Motivação: você está fazendo isso errado

Entenda o que realmente nos motiva e descubra 6 maneiras de não perder a motivação.

Polyteck
Polyteck
11 min readMay 23, 2014

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“Em nossos escritórios e salas de aula temos muita complacência e pouquíssimo engajamento. O primeiro pode até te mover ao longo do dia, mas apenas o último vai te fazer ficar acordado durante a noite.”
Daniel H. Pink

Os ponteiros do relógio marcavam mais de dez da noite quando eu abri o editor de texto e comecei a programar. Quando percebi já era manhã e eu havia sequer levantado da cadeira naquela madrugada. Eu me sentia bem, meu código estava funcionando perfeitamente e uma nave estilo arcade se movia pela tela e disparava mísseis. Ainda não era a implementação completa do meu “Asteroids”, mas era um grande avanço para quem há dois meses sequer imaginava como criar um jogo em Python.

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Asteroids

Virei a noite programando pra conseguir criar esse jogo[/caption]

Ainda no primeiro semestre do curso de Física na UFPR, fiz uma disciplina de programação e aprendi a escrever as primeiras linhas em C. Terminei a disciplina sabendo exatamente o que estava descrito na ementa. Meus conhecimentos se estendiam até matrizes. Nem mais nem menos. E parou por aí. Não programei mais.

Até que há dois meses me inscrevi em um curso online (e gratuito) de programação em Python ministrado por professores da Rice University. Na terceira semana de aula, meus conhecimentos em Python eram equivalentes aos que eu havia demorado um semestre para adquirir na UFPR. E o melhor, dessa vez eu me sentia motivado para passar horas estudando e debugando meu código até tudo ficar perfeito.

Então me perguntei: Porque com esse curso em Python sou capaz de virar a madrugada estudando, mas nas disciplinas da universidade só estudo para passar nas matérias? O que será que me motiva? O que me motiva também motiva outras pessoas? Existe uma fórmula “magica” para a motivação?

A motivação que desmotiva

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money

“Como um catalizador emocional, maximização de riqueza não tem a força para mobilizar totalmente as energias humanas” Gary Hamel[/caption]

Muitas teorias de comportamento giram em torno de uma particular tendência humana: nós respondemos bem a estímulos positivos e negativos, somos calculadoras dos nossos próprios interesses, ou sacos de conflitos psicossexuais. Em contraste, uma teoria desenvolvida pelos psicólogos Edward Deci e Richard Ryan da University of Rochester, começa com uma noção de necessidades humanas universais. Chamada de Teoria da Autodeterminação (Self Determination Theory, em inglês), ela argumenta que nós temos três necessidades psicológicas inatas: competência, conexão e autonomia. Quando essas necessidades são satisfeitas, nos sentimos motivados, produtivos e felizes.

Existem dois tipos de motivação:

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[accordion_item title =”Motivação Extrínseca”] Ocorre quando estamos motivados para realizar uma atividade, a fim de ganhar uma recompensa ou evitar uma punição. [/accordion_item]
[accordion_item title =”Motivação Intrínseca”] Ocorre quando agimos sem quaisquer recompensas externas óbvias. Nós simplesmente desfrutamos de uma atividade ou a vemos como uma oportunidade de explorar, aprender e realizar nossos potenciais. [/accordion_item]
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Os mecanismos de incentivo que utilizamos na educação e gerenciamento são mais sufocantes do que apoiadores. Quando as pessoas não estão produzindo ou estudando como deveriam, geralmente recorremos a recompensas e punições. Ao adotar essa tática deveríamos motivar as pessoas, porém acabamos desmotivando-as.

Tente encorajar uma criança a aprender matemática pagando para cada página de exercícios que ela completa. Ela certamente ficará mais focada no curto prazo, mas perderá o interesse por matemática no longo prazo. Pegue um designer industrial que ama o seu trabalho e tente fazê-lo trabalhar melhor tornando o seu pagamento dependente do sucesso dos produtos que desenvolve. Ele quase certamente trabalhará como um maníaco no começo, porém sentirá menos interesse no longo prazo.

