Letticia Rey
Política, Feminismos e Cidade
6 min readMar 30, 2020

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O que aprendi com um ano sem redes sociais

Era ano de eleição presidencial. Já havia 3 anos que eu sentia dores nos olhos e dores de cabeça que me incomodavam, mas eu não sabia direito de onde vinham. Eu fazia parte de muitos grupos de whatsapp e passava tempo monitorando e olhando as redes.Tempo que eu considerava saudável.

Gostava muito de interagir com pessoas que há tempos não via, não conversava. Gostava de escrever textos, dizer o que penso. Dar parabéns pelas conquistas e saber como as pessoas estavam. Por mais que eu percebesse, soubesse e me vigiasse para não exagerar, mesmo quando era pouco era muito. Porque é um pouco que a gente fica ali mas que é absorvido pela nossa mente de uma maneira enorme sem que a gente saiba.

Funciona como mascar chiclete para o estômago, a gente faz o movimento daquilo que nos dá a energia que precisamos, mas não se satisfaz porque não se sacia com alimento de verdade. As redes sociais funcionam da mesma forma. Ela alimenta a ilusão da presença, mas não consegue suprir sua falta mesmo que a gente acredite que sim.

Um dia fui ao parque perto de casa e fiquei sentada no balanço durante uns 10 minutos. Era o dia seguinte de uma das eleições mais tumultuadas e aflituosas do nosso país. Um cenário em que as pessoas estavam mal, as famílias brigando (principalmente por redes sociais), a população compartilhando cada vez mais informações pelas redes sem saber direito o que compartilhava. Minha mãe ficou doente de não acreditar no absurdo que as pessoas diziam protegidas pelas barreiras do mundo virtual. Muita gente estava perdida e compartilhavam freneticamente notícias falsas e xingamentos que surgiam por meio de imagens que eram produzidas na velocidade da luz, pois era preciso aproveitar essa energia de raiva, de competição e disputa para transformar em ações os sentimentos. E as redes sociais permitem essa ação. Pessoas pacifistas e pacíficas estavam odiosas de um jeito que eu nunca tinha visto e as redes sociais demonstravam isso. Sensação essa que parecia eterna.

Sensação essa que é inerente ao envolvimento com questões políticas.

O envolvimento anterior com os meios políticos conseguia me manter um pouco mais com o pé no chão, mas a cada dia eu era colocada num grupo novo. A intenção era boa. Um sentimento de união maior que de certa forma trazia tranquilidade de não estar sozinho, mas por outro lado mantinha a mente sempre, sempre e sempre em movimento.

Decidi naquele dia, sentada no parque e olhando para minha mãe entretida em suas conversas no celular que não queria mais aquilo pra mim. Olhando as árvores do parque parecia que era um erro gastar meu tempo quase que completo tentando curar as ansiedades dos outros e minhas próprias em um tempo que não era o meu, esse tempo frenético de respostas para ontem.

A partir daquele dia iniciei uma trajetória de autoconhecimento maior do que aquela em que eu já me encontrava.

Há pouco mais de um ano havia terminado um namoro que me deixou devastada seguido da perda de emprego que também não foi fácil.

A primeira ilusão que confirmei ao sair foi a obvia sensação de estar cercada de pessoas queridas em um número muito maior que a realidade. A sensação de terem sobrado apenas 3 amigos queridos que se mantiveram em contato fora minha família foi dolorosa. Dolorosa porque no primeiro momento logo de início achava mesmo que as redes traziam o movimento real da minha vida, no entanto quando ela se foi sobrou a mim comigo mesma e esse encontro nem sempre é fácil.

Fiquei alguns meses dentro desse pensamento “ninguém me ama, ninguém me quer”. Pessoas que eu achava que eram muito próximas e que eram importantes pra mim sumiram e nunca mais voltaram. Era como se a única maneira de se comunicar fosse por whatsapp ou pelos chats. Fora a quantidade de vezes que zombaram de mim por não estar conectada a nenhuma delas. Parecia que quanto mais eu conseguia existir e sobreviver sem as redes mais se incomodavam com aquilo.

Quando me distanciei das redes era, para algumas pessoas como se eu quisesse guerrear com o mundo. Era afrontoso demais não fazer parte desse universo. Ouvi alguns absurdos a ponto de ter que me defender. Pode até parecer exagero,mas a sensação de solidão foi muito aterrorizante no início só perdendo para a sensação de vício, como se você estivesse realmente em abstenção de uma droga que te falta.

Escrevi um pouco sobre cada dia.

