Letticia Rey
Política, Feminismos e Cidade
3 min readOct 2, 2018

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A Revolução do Cuidado

Certa vez participei de uma pesquisa de inovação política na América Latina. Uma pesquisa que a gente lia e relia o que diziam novos atores políticos no cenário latino-americano. Durante essas leituras cruzei com uma mulher chilena, de meia idade que dizia que a revolução na política estava na dinâmica do cuidado. Aquelas palavras giraram e giraram na minha mente e ali ficaram.

Fazia tanto, mas tanto sentido pra mim.

A lógica de cuidar do outro, cuidar do processo, ter cuidado com o que diz, com o que não diz. Cuidar e cuidar e cuidar. Coisa que só mulher humana consegue ter clareza óbvia de seu sentido. Lendo aquilo foi a primeira vez que tomei consciência da potência de me sentir e ser mulher. Sim, pela primeira vez em 29 anos me identifiquei com algo que fosse essencialmente feminino. O cuidado. O cuidar. Descobri ali que mulher é esse bicho maluco que CUIDA com atenção daquilo que os homens nem enxergam.

Um outro momento uma amiga escreveu “o cuidar de quem cuida”. Uma frase linda de sua companheira, frase que segue meus dias e me acompanha. Ela, sendo mãe, um dia depois do dia das mães, se perguntava porque o cuidado não era valorizado, e afirmou de forma triste que provavelmente só existiria em sua importância e plenitude, infelizmente no dia que pertencesse aos homens.

Aquelas palavras de novo estalaram meu coração. Pela segunda vez me senti mulher. Dessa vez mulher sofrida. Mulher que dói essa dor de um mundo com ausência de cuidado.

Tenho tentado me encontrar com meu lado feminino. Nunca me achei muito mulher. Demorei a tomar consciência de todas as dores que assolam a gente diariamente. Acho que aprendi com as mulheres fortes da minha família que as dores eram “normais”. Que todo mundo sentia as mesmas, homens e mulheres por igual. Só depois de muito tempo comecei a entender que não. Que aquele aperto no peito e aquela falta de ar que me dá a cada palavra deixada de se falar, ao se fazer qualquer coisa ordinária corrompida pelo ímpeto de comando masculino, essa dor não é sentida igual. Que é dor de quem tem útero. Quem tem aquela pele fina que ultrapassa vento forte pelos poros e corre sangue pulsando transparente, mas que ao mesmo tempo é resistente e forte como pele de crocodilo. É dor que só meu eu tão mulher sente.

Ainda não sei muito bem como é ser mulher. Como um quebra-cabeça vou montando minha identidade de mulher. A primeira peça que encontrei foi o cuidado. Tenho o cuidado dentro de mim.

Ainda nesse momento um terceiro pulso vibra em mim. Leio um texto político sobre o impeachment da única mulher presidente desse país. No texto a força de levar o cuidado para a política. O Cuidado é político. O cuidado leve, mas tão tão tão potente. O cuidado é revolucionário. Em tempos em que homens desejam se armar, mulheres oferecem cuidar.

Do cuidar, encontro minha segunda peça do meu quebra-cabeça da mulher que sou: a política. Ainda embaralhado, sem os encaixes corretos, mas as peças estão ai. E são minhas. E de minhas ofereço a todas nós. Que sejam nossas. E que sejam para todo esse nosso país que chora por cuidado. Tomem CUIDADO!

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