Por que a ciência brasileira não funciona… E o que fazer a respeito.

O intercâmbio pelo Ciência sem Fronteiras me fez descobrir um dos motivos pelos quais a ciência brasileira é fraca. Um projeto iniciado há um ano começa a mostrar resultados.

Polyteck
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5 min readAug 2, 2014

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Há pouco mais de um ano voltei do intercâmbio nos EUA. A experiência pelo programa Ciência sem Fronteiras na University of Pennsylvania, me fez perceber a falta de interdisciplinaridade e comunicação nas universidades brasileiras. Quando voltei ao Brasil encontrei várias “paredes” separando os departamentos: era rara a troca de conhecimento entre alunos e docentes de diferentes disciplinas. Ao comparar as realidades das duas universidades, UFPR vs UPenn, pensei que este poderia ser um dos motivos que fazem o Brasil apresentar um desempenho tímido em tecnologia e ciência de ponta. Afinal, se as pessoas não pensam fora da caixinha e não têm contato com ideias diferentes das habituais, elas sempre farão mais do mesmo!

Pois bem, eu não tinha como provar isso: não tinha nenhuma evidência para a minha hipótese. Era só uma percepção. Mesmo assim consegui convencer alguns colegas de que esse era um problema que enfrentávamos nas nossas universidades (essa parte até que não foi tão difícil), mas mais do que isso, eu os convenci de que era nossa responsabilidade mudar esse quadro. Eu acreditava que se os alunos e professores tivessem um pouco mais de contato com temas de outras disciplinas, talvez eles pudessem ter novas ideias para, de alguma forma, alavancar o desenvolvimento da ciência brasileira.

Foi mais ou menos assim que a Revista Polyteck nasceu: convenci dois amigos, além de mim mesmo, a trabalhar e investir nosso próprio dinheiro para criar uma revista de tecnologia e ciência que seria distribuída gratuitamente para universitários. A ideia era criar uma publicação que rompesse essas “paredes departamentais” e auxiliasse estudantes e professores no desenvolvimento de tecnologia e ciência de ponta.

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Edição da Polyteck que influenciou pesquisadores a criar uma nova teoria semântica.

Edição da Polyteck que influenciou pesquisadores a criar uma nova teoria semântica.[/caption]

Bom, a história completa da Polyteck vai ter que ficar para um próximo artigo, pois o que importa para esta postagem é que em janeiro deste ano publicamos uma edição que trazia Redes Neurais como tema de capa. O artigo em questão trata sobre uma rede de mil computadores, desenvolvida num laboratório do Google, que conseguiu aprender a diferenciar rostos humanos de gatos a partir de frames do YouTube.

Agora, lembra da ideia de que quebrando as barreiras entre as disciplinas poderíamos alavancar a ciência brasileira? Eu não tinha nenhuma prova disso… até o final desta semana. Explico:

Recentemente o professor Adonai Sant’Anna (UFPR) relatou em seu blog que, influenciado por este artigo sobre Redes Neurais, decidiu levar a cabo uma ideia que estava dormente há cerca de cinco anos. Assim ele desenvolveu, em parceria com o matemático Newton da Costa (UFSC) e o filósofo Otávio Bueno (University of Miami), uma teoria matemática que explica a semântica das linguagens naturais. A proposta, na forma de artigo científico, foi submetida para publicação em um conhecido periódico dedicado a estudos sobre a mente.

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Professor Adonai Sant'Anna publicou no seu blog, Matémática e Sociedade, uma explicação da teoria que desenvolveu em conjunto com Newton da Costa e Otávio Bueno.

Professor Adonai Sant’Anna publicou no seu blog, Matémática e Sociedade, um resumo da teoria que desenvolveu em conjunto com Newton da Costa e Otávio Bueno.[/caption]

“Este artigo que Bueno, da Costa e eu submetemos para publicação foi inspirado em uma ideia que estava engavetada há cerca de cinco anos.” Explica o professor Adonai Sant’Anna. “A grande motivação para levar tal projeto adiante foi uma reportagem recentemente publicada pela revista Polyteck. Trata-se de um artigo sobre o cérebro Google, uma rede de mil computadores que conseguiu aprender (isso mesmo, aprender!) a diferenciar rostos humanos de rostos de gatos. A ideia de que é possível conceber um programa de computador que crie categorias de objetos de uma mesma natureza (como faz o cérebro humano) foi o ponto de partida para crermos que tais categorias se identificam com os conjuntos de significados de strings que usamos em nosso formalismo. Ou seja, acreditamos que nosso trabalho seja um passo para a concepção de máquinas que não apenas aprendam conceitos, mas que também sejam capazes de expressar linguisticamente tais conceitos.”

Ok. Agora olhe para a equipe da Polyteck: o Fábio Rahal é doutorando em Engenharia e Ciência dos Materiais, a Raisa Jakubiak é Bacharela em Física e eu ainda nem concluí a minha graduação em Física. Não temos nenhum pesquisador A do CNPq na nossa equipe, não somos jornalistas científicos, nem somos associados a alguma instituição de ensino. No mundo acadêmico nós somos simplesmente “desconhecidos”.

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A Polyteck não se enquadra em nenhum dos Critérios de Eligibilidade do edital de fomento a publicações científicas do CNPq.

A Polyteck não se enquadra nos Critérios de Eligibilidade do edital de fomento a publicações científicas do CNPq.[/caption]

Não recebemos apoio financeiro de nenhuma universidade, governo ou agência de fomento. Aliás, somos exatamente a antítese do que o CNPq exige para financiar uma revista científica. No começo quem nos apoiou foi o nosso próprio dinheiro. Depois de um tempo tivemos apoio dos empréstimos bancários, e mais recentemente encontramos empresas que acreditaram na nossa proposta e passaram a nos apoiar. São exemplos a Latino Australia Education, a Tecnicópias e a Identifique. Apesar dos apoios, as parcelas dos empréstimos persistem, e ainda não temos condições financeiras de levar a Polyteck para mais instituições.

Agora eu penso… Se “três desconhecidos” conseguiram criar uma revista científica e distribuir (até agora) 65 mil exemplares gratuitamente para universitários. Se “três simples alunos” influenciaram um grupo de pesquisadores a desenvolver um trabalho científico de ponta. Se só três fizeram isso… Imagine o que acontecerá quando mais “desconhecidos” tomarem para si a responsabilidade de mudar alguma coisa neste país? Imagine quando mais bolsistas do Ciência Sem Fronteiras voltarem ao Brasil com coragem para transformar as nossas universidades? Eu consigo imaginar.

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