Bioimpressão de tecidos humanos

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6 min readApr 16, 2014

A impressão 3D foi listada como um dos assuntos mais quentes de 2013 pelo MIT Technology Review. Porém, um grupo de pesquisadores já conhecia seu potencial bem antes disso e, em 2007, quando impressão 3D começou a aparecer nas manchetes, foi fundada uma empresa revolucionária que atua na fronteira de um campo emergente da ciência: a bioengenharia.

A proposta era utilizar os conhecimentos adquiridos no laboratório em conjunto com técnicas de impressão 3D para desenvolver tecidos humanos in vitro. Criar culturas multicelulares que imitam tecidos humanos, tanto em composição quanto arquitetura, abre caminho para testes mais específicos e confiáveis de novas drogas e sigifica uma enorme redução de custos para a indústria farmacêutica. Tirar as pesquisas do papel envolveu muito esforço e competência. Porém, hoje a Organovo já recebe o reconhecimento pela sua atuação. Em 2012 fez parte da lista das empresas mais inovadoras do mundo compilada pelo MIT Techonology Review. Agora os cientistas já cogitam até a impressão de órgãos humanos anatomicamente corretos e completamente funcionais dentro dos laboratórios da empresa.

Imagem da secção transversal de tecido hepático humano bioimpresso mostrando hepatócitos (núcleos azuis), células estreladas hepáticas (verde) e células endotelias (vermelho) em uma estrutura organizada com densidade celular e junções semelhantes àquelas encontradas em tecido nativo. Foto: Organovo Inc.

A Organovo nasceu no laboratório do Professor Gabor Forgacs, da Universidade de Missouri, Columbia. O biofísico, com experiência em biologia de desenvolvimento, e seus parceiros acadêmicos demonstraram que as células de mamíferos podem se unir e formar agregados multicelulares de forma e tamanho controlado, e que as interações desses agregados eram governados por muitos dos mesmos princípios físicos envolvidos nas interações entre gotas de líquido. Esse entendimento foi alavancado para construir o primeiro protótipo de uma bioimpressora. O equipamento permitiu a colocação precisa de agregados celulares, agora chamados de biotinta, para formar anéis simples e estruturas tubulares que interagiam umas com as outras para produzir tecidos intactos.

As descobertas do Dr. Forgacs foram protegidas na forma de patentes e são licenciadas exclusivamente para a Organovo, empresa que ajudou a fundar. Na empresa, engenheiros e cientistas continuaram a aprimorar a tecnologia de bioimpressão 3D com o auxílio da plataforma Novogen Bioprinter.

A instrumentação automatizada garante reprodutibilidade entre os tecidos bioimpressos através de um rígido controle da sua composição e geometria. Os tecidos podem ser fabricados diretamente sobre câmaras de incubação ou ainda em ambientes personalizados concebidos para manter e condicionar os tecidos 3D, minimizando assim a necessidade de manipulações que podem introduzir variabilidade.

O processo de bioimpressão consiste em identificar elementos de arquitetura e a composição chave de um tecido alvo. O modelo é representado em um computador, num design que pode ser utilizado por uma bioimpressora. Assim que o desenho do tecido é estabelecido, são desenvolvidos os protocolos de bioprocessamento necessários para gerar a construção da biotinta, composta por blocos de construção multicelulares, que será utilizada para a construção do tecido alvo.

Esses blocos de construção multicelulares são dispensados por uma bioimpressora que utiliza a técnica de impressão por camadas, abordagem muito semelhante à das impressoras 3D tradicionais. O processo de bioimpressão pode ser adaptado para produzir tecidos numa variedade de formatos, desde tecidos produzidos em placas de cultura convencionais de 96 poços até estruturas maiores adequadas para a colocação em biorreatores que fornecerão condicionamento biomecânico ao tecido antes da utilização.

Algumas modificações simples no hardware da plataforma de impressão da Novogen permitiram o acoplamento de uma seringa, que realiza a disposição contínua de hidrogéis. Eles funcionam como a estrutura da impressão 3D, onde os tecidos são construídos verticalmente para atingir tridimensionalidade, ou como agentes de enchimento para criar canais ou espaços vazios no interior dos tecidos, imitando as características de tecido original. O hidrogel é um tipo de material, formado por cadeias poliméricas reticuladas, que é conhecido pela sua habilidade de absorver água e é amplamente utilizado como ambiente de cultura de células tridimensionais e de tecidos biológicos. Ao utilizar hidrogéis como suporte para as células, aumenta-se o tamanho das estruturas tridimensionais que podem ser impressas com biotintas.