Quando recebemos recompensas por atividades que realizamos o nosso cérebro começa a esquecer que a atividade em si é gratificante e começa a focar somente em receber o estímulo externo. Ao tentar motivar pessoas com recompensas e punições acabamos incentivando maus comportamentos e, por outro lado, desestimulamos os bons comportamentos. No livro “Drive — The Surprising Truth About What Motivates Us”, Daniel H. Pink mostra que recompensas extrínsecas matam a motivação intrínseca, diminuem o desempenho e prejudicam a criatividade. Além disso, o oferecimento de recompensas acaba estimulando maus comportamentos, tais como trapaça, vícios e pensamentos de curto prazo. Vale a leitura.

Agora pense em você mesmo. O que te dá energia e te faz levantar pela manhã dando forças durante o dia, vem de dentro ou de fora? Você se preocupa mais com a satisfação inerente das atividades que realiza ou com as recompensas que ela gera?

Evidências mostram que as pessoas mais bem sucedidas geralmente não estão perseguindo definições convencionais de sucesso. Elas trabalham duro e persistem durante as dificuldades por causa do seu desejo interno de controlar as suas vidas, aprender sobre o mundo e si mesmas além de construir algo que resistirá ao tempo. Não faltam exemplos desse tipo de pessoa.

Autonomia

Nós nascemos autônomos. Quando crianças somos curiosos e autodidatas. Mas infelizmente, noções ultrapassadas de ensino e gerenciamento herdadas do século XIX acabam sufocando essa autonomia. Essas noções primitivas tem a complacência como objetivo primordial, o controle como ética central e motivadores extrínsecos como principais ferramentas.

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“A liberdade definitiva para grupos criativos é a liberdade para testar novas ideias. Alguns céticos insistem que a inovação é cara. No longo termo, a inovação é barata. Mediocridade é cara — e autonomia pode ser o antídoto” Tom Kelley, IDEO[/caption]

A sensação de autonomia tem um efeito poderoso no desempenho individual. Motivação autônoma promove melhor entendimento conceitual, melhores notas, mais persistência na escola e em atividades esportivas, maior produtividade e níveis maiores de bem estar psicológico. Mas mesmo com muitos estudos mostrando isso, o ensino e gerenciamento do século XXI ainda presume que as pessoas são peões, ao invés de jogadores.

Pessoas precisam ter autonomia sobre a tarefa, o tempo, o time e a técnica que utilizam. Isso não significa liberdade. Não significa “aula livre” para crianças do ensino fundamental, nem o estude-por-conta que vemos nas nossas universidades. Basta que as pessoas tenham o poder de fazer escolhas para que elas se sintam mais autônomas.

Mestria

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paraquedas

“Descubra por si mesmo no que você quer ser realmente bom, saiba que você nunca vai realmente satisfazer a si mesmo, e aceite que isso é bom” Robert B. Reich[/caption]

Nos preocupamos com a complacência de estudantes e funcionários, quando na verdade deveríamos nos preocupar com o seu engajamento. Somente engajamento pode produzir mestria. Objetivos como fazer progresso, aprender e dominar algo novo são os aspectos mais motivacionais de muitos trabalhos.

Objetivos existem em duas variedades: objetivos de desempenho e de aprendizado. Tirar 10 numa prova de cálculo é um objetivo de desempenho. Ser capaz de entender cálculo é um objetivo de aprendizagem. Os dois objetivos são bem universais e ambos podem alimentar nosso desejo de conquista. Mas somente um leva à mestria.

Um exemplo sobre como a maneira como encaramos nossos objetivos influencia os resultados veio com os estudos realizados por Carol Dweck, professora de psicologia na Stanford University. Ela descobriu que utilizar objetivos de desempenho na educação de crianças é efetivo na resolução de problemas simples, mas geralmente inibem as crianças de aplicarem os conceitos aprendidos a novas situações. Já quando objetivos de aprendizado são utilizados, os estudantes são mais capazes de resolver novos problemas, também tentam mais soluções e trabalham por mais tempo.

