Tragédia de Port Said: entre o futebol e a Primavera Árabe
O massacre dos torcedores no estádio nos mostra a relação entre política e futebol no Egito
A confusão generalizada entre os torcedores do Al-Masry e Al Ahly, em 2012, deixou 74 mortos e diversos feridos na chamada Tragédia de Port Said.
No Egito pós-Primavera Árabe, o futebol serviu de isca para os conflitos políticos. O jogo entre as equipes, no Estádio Bür Said, válido pelo Campeonato Egípcio, foi marcado por uma das maiores rivalidades do país- apesar de Al Ahly e Zamalek ainda ser a maior.
Antes mesmo da bola rolar, a torcida do Al-Masry estendeu uma faixa em inglês com os dizeres: “sua morte está aqui”. Assim, as arquibancadas já sinalizavam uma certa tensão.
Dentro de campo tudo parecia tranquilo, mas o pior aconteceria no final do jogo. Após o time de Port Said virar a partida, torcedores da casa invadiram o gramado.
Cerca de 2 mil torcedores do Al Ahly foram encurralados pelos ultras do Al-Masry dentro do estádio, sem que nenhuma proteção policial tenha sido instaurada.
Um dos presentes no estádio Bür Said, o empresário Mohamed Darwich relatou a displicência das autoridades policiais durante a briga entre os torcedores.
“Atrás das saídas das arquibancadas, tem os portões. Esses portões são fechados até a torcida (da casa) sair, aí depois a torcida do rival sai. Essas portas estavam trancadas. Não tinha para onde eles saírem”, relatou.
O contexto da Primavera Árabe e o massacre no estádio
A partida foi realizada em 1º de fevereiro, pouco mais de 1 ano após a revolução no norte africano e que resultou no queda do ditador Hosni Mubarak- após três décadas governando o país.
As manifestações iniciadas em janeiro de 2011, no Egito, tiveram participação crucial dos torcedores do Al Ahly e Zamalek- a maior rivalidade do país-, que participaram dos protestos na Praça Tahrir, no centro de Cairo, a favor da revolução.
Sendo assim, a versão oficial é de que os torcedores organizados do Al-Masry “vingaram” o antigo regime de Mubarak, que fora deposto com o apoio dos ultras do Al Ahly.
A tragédia gerou revolta ainda maior nas ruas de Cairo, onde diversas manifestações aconteceram dias após o jogo pedindo que os verdadeiros culpados pelo massacre fossem responsabilizados.
Mesmo diante da dor dos familiares que perderam os entes em Port Said, o Al Ahly se sagrou campeão da Liga dos Campeões da CAF no mesmo ano.
Naquele ano, a liga nacional acabou suspensa devido às mortes e o luto vivido pelo país depois da tragédia anunciada.
Dessa forma, o que restou ao elenco do Al Ahly foi a competição intercontinental, e a mais importante do futebol africano.
“Entre nós do clube, a única coisa que nos fez voltar a campo foi a promessa que fizemos às famílias dos mortos: vencer a Liga para honrar a memória dos mártires”, disse Geddo, o atacante do clube na época.
Após cinco anos do acontecido em Cairo, e diversas confusões entre torcidas e a polícia do país, a Justiça condenou 10 torcedores à pena de morte, outros 10 em prisão perpétua, além das punições menores.
A tragédia de Port Said foi o capítulo mais doloroso do futebol egípcio, que por muitas vezes cruzou-se com os rumos conturbados do país. No Egito, futebol e política se misturam, sim.
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