Haile Selassie e a origem da Copa Africana de Nações

Bruno Negrão
Ponta de Lança
Published in
4 min readJul 24, 2020

Haile Selassie foi o último imperador etíope, líder pan-africanista e é considerado um Deus pelos rastafáris. Além disso, é um dos idealizadores da Copa Africana de Nações —o principal campeonato de futebol do continente africano.

Em 1920, o ativista jamaicano Marcus Garvey profetizou: “Olhem para a África: quando um rei negro for coroado, a redenção estará próxima”. Poucos anos depois, em 1930, Haile Selassie foi coroado rei da Etiópia, país que nunca esteve sob domínio dos imperialistas, e muitos acreditaram que a profecia estava concretizada. O nome de batismo de Selassie, Ras (príncipe) Tafari Makonnen, deu origem ao movimento rastafári. Ainda que adepto ao cristianismo etíope, ele passou a ser considerado um Deus para os seus seguidores. Além disso, Selassie também é um dos descendentes diretos de Salomão, antigo rei de Israel.

(Foto: Divulgação)

Haile Selassie, assim como Marcus Garvey, possuía influências pan-africanistas. O imperador foi um dos fundadores da Organização da Unidade Africana (OUA), em 1963, cujo um dos objetivos era contribuir com a união das lideranças africanas visando a libertação do continente (um detalhe curioso: Marcus Garvey, autor da profecia, não considerava Haile Selassie como um Deus — pelo contrário, o jamaicano realizou duras críticas ao imperador após a invasão italiana ao território etíope).

Por mais que o futebol tenha origens britânicas, e a Inglaterra tenha sido uma das nações que mais lucrou com o imperialismo em solo africano, Haile Selassie sabia do potencial do esporte como formador da identidade cultural e que ele poderia ser uma das ferramentas responsáveis pela unidade africana contra o colonialismo. Foi por meio do esporte, portanto, que em 1956, representantes da Etiópia, Sudão, África do Sul e Egito fundaram a Confederação Africana de Futebol (CAF) e decidiram realizar uma competição continental de seleções. Surgia, assim, a Copa Africana de Nações (CAN).

A primeira edição da CAN foi realizada em 1957 e contou com a participação de Etiópia, Sudão e o campeão Egito. O torneio era visto como uma possibilidade de manifestar o orgulho da identidade nacional nos países africanos, dado o momento em que o imperialismo começava a perder força no continente. É válido ressaltar que a África do Sul recusou-se a escalar um time multirracial para a CAN de 1957 e, portanto, foi banida da competição — a seleção estreou somente no ano de 1994, após o fim do apartheid. Sendo assim, com apenas três equipes, a Etiópia garantiu vaga direta na final da primeira edição do torneio, porém os egípcios foram superiores e conquistaram o troféu inédito.

O desenvolvimento do futebol na África aparece como um reflexo da luta anticolonial: à medida em que os países africanos conquistavam a sua independência, eles filiavam-se à Confederação Africana de Futebol. Em 1962, a principal competição do continente contou com nove países inscritos (o triplo da primeira edição) e, em 1972, já eram vinte e três inscritos.

Sediada na Etiópia, a Copa Africana de Nações de 1962 deveria ter sido disputada um ano antes, mas foi adiada pela inconsistência política no país. Selassie, então, usou o futebol para estabilizar-se no poder e fortalecer a sua imagem, resultando na conquista do título pelos donos da casa. Na final do torneio, disputada no Estádio Haile Selassie — hoje, Estádio Adis Abeba — a Etiópia derrotou o Egito por 4–2 e o próprio Selassie entregou a taça para o craque do time, Luciano Vassalo, conhecido como “Di Stéfano Africano” devido a sua descendência italiana e habilidade técnica.

O único título continental da Etiópia foi conquistado em 1962. (Foto: Divulgação)

Selassie foi deposto em 1974 e faleceu no ano seguinte, porém a sua influência entre os rastafaris permaneceu. A música War, de Bob Marley, lançada em 1976, é uma homenagem ao seu discurso na Assembléia Geral da Liga da Nações (futura ONU) em 1936. Na Etiópia, Selassie possui uma estátua em frente a União Africana (antiga OUA, Organização da Unidade Africana) e segue como uma das principais lideranças políticas da história do país.

Dentro das quatro linhas, o legado de Selassié permanece: atualmente, a Copa Africana de Nações já está em sua 32ª edição e a competição é, sem dúvidas, uma das maiores manifestações culturais do continente. Disputado a cada dois anos, o troféu do torneio é cobiçado por jogadores e torcedores, sendo um símbolo de afirmação da potência africana.

(Foto: Divulgação)

Neste 23 de julho, celebramos o 128º aniversário de Haile Selassie!

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