Computador feito com nanotubos de carbono

O primeiro computador totalmente construído com transístores de nanotubos de carbono promete reinventar a indústria de semicondutores.

Polyteck
Polyteck
6 min readOct 22, 2013

--

Comparando com os padrões modernos, alguém desavisado poderia achar obsoleto o computador desenvolvido em Stanford, pela equipe dos professores H.-S. Philip Wong e Subhasish Mitra. Composto por 178 transístores baseados em nanotubos de carbono (NTC), opera em apenas 1 bit de informação. Isso é muito inferior ao Intel 4004, lançado no final de 1971, que continha 2300 transistores e operava com 4 bits. Máquinas modernas têm microchips com bilhões de transístores e operam em 32 ou 64 bits de informação. Mas não se engane: essa máquina “rústica” pode ser a pioneira de uma grande revolução na indústria de semicondutores.

Por que o carbono?

A busca por dispositivos cada vez menores, mais rápidos e de preço acessível tem criado uma reviravolta na indústria de semicondutores. Baseada fortemente em dispositivos à base de silício, ela tenta agora se reinventar procurando materiais alternativos. Cada vez menores, o tamanho dos transístores CMOS, baseados em silício, parece ter chegado a um limite inferior. Esses problemas são, em grande parte, decorrentes da própria arquitetura dos dispositivos: um transístor CMOS padrão é constituído de quatro partes — fonte, dreno, um canal que conecta os dois e o gate, que controla o canal. Quando o gate é ligado, ele cria um caminho condutor que permite que os elétrons ou buracos viajem da fonte para o dreno. Quando o gate é desligado, o caminho condutor desaparece. Acontece que, com a diminuição da distância entre a fonte e o dreno, o controle do gate sobre o canal ficou mais fraco. Devido às pequenas distâncias dentro do dispositivo, os efeitos quânticos, como as correntes de tunelamento, tornam-se mais evidentes. Elas fazem com que os portadores de carga passem da fonte para o dreno, mesmo com o gate desligado. Esse efeito gera uma pequena dissipação de calor que, quando somada com as dissipações dos outros bilhões de transístores, acaba fazendo o processador esquentar muito rápido. Especialistas afirmam que essas dificuldades apontam para o fim da Lei de Moore, que diz que o número de transístores em circuitos integrados dobra a cada dois anos.

Uma das alternativas mais promissoras é o uso de polímeros no lugar do silício, gálio, arsênico e outros materiais semicondutores. Os chamados “dispositivos semicondutores orgânicos”, entre outras vantagens, são muito mais baratos, leves e principalmente mais flexíveis. Dentre esses materiais, os NTC há muito tempo demonstraram seu potencial. O número de aplicações dos nanotubos é notável: desde melhorar a resistência de tacos de beisebol, até aplicações nas indústrias eletrônica e farmacêutica.Entre muitas propriedades interessantes, sua elevada condutividade se torna um atrativo para fabricantes de semicondutores. Além disso, há o problema do emaranhamento entre os nanotubos. Dependendo do tipo do substrato usado, eles podem crescer paralelos ou emaranhados. Mesmo com um substrato que force o crescimento paralelo, uma pequena fração dos NTC irá inevitavelmente crescer desalinhada.

[gallery columns=”2" ids=”1052,1051"]

Truques e técnicas utilizadas

Para contornar esses problemas, os pesquisadores de Stanford desenvolveram uma série de técnicas para cada passo do processo, o que acabou levando ao primeiro computador feito completamente com transístores efeito de campo com nanotubos de carbono (“Carbon Nanotube Field Effect Transistor” — CNFET, em inglês).

Antes do crescimento dos nanotubos, um wafer de silício foi preparado com uma camada de óxido de silício, de 110 nm, através de oxidação térmica. Os gates e a camada inferior de conexões elétricas do circuito foram impressos utilizando técnicas convencionais de litografia. Os pesquisadores utilizaram uma camada de Al2O3 de 24 nm como o material de alta constante dielétrica (k) para o gate inferior do transístor. Ela foi depositada através de deposição por camadas atômicas, cobrindo os gates e as conexões inferiores do wafer. Para finalizar a preparação e remover todos os contaminantes, o wafer foi limpo com plasma de oxigênio.

[caption id=”attachment_8570" align=”aligncenter” width=”1000"]

Diagrama de fabricação de um computador de nanotubos

Diagrama de fabricação de um computador de nanotubos[/caption]

Foi utilizado um substrato de quartzo recozido foi utilizado para o crescimento dos NTC. Faixas paralelas de ferro, que atuam como catalisadoras na reação, foram litograficamente impressas sobre o wafer de quartzo. Os nanotubos foram crescidos por deposição de vapor químico; então, o substrato com os nanotubos foi coberto por uma camada de 150 nm de ouro. Finalmente uma fita thermal release foi aplicada sobre o ouro. Nesses passos existem dois truques: o primeiro é o substrato de quartzo, que é responsável pelo alinhamento de 99,5% dos nanotubos de carbono; o segundo truque é que a fita thermal release remove os NTC cobertos com ouro do substrato de quartzo.

