Cérebros de Origami
Qual a relação entre papéis amassados e cérebros?
Texto escrito por Alison Chaves (www.curiosorealista.wordpress.com)
Na edição de 3 de julho, da prestigiada revista Science, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel e o físico Bruno Mota publicaram o artigo intitulado “Cortical folding scales universally with surface area and thickness, not number of neurons”.
O artigo é de uma simplicidade e genialidade inspiradores. O insight veio do simples ato de amassar bolinhas de papel. Suzana percebeu que papeis de uma espessura menor formam mais dobraduras quando amassados, se comparados a papeis mais espesso, que ficam com menos dobraduras. Ao mesmo tempo, papeis de dimensões maiores, quando amassados, formam mais dobraduras que aqueles de dimensões menores. Essas observações são aparentemente óbvias, isto porque nos são imediatamente intuitivas.
A proposta dos dois cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é que as mesmas Leis da física que governam o número de dobraduras de uma folha de papel se aplicam às curvaturas do cérebro (giros e sulcos), respeitando a espessura e área de superfície. Para demonstrar isso, o físico Bruno Mota desenhou um modelo de fractais que descreve perfeitamente o comportamento de dobradura do córtex cerebral.
No artigo, os dois cientistas descrevem que naquelas espécies que possuem um córtex menor e mais espesso, há menos curvaturas e naqueles indivíduos onde o córtex tem uma área maior e uma espessura menor, há mais curvaturas. Os dados do estudo apontam que a massa total do cérebro não é um preditor ótimo para o número de curvaturas. O córtex cerebral de elefantes, por exemplo, tem duas vezes mais curvaturas que o cérebro humano. Mesmo assim, nosso córtex tem cerca de três vezes mais neurônios que o do elefante. Ao mesmo tempo, o trabalho funciona muito bem para desconstruir mais um mito sobre o cérebro; o de que mais curvaturas implicariam mais neurônios. Segundo o estudo, o número de neurônios não tem relação importante com a proporção de curvas cerebrais. Assim, o maior número de curvaturas não serve para abrigar mais neurônios.
Os cientistas garantem “A curvatura é uma propriedade fractal intrínseca de uma superfície que deve se evitar, seja a superfície biológica ou não, quando sujeita à forças de compressão.” Finalmente, o estudo gera um insight inesperado sobre o estudo de doenças relacionadas ao desenvolvimento cerebral humano. Ao relacionar a área da superfície total do córtex com a espessura, os cientistas sugerem que eventos que levem ao aumento da espessura e/ou redução da área superficial total podem levar a diminuição do número de curvaturas, o que acontece na doença conhecida como lisencefalia (cérebro liso ou sem giros ou sulcos).
O trabalho é uma demonstração exemplar daquilo que pode surgir a partir da colaboração real entre física e biologia.
Leia o artigo original:
Bruno Mota and Suzana Herculano-Houzel. Cortical folding scales universally with surface area and thickness, not number of neurons. Science, 349, 74 (2015). DOI: 10.1126/science.aaa9101
Fotografia: Suzana & Luiza Herculano-Houzel