Atingir mestria requer esforço, perseverança e paixão por objetivos de longo prazo. Carol Dweck diz que “esforço é uma das coisas que dão significado à vida. Esforço significa que você se importa com algo, que alguma coisa é importante para você e que você está disposto a trabalhar por isso. Seria uma existência empobrecida se você não estivesse disposto a dar valor às coisas e se comprometer a trabalhar para alcançá-las.”

E mestria é uma assíntota. Você pode se aproximar dela, chegar muito, muito perto, mas nunca poderá tocá-la. Mestria é impossível de ser atingida. Bons atletas geralmente dizem que eles podem, e devem, melhorar. Eles dizem isso quando são amadores, depois da sua melhor temporada, e até mesmo depois de quebrar um recorde.

A assíntota da mestria é geralmente uma fonte de frustração. Porque buscar algo que você nunca vai alcançar? Mas também uma fonte de fascinação. Porque não tentar alcançar? A satisfação está na busca e não na realização.

O estado mental de busca da mestria

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“Tente escolher uma profissão na qual você aprecie até mesmo as partes mais mundanas e tediosas. Então você sempre será feliz.” Will Shortz[/caption]

O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi estudou vários pintores durante o seu doutorado. Ele observou que os artistas estavam tão entretidos com o que faziam, que pareciam estar em transe. Para eles o tempo passava rapidamente e a autoconsciência se dissolvia. Mais tarde, o psicólogo cunhou um termo para esta experiência autotélica — do grego auto (relativo ao indivíduo) e telos (meta, finalidade) — onde o objetivo é a autorrealização e a atividade é a própria recompensa. Chamou este estado mental de “flow”.

As melhores e mais satisfatórias experiências na vidas das pessoas ocorrem quando elas estão em flow. Esse estado mental que parece tão impenetrável e transcendente, é na verdade muito fácil de ser atingido. Quando em flow, os objetivos são claros. Você tem que chegar ao topo da montanha, programar para fazer a nave do jogo de computador se movimentar e atirar. O feedback é imediato. O topo da montanha fica mais perto ou mais longe, a nave se movimenta da maneira correta ou não. Mas o mais importante: em flow, a relação entre o que uma pessoa tem que fazer e o que ela pode fazer é perfeita. O desafio não é muito fácil, nem muito difícil.

Quando em flow, as pessoas vivem o momento tão profundamente que se esquecem do tempo, lugar e até de si mesmas. Elas se tornam autônomas, mas mais do que isso, elas se tornam engajadas.

Propósito

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“Um grande homem é uma frase.” Clare Boothe Luce[/caption]

É da natureza humana buscar propósito. Querer deixar alguma contribuição para o mundo, ser parte de uma causa maior e mais duradoura do que si mesmo. As pessoas mais profundamente motivadas, produtivas e satisfeitas são aquelas que se dedicam para uma causa maior do que elas mesmas.

Imagine que você fez 60 anos. Por um lado você vai olhar para a frente e vai pensar que ainda tem mais 25 anos de vida. Mas você também vai olhar para trás, quando tinha 35, e vai pensar em quão rápido o tempo passou: “Os próximos anos vão passar tão rápido desse jeito? Se for assim, quando que eu vou fazer alguma diferença no mundo? Quando que vou fazer alguma coisa que importa? Quando vou viver o melhor da minha vida?”

No momento em que as pessoas percebem que a morte está próxima, questionamentos profundos sobre o significado da vida e sobre o que elas realmente querem começam a ecoar dentro das suas cabeças. Ganhar dinheiro é um potente motivador, mas ele é insuficiente. Muitos empreendedores, executivos e investidores estão percebendo que as empresas que têm melhor desempenho são aquelas que defendem uma causa e contribuem para o mundo.

