Insights pelo futuro da educação e do planeta

Lidia Zuin
Ponto Ômega
9 min readNov 23, 2016

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Dos dias 17 a 19 de novembro estive acompanhando o evento ColaborAmerica, que aconteceu no Rio de Janeiro. Reunindo mais de duas centenas de palestrantes brasileiros, latino-americanos, indígenas, europeus e americanos, o evento foi organizado pelas empresas OuiShare, Sistema B e Matéria Brasil, com a intenção de discutir e pensar o momento de transição em que nos encontramos. Mas, mais do que isso, o festival propôs ainda repensar o termo “crise” que tem rotulado esse período para entendê-lo menos pelo ponto de vista escatológico e mais como um alerta para a mudança.

O evento contou com diferentes palestras, debates e workshops simultâneos, sendo que o tema da educação foi discutido em vários momentos, de diversos pontos de vista: de métodos a iniciativas, de propostas a novas formas de pensar e ver o conceito de educação e de sistema educacional. Alguns exemplos apresentados lá foram A Casa Sou.l, que constrói processos educacionais sob demanda (facilitações, palestras, cursos completos ou vivências), O Instituto Educadigital (organização sem fins lucrativos que propõe projetos inovadores de uso pedagógico de tecnologias digitais) e o Extramuros (projeto pedagógico descentralizado, desterritorializado e descontextualizado focado em crianças). Ainda, vale a menção ao projeto FEX (Future Explorers) criado por Bruno Macedo e que utiliza um jogo de realidade alternativa (alternate reality game) para fazer com que alunos do ensino médio pensem sobre o futuro, imaginando cenários e ações tecnológicas e humanas que podem ser feitas para impactar a humanidade.

Gottfried Helnwein e família em seu castelo da Irlanda

Mas antes de entrar no assunto, quero fazer uma digressão para uma ideia que entrei em contato durante o mestrado, por volta de 2012 e 2013, quando tive a oportunidade de conhecer o pintor austríaco Gottfried Helnwein e saber mais sobre as ideias que fazem parte da sua obra focada em crianças, guerra e escuridão. Um dos temas frequentemente abordados pelo artista é sua opinião sobre o sistema educacional como uma das raízes de um processo de castração e de moldagem da criança para uma visão fixa do que é ser adulto. Seria a escola, portanto, uma das responsáveis por eliminar a capacidade criativa, lúdica e imaginativa da criança para que esta se enquadre no padrão de maturidade e profissionalização exigidos pelo mercado e pela sociedade.

Na entrevista que me concedeu em 2013, quando também expôs uma retrospectiva de sua obra na Galeria Albertina em Viena (assim conquistando a maior visitação na história do local), Helnwein comentou sobre seu interesse em crianças, na preciosidade que existe nelas, sua essência e possibilidades que representam:

Você olha para uma criança e há todo um potencial utópico. Tudo é possível quando você olha para uma criança. E então, de alguma forma, comecei a ficar chocado em como a sociedade destrói isso em diferentes níveis, a partir da educação, através de manipulação. As crianças perdem o brilho que tinham no começo. Eles perdem cada vez mais e, quando você olha para os adultos não sobrou muito mais ali. A esperança, a chama que brilha nos olhos das crianças… Elas têm imaginação, contam histórias, inventam coisas. O universo delas é ilimitado. Mas para os adultos, tudo é limitado, eles têm medo das coisas, são ansiosos, perderem seu próprio universo.

Tanto por conta de sua vivência como uma criança que cresceu na Viena pós-Segunda Guerra Mundial e pelo adulto que se tornou, isto é, um artista, Helnwein decidiu criar seus filhos com liberdade, inspirado por uma citação de Pablo Picasso: “Todas as crianças são artistas. O problema é como permanecer um artista quando você crescer.” Em entrevista para a Esquire, em 2012, o artista foi questionado sobre qual seria a obra que o fazia mais orgulhoso de si mesmo. Em resposta, ele disse:

Acho que a melhor coisa que fiz é a forma como criei meus filhos. Dei a eles liberdade infinita, respeito e amor. Quando você tem um filho, a coisa mais importante é respeitá-lo ou respeitá-la como alguém único, precioso e importante. Mesmo que ele seja pequenino, pense nele ou nela como uma grande personalidade

Acho que fiz isso do jeito certo: meus filhos tiveram liberdade, eles sempre estiveram em contato com a arte. Talvez seja por isso que todos eles se tornaram artistas — músicos, pintores e escritores — e isso é algo que me faz feliz.