1- Desenho do tecido é enviado para a bioimpressora
2- Blocos de construção multicelulares (biotinta) são dispensados
3- A incubação confere condicionamento biomecânico ao tecido impresso
4- O tecido bioimpresso é um modelo mais fiel do que culturas tradicionais 2D
5- Comparação entre um tecido 3D e uma cultura tradicional
6- Tecidos 3D fornecem pistas precisas sobre o comportamento de fármacos

A modificação no hardware da impressora possibilita não só a confecção rápida de grandes porções de tecidos tridimensionais, mas também a geração de estruturas híbridas através de combinações de tinta biológica de alta densidade e hidrogel contendo várias concentrações de células. Isso permite mais complexidade no design da construção e aumenta a resolução espacial de diferentes populações celulares. Hoje a empresa desenvolve e comercializa tecidos humanos para várias aplicações terapêuticas e de pesquisa. A Organovo já trabalhou com vários tipos de tecidos incluindo os de vasos sanguíneos, músculos cardíacos, ossos, pulmões, fígado e rins.

Indústria Farmacêutica

O processo de pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos necessita de ferramentas que possam fornecer informações precisas sobre como eles atuam sobre os tecidos e órgãos humanos. Isso inclui dados sobre os mecanismos de funcionamento, efeitos colaterais, histológicos e citotoxicidade da droga. Os custos deste processo de análise, que é obrigatório para a concessão da licença de comercialização do medicamento, são extremamente altos. Além disso, todo desenvolvimento de medicamento corre riscos de retornar à estaca zero mesmo após o investimento de muito dinheiro e anos de pesquisa. Isso porque ao finalmente chegar às últimas etapas de desenvolvimento, um medicamento que parecia promissor nas fases iniciais da pesquisa pode se mostrar ineficiente em humanos ou apresentar benefícios que não compensem os efeitos colaterais causados pelo seu uso. Colocar um novo medicamento no mercado custa, em média, 1,2 bilhões de dólares e leva cerca de 12 anos para ser desenvolvido e aprovado pelos órgãos reguladores.

Bioimpressão de tecido hepático

As células do fígado, em particular, os hepatócitos do parênquima, são amplamente utilizadas em laboratório para avaliar a toxicidade ou a eficácia de drogas. Essas células tem uma capacidade quase ilimitada para replicação, tanto que quando até dois terços de um fígado saudável é removido cirurgicamente, os hepatócitos remanescentes são capazes de restaurar completamente a massa de fígado removida. Porém ao serem removidos do corpo humano, os hepatócitos rapidamente perdem as funções específicas que executavam no fígado.

A maioria das funções do fígado são dependentes, em parte, da arquitetura do tecido hepático. Quando os hepatócitos são cultivados de modo convencional, em monocamadas simples, a sua capacidade em manter a arquitetura sua intracelular é prejudicada e leva ao comprometimento de suas funções. Porém, quando os hepatócitos são mantidos em ambientes de cultura que suportam polarização e tridimensionalidade, eles retêm suas funções críticas por um período mais longo.

Tecido de fígado humano bioimpresso em 3 dimensões. Foto: Organovo Inc.

A plataforma da de bioimpressão da Organovo já foi utilizada para gerar protótipos de tecido do fígado. Ele foi bioimpresso utilizando células de parênquima (hepatócitos) e de estroma (células endoteliais e células estreladas hepáticas) espacialmente controladas em geometrias que reproduzem as características de composição e estrutural do tecido nativo. A plataforma automatizada de bioimpressão permite a fabricação e teste comparativo de várias composições e geometrias, de modo que a combinação vencedora pode ser identificada de forma sistemática com base nos resultados histológicos e funcionais.

Podem ainda ser observados o desenvolvimento de redes microvasculares no interior do tecido bioimpresso e a formação de junções intercelulares apertadas entre os hepatócitos, condições semelhantes ao tecido nativo. Além disso, os tecidos de fígado bioimpressos são capazes de produzir proteínas específicas tais como a albumina e a transferrina e de realizar a biossíntese de colesterol.

O objetivo geral da Organovo é desenvolver tecidos humanos multicelulares vivos que possam ser mantidos em ambiente de laboratório por longos períodos de tempo e amostrados em série para a observação de alterações funcionais e histológicas em resposta à lesão, patógenos ou tratamentos. A tecnologia desenvolvida tem potencial para reduzir drasticamente os custos de desenvolvimento de novos medicamentos e num futuro próximo, pode até levar à impressão de órgãos inteiros.

por Raisa Jakubiak e André Sionek

Agradecimento especial a @Mike Renard, Executive VP, Organovo Inc.

Fontes:

Organovo, Inc. www.organovo.com
Mike Renard, Executive VP, Organovo, Inc.
Chirag Khatiwala et al., Gene Ther. Reg. 07, 1230004 (2012)
Jennifer Elisseeff, Nature Materials 7, 271–273 (2008)

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