DIA 1. A sensação é de alívio imediato de dor. Meu olhos pararam de doer, reconheci meu rosto pálido e desbotado que há tempos já estava assim e eu nem percebia.

Recebi a ligação de um amigo que há tempos não me procurava.Fiquei feliz. A noite uma sensação de medo, insegurança da solidão. Medo dos julgamentos, da não compreensão.

DIA 2. A abstinência começa logo pela manhã. Fico doente, com gripe. Estado febril. Um sentimento de culpa. Será que estão precisando de mim e eu não estou respondendo? Não estão. Aquela sensação de que o peso da responsabilidade das coisas darem certo é meu, somente meu. Uma consciência de que realmente coloquei o mundo acima de mim. Que fui me tornando o outro, a vida do outro, o tempo do outro.

Sinto uma felicidade plena, mas com muita culpa. Nunca me senti tão feliz. É um abandono sim dos outros, do mundo, porém um encontro comigo. No entanto ainda tenho medo, me passa pela cabeça uma pressão de mundo.

Sigo olhando para mim e cuidando de mim. Sigo transformando em minha mente que eu posso não ser essencial ou insubstituível. Sou apenas um ser humano diante da natureza das coisas. O tempo de um ser humano perto do tempo da natureza é nada. Percebi isso ontem quando fui ao parque. Olhei para os troncos das árvores e vi a firmeza e proteção de seus cascos de tronco que se formaram daquele jeito pelo tempo longo de maturação. Meu tempo é meu e não é o tempo do mundo. Ele é meu.

Ainda tenho medo, mas sigo com medo mesmo.

DIA 3. Conversei com o Allan e com a Débora e o Johny. Foi divertido e bonito. Acho que eles são a prova de que tudo está bem. Que vai ficar tudo bem. Aos poucos vou me dando conta dia a dia sobre cada coisa que vou encarar. Cada situação que não previ.

O mais importante é matar um pouco o delírio da imaginação. Respirar profundamente e perceber que nem tudo vai ser tão catástrófico quanto eu coloquei na minha mente.

Hoje, depois de quase 2 anos de saída das redes tenho tornado a este espaço virtual. Retornei por volta de novembro de 2019 porque de certa maneira parecia que aquilo ja tinha me ensinado a lição que eu precisava aprender. Em janeiro de 2020 tive um surto grave por stress e fiquei me perguntando como teria sido se eu nunca tivesse parado de encher minha mente com as informações infinitas das redes sociais que geram muita aflição. É um circulo vicioso frenético que de um jeito ou de outro tiram a nossa paz, pois tiram de nós o livre arbítrio de escolher o que a gente quer ver e passa que sempre estamos travados na lógica de receber e não a de buscar informação de qualidade.

Até aqui de todos os aprendizados, o mais importante deles tinha sido o de perceber que realmente o mundo mudou e que as relações agora são em sua maior parte do tempo virtuais. Que é preciso um grande esforço para promover encontros reais, com pele corpo e mente. Que a gente pode se iludir achando que a presença virtual já basta, mas elas talvez sejam insuficientes.

No entanto depois de tanto tempo sem elas percebi que não faz tanta diferença assim. Depois descobri por uma professora de tecnologia da informação que as redes são mesmo projetadas para nos viciar, com sistema de rolagem ligado ao movimento do corpo de com o dedo avançar para ter mais. Quando a gente está dentro dela é difícil perceber, mas é apenas uma rede que apresenta recursos que facilitam a conversa, com trocas de imagens, pensamentos, arquivos. E diferente de como é na vida real, quando você volta nada mudou,mas de algum jeito como que mágico a gente passa a imergir novamente como se fosse um caminho sem volta.

E em meio de toda essa reflexão de 2 anos, agora em 30/03/2020 estamos em meio a uma pandemia na qual a gente precisa se isolar dentro de casa. Por um lado agradecemos as redes sociais por proporcionar contatos com nossos amigos e familiares, no entanto um dos maiores aumentos durante a crise foi a busca por psicólogos para auxiliarem com os medos da depressão e da ansiedade que vão surgindo em nós diante da impossibilidade dos encontros presenciais. Isso me leva a importância da pele, a importância dos abraços, dos beijos e também de um simples aperto de mão;a importância do olhar nos olhos e não através de uma tela, a importância de falar ao telefone e não apenas de trocar mensagens.

Espero que depois que tudo isso passar a gente tenha percebido quanto tempo passamos nos iludindo em redes sociais que podem ajudar, mas jamais substituem toda aquela conversa e presença que só a matéria do nosso corpo pode oferecer.

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