Estigmas da revolução

Michele Damazio
Politizare
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5 min readNov 20, 2018

Aluizio foi um dos militantes presentes no período da ditadura militar no Brasil

Foto: autores.

Muitos definem as rugas em uma pessoa como consequência do tempo e gravidade, mas tenho uma opinião contrária sobre isso. Elas são como traços de uma obra de arte, carregadas de emoção, experiência e história.

Aluizio Palmar é uma dessas pessoas cheias de história, em que você pode passar horas ouvindo-a falar sem se cansar, pois são memórias tão ricas e vivas que enchem aqueles que escutam.

Era 24 de agosto de 1954, aparentemente mais um dia rotineiro do garoto de 12 anos morador de São Fidélis, município que fica no norte do Rio de Janeiro. O jovem viu uma notícia que o inquietou, Getúlio Vargas se suicidou. Ao escutar a carta-testamento de Getúlio falando sobre o petróleo, desigualdade social, salário e outras questões, lhe inquietaram.

O fato é que aquelas palavras realmente mexeram com as emoções e consciência de Aluizio. Alguns trabalhadores estavam recapeando as estradas da cidade com pedras, em uma barraca de lona próxima a escola católica em que estudava, esses homens ficavam lá sentados quando iam fazer as refeições. O curioso Aluizio ia lá conversar com os trabalhadores que lhe falavam sobre política e revolução. Logo descobriu que alguns faziam parte da base do Partido Comunista do Brasil.

Mais tarde, um geólogo chega a cidade, o Dr. Cunha. Ele foi professor de matemática de Aluizio, que não saía da casa do doutor, pois haviam tantos livros lá que logicamente o garoto passava horas e horas lendo. Aquele lugar tornou-se sua segunda casa. Os livros eram sobre política, o Manifesto Comunista.

Aos 15 anos, já possuía mais clareza em relação ao conceito de Estado, quem é o dono e quem manda. Quando terminou o ensino médio, foi para Niterói fazer o colegial. Lá, conheceu um grupo de militantes e logo deixou a área de estudo científico para seguir o estudo clássico, a conhecida área de humanas. A partir daí, Aluízio Palmar incia a militância no Movimento Estudantil de Niterói em 1960.

A partir daí o garoto curioso e esfomeado por conhecimento não parou mais. Participou do Grêmio Estudantil, Federação dos Estudantes Secundários do Estado do Rio de Janeiro, União Municipal dos Estudantes Secundários. Atuou na campanha de Juscelino Kubitschek, protestando e lutando quando não queriam que JK assumisse.

Com as mudanças a presidência no país, as lutas foram avançando, foi quando um dia ouviu-se rumores de que a baía dos porcos em Pernambuco seria invadida, foi quando souberam que em Juiz de Fora-Minas Gerais, um grupo de militares sai para derrubar o presidente Goulart. Aluizio perguntava para os colegas militantes sobre isso, dando de ombros, diziam que isso não daria em nada, entretanto, depois de um tempo, as tropas já estavam na divisa entre Minas e Rio, foi quando então, os resistentes jovens se reuniram e decidiram dinamitar a ponte que daria acesso aos militares.

Com pressa conseguiram duas caixas de dinamite, mas não tinham espoleta (elemento necessário para a explosão). Até buscarem isso, quando voltaram as tropas já haviam passado a ponte. Por que contar isso? Simplesmente para ilustrar como os jovens estavam dispostos a lutar, através do voluntarismo, jovens dos movimentos estudantis, ensino médio envolvidos nisso tudo, juntamente com os operários e funcionários do transporte público.

A partir daí começaram as movimentações dos militares com seus tanques de guerra pelas ruas. Quando chegou em casa com o amigo Aquiles, sua mãe lhes serviu um café com leite, então Aluizio disse: - Mamãe, agora eu vou embora. Em silêncio, ela chorou. Sem olhar para trás, o garoto, curioso e esfomeado por conhecimento foi.

Com isso seguiram-se os anos de 64, 65, 66… até que chega 1969. Por quatro anos Aluizio ficou na militância clandestina. Em 4 de abril de 1969, Aluizio Palmar foi preso em Cascavel-PR, hoje próximo a antiga rodoviária da cidade. Ele estava na cidade organizando o movimento camponês, na região de Assis Chateaubriand, Nova Aurora, Toledo, Matelândia.

Na prisão o torturaram. Nessa época Aluizio já era casado, antes da prisão a polícia queria prender sua esposa e quando trouxeram ele para o batalhão de fronteiras, depois de muita tortura, o oficial disse:

- Nós vamos prender sua mulher. Nós sabemos que ela está grávida, e ela não vai ter esse filho, porque a ideologia está no sangue! A sua ideologia vai passar para a criança que vai nascer.

Felizmente nada aconteceu a esposa e filha de Aluizio. Um dia na prisão no Rio de Janeiro, os oficiais depois de o fotografarem, mandaram ele escrever em um papel se aceitava ser libertado em troca da liberdade do embaixador Suíço. Aluizio disse que aceitava, mas os oficiais disseram que se ele aceitasse, eles iam matá-lo. Porém, ele preferiu mil vezes tentar sair do que continuar lá.

Daí foi para o Galeão, onde se encontrou com mais 69 presos, e foram mandados para o Chile, em Janeiro de 1971. Aluizio foi trocado pelo embaixador, sua liberdade em troca da liberdade dele. Permaneceu no Chile por um ano, em 1972 foi para a fronteira continuar a luta. Em 1973 conseguiu levar sua família para onde estava, morou lá como clandestino até 1979. Foi aí que decidiu voltar ao Brasil, a lei do banimento já havia caído nessa época.

Foto: autores.

Aluízio voltou para o Rio de Janeiro, lá ele aguardou a anistia, até que em agosto de 79 a lei da anistia foi publicada no Diário Oficial. Depois, ele foi encontra-se com sua família em Foz do Iguaçu, lá começou a trabalhar no jornal Hoje Foz. Nos anos 80, criou o jornal O Nosso Tempo com outros amigos. Também trabalhou como assessor de imprensa na prefeitura.

Atualmente, Aluizio trabalha com Direitos Humanos. Criou o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular em Foz do Iguaçu e o site Documentos Revelados, com fotos e documentos sobre a ditadura militar. Escreveu o livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”, que também pode ser encontrado no site criado por Aluizio.

O garoto curioso e cheio de vontade de aprender mais, ainda hoje continua a lutar. Alguém que ensina com toda sua trajetória e inspira pela persistência na luta pela sociedade.

“Hoje, nós estamos em uma encruzilhada no Brasil, momento de escolha. Nós não sabemos o que vai acontecer, pode acontecer o pior dos mundos, mas no pior dos mundos nós vamos ter condição de escolha também”.

Aluizio Palmar

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Michele Damazio
Politizare

Garota com seus 20 e poucos anos, que acredita na arte, educação e comunicação como ferramentas capazes de transformar realidades.