Você sabia que brasileiros já venceram a Copa Africana de Nações?

Ponta de Lança
Ponta de Lança
Published in
6 min readJun 24, 2019

Dentro ou à beira do campo, três personagens brasileiros escreveram páginas de glórias em enciclopédias sobre o futebol africano. No pôster de campeão, a bandeira do Brasil deu lugar às flâmulas de Nigéria e Tunísia. Foi do outro lado do Atlântico, a milhares de quilômetros de casa, que o treinador Otto Glória, o lateral-esquerdo Clayton e o atacante Francileudo sagraram-se campeões continentais.

Por Rubens Guilherme Santos

O CONDUTOR DAS SUPER ÁGUIAS EM 1980

O primeiro brasileiro a gritar “é campeão” na Copa Africana de Nações foi o treinador carioca Otto Glória, no comando da Nigéria, em 1980. Otaviano Martins Glória nasceu em 9 de janeiro de 1917, no Rio de Janeiro (RJ). Iniciou sua vida esportiva no futebol, com passagens como jogador pelas equipes do Olaria, Botafogo e Vasco da Gama. De forma precoce, logo aos 25 anos, decidiu pendurar as chuteiras. Trocou o futebol pelo basquete. Nas quadras, acumulou experiências como atleta e posteriormente como técnico. Após um período no esporte da bola laranja, voltou a trabalhar com a bola redonda. Inseriu conceitos táticos e estratégicos do basquete no futebol, como marcação por zona, triangulações ofensivas e posse de bola. Numa época em que o esporte ainda era amador, Otto estudava o jogo e o tratava com muito profissionalismo.

Otto Glória foi o primeiro brasileiro a conquistar a Copa Africana de Nações (Foto: Getty Images)

No Botafogo, foi assistente de Zezé Moreira no título carioca do Fogão em 1948 e, na mesma função, foi campeão sul-americano com o Brasil e vice-campeão mundial em 1950. Mais tarde, em 1951, assumiu o comando do Vasco após a saída de Flávio Costa, treinador da seleção canarinho no ano anterior. Após desempenhar trabalhos de destaque no Vasco e no América-RJ, partiu para a Europa para consolidar seu nome na história do futebol. Durante uma excursão do Mecão no Velho Continente, no ano de 1954, ele recebeu um convite do então presidente do Benfica, Joaquim Ferreira Bogalho, para assumir o cargo de treinador. Revolucionou o clube dos Encarnados, onde foi multicampeão nacional, com nove conquistas em duas passagens. Foi o primeiro a treinar os quatro grandes de Portugal (Benfica, Sporting, Porto e Belenenses) e faturou 10 títulos lusitanos ao todo. Nos anos 1960, teve passagens pelo Olympique de Marselha, na França, e pelo Atlético de Madrid, na Espanha. Entretanto, o maior feito nessa década foi conduzir a seleção portuguesa de Eusébio ao terceiro lugar na Copa do Mundo de 1966. Otto inclusive eliminou o bicampeão Brasil na fase de grupos, derrotando os canarinhos por 3 a 1, naquela oportunidade.

No Brasil, ainda comandou a Portuguesa (campeão paulista de 1973), Grêmio, Comercial-SP e Santos. No México, dirigiu o Monterrey. Em 1979, liderou uma bela campanha na Copa Brasil que culminou no vice-campeão brasileiro do Vasco. Notabilizou-se por frases como “quando o time ganha, o técnico é bestial; quando perde, é uma besta” e “não se faz omeletes sem ovos”.

Embora tenha faturado inúmeras taças na carreira, uma conquista de Otto Glória poucas vezes é mencionada quando o seu nome é citado. O carioca treinou a Nigéria de 1980 a 1982. Era o comandante na conquista do primeiro título dos nigerianos na CAN, em 1980. Jogando em casa, as Super Águias foram campeãs invictas da competição, batendo a Argélia na final pelo placar de 3 a 0, diante de 85 mil torcedores no Estádio Surulere, em Lagos. Por ter sido o primeiro título da Nigeriana na história, até hoje a campanha é relembrada pela imprensa nigeriana com muito carinho.

Gols da final da CAN de 1980

Encerrou a carreira em 1983, após um modesto sétimo lugar com o Vasco no Carioca. Morreu em 4 de setembro de 1986, aos 69 anos de idade, vítima de insuficiência renal aguda. Por suas frases, inovações e conquistas dentro e fora das quatro linhas, ocupa um lugar privilegiado na galeria de grandes treinadores da história.

A DUPLA MARANHENSE QUE FEZ HISTÓRIA NA TUNÍSIA EM 2004

Uma dupla de brasileiros fez história na CAN de 2004. Os maranhenses José Clayton e Francileudo Santos foram peças fundamentais na campanha da Tunísia campeã africana naquele ano.