Não se trata de rejeitar os lucros, mas sim de dar igual ênfase à maximização do propósito. Propósito é o que nos faz viver. Uma vida sem propósitos é uma vida vazia.

Recompensa e punição ainda estão na base das metodologias utilizadas pelas empresas, escolas e universidades. Recompensas extrínsecas instituem objetivos de desempenho e nos fazem focar no curto prazo. Um cheque mais gordo no final do mês não vai te manter tão motivado no longo prazo quanto realizar o trabalho que você ama. São as motivações intrínsecas que geram engajamento, aprendizado e produtividade. Não espere chegar aos 60 para começar a fazer questionamentos sobre o seu papel no mundo. Estude e trabalhe com o que você gosta, tenha o objetivo de atingir mestria e queira impactar positivamente a vida de outras pessoas.

6 dicas para não perder a motivação

martin l king

1. Faça um “teste de flow”

Observe os momentos em que você entra no estado de flow. Durante o trabalho, estudos, momentos de lazer, etc. Identifique o local onde você estava, com o que e com quem estava trabalhando. Você conseguirá aumentar as oportunidades de flow repetindo as condições que te fazem entrar nesse estado. Se você tem dúvidas sobre o seu trabalho ou carreira, o que este exercício te diz sobre a tua verdadeira fonte de motivação intrínseca?

2. Qual é a sua frase?

Em 1962, Clare Boothe Luce, uma das primeiras mulheres a servir o congresso americano, ofereceu um conselho ao presidente John F. Kennedy. Ela lhe disse: “Um grande homem é uma frase.” A frase de Abraham Lincoln, por exemplo é: “Ele preservou a união e libertou os escravos.” Luce tinha medo de que a atenção de Kennedy pudesse estar pulverizada entre diferentes prioridades de forma que a sua frase se tornasse um parágrafo.

Você não precisa ser um presidente para aprender com essa história. Uma maneira de orientar a sua vida em direção à um propósito é pensar na sua frase. Pode ser desde algo como: “Ele criou duas crianças que se tornaram adultos saudáveis e felizes.” Ou ainda “Ela inventou um dispositivo que melhorou a educação no Brasil”, “Ela atendia qualquer um, não importando se eles tinham condição de pagar ou não”.

Enquanto você contempla qual é o seu objetivo na vida, comece com esta questão: Qual é a sua frase?

3. Faça uma autoavaliação diária

Grandes realizações não acontecem do dia para a noite. E pode ser difícil manter o foco e a motivação quando os nossos objetivos parecem tão distantes. Por isso faça uma autoavaliação diária que mostre pequenas medidas de melhorias. Lembrar de que você não precisa ser um mestre no final do terceiro dia é a melhor forma de garantir que você o será no dia três mil.

Então, antes de dormir a cada noite, faça uma pequena autoavaliação: “Hoje eu fui um pouco melhor do que ontem?”

4. Pratique

Lembre-se de que a prática tem um único objetivo: melhorar o desempenho. Estabeleça novos objetivos e se esforce para conseguir um pouco mais a cada vez.

5. Aceite feedback

Procure por feedback crítico. Se você não sabe como você está se saindo, você não sabe como melhorar.

6. Trabalhe seus pontos fracos

Enquanto muitos de nós focamos em coisas nas quais já somos bons e nas quais nos sentimos confortáveis, aqueles que se tornam melhores trabalham as suas fraquezas.

Para ler mais:

Curso de Python gratuito: https://www.coursera.org/course/interactivepython

Daniel H. Pink, “Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us”

Deci and Ryan, “Facilitating Optimal motivation and Psychological Well-Being Across Life’s Domains”

Carol S. Dweck, “Self-theories: Their Role in Motivation , Personality and Development” Philadelphia: Psychology Press, 1999

Mihaly Csikszentmihalyi, “Beyond Boredom and Anxiety: Experiencing Flow in Work and Play” San Francisco: Jossey-Bass, 2000

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