Eu tenho uma família grande, com um monte de filhos e netos, e a melhor parte é que eles são todos artistas; então quando nós nos reunimos para o jantar, é um prazer brincar com eles e conversar sobre arte, música, política, história e filosofia.

Um exemplo contemporâneo de como reinventar a escola ou de como reinventar o ensino é a Perestroika. A iniciativa surgiu como uma “escola de atividades criativas” que utiliza o método do experience learning como forma de capacitar profissionais em diferentes áreas como futurismo, design, empreendedorismo e outras. Em um primeiro contato com um dos sócio-fundadores, o futurista Tiago Mattos, tive a oportunidade de saber mais sobre sua visão a respeito do futuro do trabalho em um Hangout que acabou incluindo também uma amostra da ideia de que o modelo escolar atual, e que vem sendo praticado há pelo menos um século, segue como desdobramento da revolução industrial. Isto é, o modelo de ensino que temos e que a grande maioria de nós foi formada é um modelo fabril que molda crianças (alunos) para se tornarem operários de uma fábrica.

Clipe da música Another brick in the wall da banda Pink Floyd

Mattos chamou a atenção para o fato de que, tanto na escola quanto em uma fábrica, há regras disciplinatórias semelhantes, sendo o alarme um dos exemplos mais óbvios. E essa observação, já feita por Horace Mann no século 18, hoje é retomada de forma ainda mais gritante no discurso dos futuristas e de pessoas que pensam nas transições pelas quais estamos passando. A questão que fica, portanto, é como iremos moldar nosso futuro para poder solucionar problemas que foram criados durante as últimas décadas, por conta de comportamentos predatórios, como o consumismo dos anos 1990 que gerou poluição, desmatamento, condições de trabalho insustentáveis, prolongando assim o pensamento com origem na Primeira Revolução Industrial de que felicidade está atrelada ao consumo e que status social está atrelado ao poder aquisitivo.

Iniciativas como o ColaborAmerica e pessoas que estão trabalhando e estudando o tema da economia colaborativa querem dar um passo a mais no que empresas como a Uber e a AirBnB têm feito a partir de uma economia compartilhada. Com inspiração na ancestralidade de tribos indígenas, como por exemplos Kayapo, empreendedores brasileiros da economia colaborativa tentam propôr um novo mindset e uma nova forma de encarar a prática empresarial e comercial, deslocando o foco do lucro para também ações sociais. Durante o festival, índios kayapos foram convidados para dar um depoimento não só sobre sua cultura, mas também de que forma eles mesmos têm atuado como empreendedores em benefício de sua comunidade. Para além da fala de Panhngroti Kayapo, a apresentação de Fernando Niemeyer sobre a tribo também esclareceu como os kayapos não estão interessados em produzir mais do que precisam e talvez seja por isso mesmo que não há ninguém passando fome e necessidade: todos os membros se sentem conectados, seja pela família ou por laços de sangue compartilhados com o restante da comunidade. E, acima de tudo, o pensamento indígena não está familiarizado com números e uma matemática complexa. Sabem contar até três e isso já é suficiente para que mantenham a tribo em equilíbrio, conservando seus hábitos e principalmente a natureza — Niemeyer, aliás, comentou que a língua kayapo também não inclui uma palavra para “natureza”, justamente pelo fato de ela estar tão integrada à vivência tribal.

Nesse sentido, a apresentação de Michelle Sander, que também é associada à Perestroika, elucidou ainda como o mundo e as sociedades passam por períodos de apogeu e de queda, que pode ser entendida como crise ou ainda como uma oportunidade de mudança. Ela acredita que, durante os anos 90 e começo dos 2000, a sociedade ocidental atingiu o seu pico de produtividade e que agora, tanto por questões ambientais, econômicas ou sociais, é preciso mudar nosso comportamento, a começar pela educação.

