Os políticos brasileiros não podem ignorar a reforma das drogas para sempre

Publicado originalmente em inglês em ‘The Conversation’ com coautoria de Luciana Boiteux em 4 de outubro de 2014.

Luís Fernando Tófoli
Políticas de drogas no Brasil
3 min readOct 4, 2014

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“Prisão e Cela com Chaminé e Conduíte” de Peter Halley (1985)

O Brasil tem um grave problema de drogas. O país se encontra ao lado das maiores plantações de coca no mundo, que ficam no Peru e na Colômbia. Uma parte considerável da cocaína consumida na Europa se move através de seu vasto território. As taxas brasileiras de assassinato e encarceramento são altíssimas e muito disso tem a ver com o mercado de drogas ilícitas. O tamanho de sua população e o recente processo de despertar econômico transformaram o próprio Brasil em um enorme mercado para o consumo de drogas ilícitas.

Outros países da América Latina enfrentam os mesmos problemas, e estão trazendo novas propostas para lidar com eles. Por exemplo, o Uruguai legalizou a maconha recreativa e os tribunais de Argentina e Colômbia decidiram em favor da descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.

Considerando tudo isso, e tendo em conta que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vem recentemente defendendo reformas na política de drogas, você pode pensar que os principais candidatos à eleição em 5 de outubro — um deles, Aécio Neves, do próprio partido de FHC, o PSDB — trariam perspectivas mais inovadoras para a arena política.

O Partido dos Trabalhadores da presidente Dilma Rousseff teria condições de assumir compromissos para outras políticas sociais essenciais e de direitos das minorias que estão diretamente ligadas à pobreza. Isso inclui o problema das drogas ilícitas, uma vez que os condenados por tráfico de drogas são na sua maioria pobres e, em muitos casos, usuários de substâncias que tiveram acesso ineficaz à assistência jurídica.

Mas a eleição presidencial deste ano não está baseada em novas idéias. Nenhum dos principais candidatos, incluindo Dilma, decidiu tocar em temas que são tabu, de modo a garantir o apoio dos cidadãos de um país que as pesquisas mostram ser bastante conservador. Assim, apesar de toda a atenção da mídia e das demandas públicas, tópicos como direito ao aborto e políticas alternativas de drogas não estão sendo mencionados na campanha de Dilma.

A mesma coisa se aplica aos outros dois principais candidatos, Marina Silva, do PSB, e Aécio. Ambos evitam tocar nesses assuntos ou simplesmente apresentam pontos de vista conservadores, de olho nos brasileiros evangélicos, que representam cerca de um quarto da população.

Os outros candidatos de partidos de esquerda — os quais têm menos de 1% dos votos nas pesquisas — têm posições firmes sobre como mudar as leis de drogas do Brasil e regulação do mercado de drogas ilícitas.

Do outro lado do espectro de candidatos com pequenos eleitorados, direitistas como o pastor evangélico Pastor Everaldo endossam uma forte oposição a qualquer liberalização das leis de drogas e apoiam uma repressão ainda mais forte ao tráfico de drogas.

Por enquanto, as alternativas às políticas tradicionais e ineficientes de drogas não vão ganhar mais atenção dos principais candidatos. Mas é importante notar também o aumento na atenção do público para as reformas da legislação de drogas, juntamente com um aumento no ativismo da sociedade civil, o que pode levar a mudanças no parlamento brasileiro.

A nível parlamentar, um número considerável de candidatos que propõem reformas na política de drogas têm chances reais de serem eleitos. Um desses exemplos é Jean Wyllys, ativista dos direitos civis e LGBTs que também está em campanha para a regulamentação da maconha medicinal e recreativa.

Assim, apesar da desconfiança dos três principais candidatos à presidência, o próximo mandato de governo no Brasil será um espaço aberto para o debate de políticas de drogas. O poder executivo provavelmente não vai apoiar grandes mudanças nas leis de drogas, mas o público brasileiro está aprendendo mais sobre redução de danos, alternativas ao encarceramento e da ineficácia da guerra contra as drogas.

Próximo presidente eleito do Brasil será confrontado com questões relativas ao direito das drogas e terá de fazer escolhas difíceis sobre elas. O país está se movendo para além do ponto em que a luta contra a pobreza extrema pode ser o suficiente para ganhar uma eleição. Muito em breve, não haverá mais a possibilidade de se ignorar esse assunto.

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Luís Fernando Tófoli
Políticas de drogas no Brasil

Psiquiatra. Professor na UNICAMP. Pesquisador sobre políticas de drogas e psicodélicos. Ele. | Drug policy and psychedelics researcher. Posts in Portuguese. He.