O Argumento Ontológico e a Impossibilidade Lógica/Metafísica do Politeísmo.

Paulo Vitor Siqueira
Ponderationes Teofilosóficas
4 min readSep 1, 2019

Como o argumento ontológico pode demonstrar a impossibilidade do politeísmo? Primeiramente, claro, é preciso que você — leitor — conheça o argumento em questão. Você pode ter uma introdução a ele neste link: Argumento Ontológico — Uma Breve Explanação — de Anselmo a John Locke. Porém, é preciso dizer que ainda que você não aceite o argumento ontológico como argumento, isto é, como fato que realmente demonstra a existência do maior ser concebível, todavia pense que a definição Anselmiana de Deus esteja correta; então, acompanhe o raciocínio do post, pois o raciocínio será válido tanto para aquele que aceita o argumento ontológico, como para aquele não o aceita, mas pensa que, se Deus existe, ele deve ser o maior ser concebível, como apontou Anselmo.

O raciocínio, na verdade, não é difícil, pelo contrário, este post será curto e simples. Assim se desenvolve o raciocínio: Deus, de acordo com Anselmo, deve ser o maior ser concebível, isto é, o ser acima do qual não se pode pensar nada maior, perfeitíssimo. O que isso significa? Significa que Deus, no mínimo, deve conter todos os atributos de perfeição imagináveis. Pois, se não os possuir, então é um ser acima do qual pode ser pensado maior; logo, não é o maior ser concebível.

Posto isso, basta pensarmos em todas as qualidades possíveis e hiperbolizá-las, por exemplo, sabemos intuitivamente que “amor” é uma qualidade, portanto Deus deve ser todo amoroso, a justiça também é uma qualidade, isto é, algo bom; portanto, Deus deve ser todo justo. Em suma, Deus é onipotente, onisciente e moralmente perfeito, porque é melhor saber de todas as coisas do que ignorar alguma, é melhor ter poder para fazer todas as coisas possíveis do que para fazer somente algumas, e etc… Ora, a primeira objeção que pode ser feita ao politeísmo através do argumento ontológico é que, se existe mais de um deus, eles precisam ser distintos uns dos outros. Porém, e esse é o ponto nevrálgico, se algum deus possui algo que o outro deus não possui, segue-se que um dos deuses tem deficit de alguma característica de perfeição e, portanto não pode ser o maior ser concebível, logo não pode ser Deus. Porque é maior — qualitativamente — o ser que não possui deficit de nenhuma característica de perfeição.

Neste momento, alguém poderia objetar, dizendo: Mas isso não se aplica se eu pensar em vários deuses iguais com as mesmíssimas características. Porém, com isso, surgem três problemas. Primeiro, se não há nenhuma diferença entre os deuses, como distinguí-los? É impossível fazer distinção dentre os deuses se eles não possuem diferenças — possuir algo que o(s) outro(s) não possui(em).

O segundo problema é a Navalha de Occam. A Navalha de Occam é um princípio filosófico, amplamente aceito, que diz que não devemos multiplicar os princípios além do necessário arbitrariamente, isto é, sem nenhuma boa razão. Assim sendo, tentar escapar da objeção afirmando que os deuses são idênticos, é multiplicar os princípios arbitrariamente, visto que um único deus seria suficiente para tudo o que vários deuses poderiam fazer juntos.

Isso nos leva ao terceiro problema. Ora, se os deuses são exatamente iguais, segue-se que a existência de um deles é indiferente, pois tudo o que um dos deuses faz e é, o(s) outro(s) também faze(m) e é/são. Neste ponto, porém, alguém poderia objetar que tais deuses são iguais em natureza, mas não iguais nas ações, isto é, eles podem agir de forma diferente sob as mesmas circunstâncias, não obstante serem exatamente iguais em natureza. Entretanto, tal objeção falha por não considerar que a natureza de deus é o ground de suas ações, isto é, que deus sempre age de acordo com sua natureza, de acordo com aquilo que ele é. E tentar negar que sua natureza seja o ground de suas ações, é negar que deus seja o maior ser concebível, porque, assim sendo, não haveria coerência entre aquilo que deus é e aquilo que deus faz, o que é, obviamente, um defeito.

Portanto, como supracitado, se a existência de um dos deuses é indiferente, visto que não faria a menor diferença se um deles deixasse de existir, segue-se que a existência dele é inútil. Porém, o maior ser concebível não pode, de forma alguma, ser inútil, visto que é melhor ser útil que inútil; Destarte, não pode ser Deus.

Assim sendo, se a definição tradicional de Deus estiver correta, o politeísmo se torna logica e metafisicamente impossível.

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