A fita com os NTC foi então aplicada sobre o wafer de silício previamente preparado e ambos foram aquecidos até 125 °C, temperatura na qual a fita perde sua adesão e pode ser removida, deixando os nanotubos cobertos com ouro sobre o wafer. A superfície foi tratada com plasma de oxigênio e argônio para remover os resíduos deixados pela fita. Em seguida, o ouro foi removido seletivamente através de corrosão química (“wet etch”), deixando os NTC altamente alinhados sobre o wafer de silício.

[caption id=”attachment_8569" align=”alignleft” width=”300"]

Como os nanotubos são organizados no computador.

Como os nanotubos são organizados no computador.[/caption]

As fontes e drenos dos transístores, assim como uma segunda camada metálica com as conexões elétricas, foram impressas logo após a transferência dos nanotubos para o wafer de silício. Nesse processo também foram utilizadas técnicas convencionais de litografia. O truque para evitar funções lógicas incorretas no circuito foi remover os NTC que ficaram mal posicionados. Para isso a área dos transístores foi coberta com photoresist e os NTC mal posicionados foram removidos com plasma de oxigênio. Isso garantiu um circuito imune a nanotubos deformados ou mal posicionados.

Para garantir altas taxas de on/off nos transístores e um correto funcionamento lógico, foi necessário remover mais de 99,99% dos NTC metálicos do circuito. O que se faz é aplicar um potencial que faça o gate desligar os NTC semicondutores e fazer uma alta corrente elétrica pulsada fluir pelos nanotubos metálicos. Esse “curto-circuito” causa o aquecimento dos nanotubos metálicos através de efeito Joule até que eles se oxidem, não conduzindo mais corrente elétrica. Em vez de fazer esse procedimento para os transístores individualmente, os pesquisadores empregaram um método chamado VLSI-compatible Metallic-CNT Removal (VMR), que permite causar um curto-circuito em centenas de transístores e milhares de NTC simultaneamente.

O computador pioneiro

Mitra, um dos professores de Stanford responsáveis pelo computador de nanotubos, disse à IEEE Spectrum que “as pessoas diziam que não dava para construir nada com nanotubos de carbono. Agora essa questão está resolvida.” Portanto o computador de nanotubos não é apenas um avanço tecnológico, é uma quebra de paradigma na área dos semicondutores.

Apesar das diferenças em relação às máquinas atuais, o computador construído pelos pesquisadores é capaz de realizar qualquer tarefa esperada de um processador. Similar aos primeiros computadores baseados em silício, o computador de nanotubos, que foi totalmente construído com CNFETs, pode executar programas gravados e é reprogramável. Ele pode rodar um sistema operacional básico e realizar várias tarefas ao mesmo tempo. Os pesquisadores também executaram 20 diferentes instruções do conjunto de instruções comercial MIPS (Milhões de Instruções Por Segundo).

[caption id=”attachment_8568" align=”aligncenter” width=”1000"]

Dispositivos eletrônicos impressos sobre um wafer de silício.

Dispositivos eletrônicos impressos sobre um wafer de silício.[/caption]

O próximo passo inclui melhorar a velocidade do processador. Para isso, os pesquisadores precisam aumentar a densidade de NTC no substrato, que atualmente é de apenas cinco nanotubos por micrômetro. Os cientistas estimam que com uma densidade entre 100 e 200 nanotubos por micrômetro, a velocidade aumentará suficientemente para que o custo do processo seja justificável. Outro aprimoramento refere-se à distribuição dos NTC pelo substrato. A densidade de NTC deve ser aproximadamente constante em toda a extensão dos transístores. Segundo Mitra, há trabalhos sendo realizados especificamente para solucionar essas questões. Com isso, fica a certeza de que estamos presenciando um avanço significativo no desenvolvimento de um novo tipo de computador. A expectativa é de que, em breve, a indústria de semicondutores adote esta nova tecnologia, assim teremos dispositivos eletrônicos mais rápidos, econômicos e baratos que os atuais.

Artigo escrito com base nos trabalhos:

Max M. Shulaker et al., Nature 501, 526–530.
Rachel Courtland, IEEE Spectrum, 25/09/2013.
Khaled Ahmed e Klaus Schuegraf, IEEE Spectrum, 28/10/2011.
Patil, N. et al., IEEE, 573–576 (2009)
Agradecemos ao prof. Cyro Ketzer Saul, do Departamento de Física da UFPR, pelo trabalho de revisão técnica do artigo.

--

--

Polyteck
Polyteck

Vai Além da Sala de Aula. Tecnologia e ciência para universitários e professores.