José Clayton Menezes Ribeiro nasceu em 21 de março de 1974, em São Luís. O lateral-esquerdo começou a carreira em sua cidade natal, no Moto Club, aos 17 anos. Nas duas primeiras temporadas como profissional, foi campeão estadual. Em 1994, aos 20 anos, o jogador transferiu-se para o Étoile du Sahel, da Tunísia. No norte da África, o lateral colecionou passagens por quatro clubes: Étoile du Sahel, Espérance, Stade Tunisien e Stade Gabèsien. Por lá, Clayton foi tetracampeão nacional e campeão da Copa das Confederações da CAF. Além dos clubes tunisianos, o lateral defendeu o francês Bastia, o Al Sadd, do Qatar, onde foi campeão nacional, e o turco Sakaryaspor.

Clayton foi o primeiro brasileiro a fazer sucesso com a seleção tunisiana (Foto: Arquivo Pessoal)

Francileudo dos Santos Silva Lima, apenas Francileudo ou Santos, nasceu no dia 20 de março de 1979, em Zé Doca, no Maranhão. Começou a carreira nas categorias de base do Sampaio Corrêa. Antes mesmo de figurar no elenco principal do tricolor maranhense, transferiu-se para o futebol belga. Estreou como profissional no Standard Liége em 1996.

Com pouco espaço e com problemas de adaptação no time belga, o atacante transferiu-se para o Étoile du Sahel, em 1998. Logo em sua primeira temporada na nova casa, o brasileiro foi artilheiro do campeonato tunisiano com 14 gols e conquistou a Copa das Confederações da CAF. Atuou ainda pelos clubes franceses Sochaux, Toulouse, Istres e Belfort e pelos suíços Zurich e Porrentruy. Na França, foi campeão e artilheiro da Ligue 2 na temporada 2000/01 com 21 gols e campeão da Copa da Liga em 2003/04, todas as conquistas pelo Sochaux. Na Suíça, conquistou o campeonato nacional pelo Zurich, em 2006/07.

O primeiro dos dois jogadores brasileiros a vestir o branco e vermelho das Águias de Cartago foi Clayton. Em 1998, quando defendia o Étoile, o jogador se naturalizou tunisiano e foi um dos convocados para a Copa do Mundo da França.

Já Francileudo naturalizou-se apenas em 2003, às vésperas da CAN de 2004. Ele alimentava o sonho de vestir o verde e amarelo do Brasil, mas nunca foi lembrado pelos treinadores da seleção canarinho. E mesmo com uma curta passagem pelo Étoile, quando jogava no Sochaux, o artilheiro decidiu defender o país que o acolheu.

Francileudo é um dos maiores ídolos da seleção da Tunísia (Foto: Getty Images)

Juntos, Clayton e Francileudo viveram o momento mais importante da carreira na Copa Africana de Nações de 2004. Jogaram o torneio continental no país que os acolheram. Com o apoio da torcida, os dois foram essenciais para a conquista do título. O atacante marcou 4 gols ao todo, incluindo um na final, e foi um dos artilheiros do torneio. Já o lateral-esquerdo chutou a bola que sobrou para o segundo gol do jogo, marcado por Jaziri, que garantiu a vitória por 2 a 1 e a taça para os donos da casa. A final realizada no Estádio 7 de Novembro, em Radès, contou com um público de aproximadamente 65 mil pessoas.

Gols da final da CAN 2004

Clayton encerrou a carreira em 2008, com 34 anos, quando atuava no Stade Gabèsien. Pela seleção das Águias de Cartago, o lateral disputou 39 jogos e marcou 4 gols. Participou da campanha dos africanos no mundial, que ficaram na última colocação do Grupo G, com apenas um ponto somado. Nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, com 30 anos, foi convocado como jogador de sobre-idade para representar a Tunísia. Marcou um gol na competição. O país não passou da primeira fase do torneio e somou quatro pontos.

Em 2016, aos 37 anos, depois de um período defendendo o Porrentruy, Francileudo decidiu se aposentar do futebol. Pela seleção do norte da África, disputou a Copa das Confederações de 2005, a Copa do Mundo de 2006 e ainda a Copa Africana de Nações em 2004, 2006 e 2008. No total, foram 40 partidas pela seleção e 22 gols marcados. Tem 10 gols em três edições disputadas da CAN.

Dois maranhenses, dois ídolos tunisianos. Para lograr a maior conquista de sua história no futebol, as Águias de Cartago contaram com uma colaboração mais que especial de dois brasucas.

--

--