Mais do que aquilo que é desenvolvido nas escolas, Michelle indicou o hábito que temos de dizer que certas atitudes podem não ser praticadas, por exemplo jogar lixo no lixo, por “falta de educação”. A educação, portanto, vai além da apreensão das ciências biológicas, exatas e humanas, mas na formação de um pensamento complexo e de uma capacidade de ser flexível, de não ter certezas absolutas e de não se formatar em “caixinhas”. Em outras palavras, talvez hoje estejamos com um pensamento ou uma opinião, mas talvez amanhã novas descobertas façam com que mudemos nosso posicionamento e assim seguiremos mais flexíveis, portanto mais compreensivos e mais abertos a novos e distintos conhecimentos que podem nos permitir pensar de forma exponencial, como sugere Mattos, em vez de continuarmos restritos à narrativa linear do modelo anterior.

Assim como também discutido por outros palestrantes, o papel do professor no futuro é menos o daquele que dita e impõe conhecimentos e métodos para se tornar, na realidade, um facilitador do aluno. Isso pode ser pensado tanto do ponto de vista do formato, associado a diferentes gadgets e tecnologias, quanto da visão, dita holística, do professor sobre o aluno: pensar o último menos como um alumni, isto é, aquele que não tem luz e que precisa ser esclarecido (daí trazendo o pensamento iluminista) para trabalhar em parceria e troca de aprendizagens e conhecimentos.

O fato de que o dicionário Oxford escolheu como palavra do ano o termo “pós-verdade”, isto é, a preferência por informações de carga emocional acima do que é comprovado, mostra não apenas o excesso e propagação de informações falsas como também a incapacidade de leitura e criticidade diante das mesmas. Mais do que impor um conhecimento enciclopedista, o professor (universitário ou não) precisa adotar uma postura menos focada no ego e na imposição de conteúdos fichados ao estilo Lattes (que inclusive é, ele mesmo, criticado pelos professores) e ter uma abordagem mais empática na sala de aula, fornecendo ferramentas para que o aluno possa ser crítico e, inclusive, também capaz de questionar o que está sendo ensinado a ele. Isto é, permitir que o aluno não aceite imediatamente tudo o que lhe é passado apenas à base da reputação e autoridade representadas pela figura do professor e das instituições de ensino.

Mais do que querer que seus alunos e orientandos usem sua obra e seus pensamentos como citação em seus trabalhos, o professor precisa superar o sentimento narcísico da conquista e da trajetória acadêmica para pensar em um sentido mais amplo e colaborativo de que seus conhecimentos foram adquiridos para serem compartilhados, aprimorados e expandidos. Para isso, também precisaremos nos livrar de inflexibilidades como o vestibular e a grade curricular pensada apenas em um suposto mercado — daí o método de ensino inspirado na produção industrial. Por outro lado, o mercado, ele mesmo, não cessa em se modificar e de se tornar cada vez mais complexo, portanto tal rigidez no formato de ensino não só tende à defasagem como também é ineficiente na promoção de mudanças de mentalidade e de posturas para um momento como o qual nos encontramos: de crise, mas também de mudança.

Como também abordado no ColaborAmerica, em especial na fala do economista Sergio Besserman sobre Economia Circular e Baixo Carbono, o planeta já passou por diferentes fases de desequilíbrio e inclusive de extinção de espécies: em bilhões de anos de Terra, os seres humanos estão aqui há apenas 200 mil e não passam de “coceirinhas” no planeta que vai saber lidar com isso. No entanto, talvez a reestruturação que pode ser feita pela Terra exija mais uma extinção e, nesse caso, é provável que nós mesmos sejamos culpados pela nossa própria ruína se nos mantivermos inflexíveis em nossa configuração atual.

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Lidia Zuin
Ponto Ômega

Brazilian journalist, MA in Semiotics and PhD in Visual Arts. Researcher and essayist. Technical and science fiction writer.