acordava já pensando em uma desculpa para poder trabalhar de casa. Mas se eu não cuidar da minha carreira meus boletos não serão pagos. Então eu vestia o meu melhor sorriso para que ninguém notasse o pânico em meus olhos. Eu sentava na minha mesa e sentia um arrepio na base da coluna, não daqueles gostosos. Você, que sentava ao meu lado, parecia um daqueles desenhos animados em que apresentam um peru na bandeija para um lobo. Como eu sonhava que uma bigorna enorme caísse magicamente sobre a sua cabeça.

Diminuí as vezes que levantava para tomar café e passei a encher uma garrafa de água de 2 litros para não ter que caminhar pela agência. A cada passo sentia os olhos em mim, me despindo, e gelava. Toda caminhada era como estar em um beco escuro no meio da madrugada.

O celular se tornou o melhor amigo para me distrair da ideia de que algo fosse acontecer ali, no meu ambiente de trabalho. Imagina passar tantas horas em um lugar em que sua integridade física sempre parece estar em risco? Mais de uma vez notei você me olhando. Cada movimento tinha que ser coreografado para que nenhum centímetro extra de pele aparecesse: qualquer coisa era motivo para você arfar. Você percebe quão violento é isso?

Quando você foi promovido senti um misto de alívio e raiva. Você não era bom, não trabalhava tanto quanto outras pessoas. Passava o dia olhando pra toda mulher que resolvesse andar dentro da agência. Como uma pessoa dessa, que nos assediava com o olhar, podia estar agora em um cargo de poder? Pelo menos eu poderia, agora, voltar a ter uma vida normal com o seu olhar longe de mim.

Durante o anúncio eu só desejava que aquilo terminasse logo. Seus olhos na minha barriga, eu arrependida de ter escolhido aquela roupa. Eu puxava a camiseta, você seguia olhando e parecia nem notar meu incômodo. Era desesperador, como se eu não existisse. Eu não sabia como fazer o mal estar ir embora. Naquele dia chorei no banheiro. Cheguei em casa e coloquei a roupa toda para doar. Eu não queria ter nada que me remetesse àquele momento.

Tempos depois precisei da sua aprovação para um job. Respirei fundo e entrei na sua sala. Mostrei o trabalho, que depois foi premiado, e você ficou enrolando para aprovar. Para mudar o foco daquele momento disse que eu precisava de um aumento. Você levantou e ficou tão perto de mim que eu podia sentir o cheiro podre que saía da sua boca — ou talvez eu estivesse imaginando o cheiro de enxofre que deveria sair de você se o mundo fosse justo — e ali eu decidi que não ia dar um passo para trás. Eu cansei de baixar a cabeça, fugir, ir embora, me diminuir, me esconder apenas para não ter que lidar com seus olhares, arfadas, bocas abertas. Tentei controlar minha respiração para que você não notasse como eu estava nervosa e interpretasse isso como fraqueza. Você, pelo jeito, achou que era desejo. É triste ver um homem que não consegue diferenciar desejo e medo. Essas coisas não deveriam se confundir jamais.

Você foi embora e todas nós pudemos voltar a viver. Depois de ser promovida passei a tratar os homens de igual para igual, sem medo dos seus olhares ou arfadas. Ninguém mais ia controlar meus passos. Com quem eu me relaciono é problema meu, você devia era se preocupar com a sua falta de capacidade de interpretar sinais femininos e de controlar sua imaginação. Terapia pode ajudar, mas vergonha na cara é indispensável.

Amor platônico é aquele que a outra pessoa não sabe. Seu assédio não tornou isso possível. O que você fez comigo e deve seguir fazendo com outras mulheres é uma violência imensa e torço, todos os dias, para que você seja penalizado pelo universo por todas as vidas que você tornou e torna mais difíceis. É por homens como você que não nos sentimos mal ao dizer que todo homem é um violentador em potencial.

(Esse texto é ficção)

--

--