#1 Pré-ditadura: uma história brasileira formada à base de golpes de Estado

Siedhel Hauptmann
Politizare
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5 min readSep 25, 2018

De Getúlio a Jango, as revoluções que marcaram um país

Getúlio Vargas anuncia pelo rádio o início novo regime ditatorial. À sua direita aparecem o ministro Dutra (de braços cruzados), Filinto Müller (de bigode, atrás dele) e o autor da Constituição, Francisco Campos (extrema direita).

Apesar do que todos os fatos históricos que enchem nossos olhos nas aulas do ensino fundamental e médio nos faz achar, havia política anterior à Ditadura Militar.

Os facilmente influenciáveis, como eu fui àquela época, prendem seus olhinhos curiosos nos casos que deixaram grandes e profundas marcas em diversos aspectos da vida em sociedade atual, e praticamente esquece que para que algo nível Golpe Militar acontecesse, as coisas precisariam estar indo mal (ou bem) logo antes.

A verdade que precisa ser dita é que o país passou por muitas transformações, em espaços curtos de tempo, e com marcas que perduram até hoje. Pensando apenas no século XX, a partir dos anos 1900, vemos diversas revoluções e manifestos que conhecemos de nomes.

As Revoluções da Vacina e da Chibata, por exemplo, nos anos respectivos de 1903 e 1910 foram marcos históricos. Primeiro foram os conflitos urbanos violentos porque a população se recusava a ser vacinada contra a varíola. Sete anos depois houve motim para acabar com o castigo por chibata que ocorriam nos navios em marinheiros mulatos — lembrando que a escravidão foi abolida em 1888.

Depois disso aconteceram a Guerra do Contestado, no sul do país, o Levante Sertanejo — não, não tem nada a ver com as duplas musicais — dos coronéis na Bahia, a Revolta dos 18 do Forte, que foi o primeiro movimento dos tenentistas, e a Coluna Prestes, que teve vários pontos que foram reivindicados, entre elas a defesa do ensino público e do voto secreto.

Pouquíssimos anos depois o país todo conheceu um dos nomes que ficou marcado por gerações, e é falado citado até hoje que se fala do voto da mulher, por exemplo: Getúlio Vargas.

Getúlio Vargas, ao centro.

O então presidente do Estado do Rio Grande do Sul, insatisfeito com a eminente subida de Júlio Prestes à presidência do país, para substituir Washington Luís, ainda na política do Café com Leite — lembra lá da aula de história, que só Minas Gerais e São Paulo comandavam o país? — resolveu aplicar um Golpe de Estado Civil, e tomou o cargo máximo em 1930.

Vargas esteve em governo provisório até 1934, quando foi eleito em Assembleia Constituinte como presidente constitucional do país, que deveria ter o mandato encerrado em 1937. Porém, aliado com miliares, Getúlio aplicou novo golpe, que ficaria conhecido como Estado Novo, e permaneceu no poder até 1945.

Nessa altura do campeonato, o Brasil já estava na quarta Constituição Federal, a primeira em regime de república e a também primeira com caráter autoritário. A UDN (União Democrática Nacional), que foi criada para ir contra o regime varguista e ao Estado Novo, tirou Getúlio do poder em outubro de 1945. O presidente do STF na época, José Linhares, comandou o país por três meses ainda sob a constituinte de 1937, até as eleições, que aconteceram em dois de dezembro do mesmo ano.

Capa do Jornal Tribuna da Imprensa — de Carlos Lacerda — pedindo pela renúncia de Vargas.

Em 31 de janeiro de 1946, o general Eurico Gaspar Dutra, apoiado por Getúlio Vargas, foi eleito com 55% dos votos. Em setembro do mesmo ano foi instaurada a Constituição de 1946, que já tinha caráter republicano-democrático. Pra quem achava que tinha acabado, em 1950 Getúlio Vargas se candidatou e venceu as eleições presidenciais com pouco mais de 48% dos votos. Os udenistas até tentaram debater, mas a nova constituinte permitia a eleição pela maioria de votos, que foi o que aconteceu.

O segundo mandato de Vargas foi pesadíssimo em todos os aspectos. Integrantes da UDN realizaram campanha de pressão contra o presidente durante todos os quatro anos até que o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, líder da união na época, intensificou a instabilidade política, e pressionado como estava, Getúlio Vargas cometeu suicídio em agosto de 1954, no último ano do mandato.

A morte de Vargas se tornou outro marco, já que a população apoiadora do político culpou a UDN e Carlos Lacerda, que acusou Getúlio do atentado que sofreu, pelo estopim que culminara com o suicídio do presidente.

A UDN foi contra, nos anos seguintes, à eleição de Juscelino Kubitschek — porque eles queriam chegar ao poder, quem não notou isso, tsc, tsc— os udenistas até tentaram impedir a posse, provocando o Movimento 11 de Novembro, que garantiu a eleição e posse de JK como presidente e de João Goulart, o vice.

Juscelino Kubitschek e João Goulart

A trajetória de JK é altamente explanada em toda e qualquer aula de história. Isso porque o homem se propôs a transformar 50 anos em cinco. Isso porque a primeira coisa que ele instituiu foi o Plano de Metas, com 31 alvos para cumprir. O 31º era a construção de Brasília.

A UDN chegou a criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as inconstitucionalidades da transferência da Capital do país do Rio de Janeiro para Brasília — porque, novamente, eles eram contra — mas ela foi protelada até a transferência de fato, que aconteceu em 1960.

Seguido de JK veio o mandato de Jânio Quadros, que venceu as eleições de maneira esmagadora. Seu vice era João Goulart, que foi reeleito. Quem estudou ou prestou atenção nas aulas do ensino fundamental/médio sabe que o mandato de Quadros não durou. Em agosto de 61, no mesmo ano que foi eleito, ele soltou uma nota de renúncia alegando que “forças terríveis se levantaram” — forças do tipo militar, e não o Lado Negro, não se confunda — contra ele.

Nesse ponto, a UDN, que era a base de campanha de Jânio, virou a casaca e se colocou contra o político, que renunciou para a subida de João Goulart na administração brasileira. Jango assumiu o país em setembro, e deveria permanecer até 1966. O regime parlamentarista que substituiu o presidencialismo durante a gestão de Jango foi o primeiro regime do tipo na república.

Um dos articuladores do golpe do regime militar foi a própria União Democrática. Durante todos os anos de mandato Jango esteve sob constante observação militar, que em março de 1964 realizou diversas reuniões sobre a maneira “ameaçadora” com que Goulart presidia.

Jornal “Diário Carioca” de 1º de abril de 1964 a esquerda e Jornal “Diário da Noite” anunciando novo presidente dia 2 de abril a direita.

Sendo assim, em 1º de abril daquele ano instaurou-se o regime militar, com tropas do Exército tomando o poder e transformando o país de maneira quase irreversível. Jango se exilou no Uruguai e depois do fracasso em 1966 para tentar retomar a democracia brasileira, permaneceu “fora do radar” até a sua morte, em 1976, na Argentina.

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