Pluvi.On: hackeando a chuva pela prevenção de desastres
Uma entrevista com Diogo Tolezano e Pedro Godoy
Todos os anos, a mesma situação se repete em boa parte das cidades brasileiras: chega o período de chuvas e a apreensão pela ocorrência de enchentes e deslizamentos torna-se recorrente nas conversas do cotidiano. Diversas iniciativas para a gestão do risco de desastres são anualmente debatidas e aprimoradas pela comunidade acadêmica, técnica e a sociedade como um todo, em uma constante corrida contra o tempo que sempre nos dá uma impressão de estarmos em desvantagem. E é justamente com o intuito de colaborar nesta corrida que surge o Pluvi.On: uma rede de pluviômetros de baixo custo que atua na coleta de dados e facilita a comunicação entre a produção técnica e a comunidade. Tudo open source e em tempo real.
O Pluvi.On baseia-se na ideia dos pluviômetros clássicos, usados há décadas como um dos principais instrumentos para a gestão de situações de enchentes e deslizamentos pela Defesa Civil e outros órgãos que trabalham mundialmente com o tema. Quando a chuva começa, a pequena caixa transparente do equipamento, localizada em um ponto pré-estabelecido da cidade, começa a coletar a água em um pequena peça chamada bucket, dividida em duas faces que funcionam como uma espécie de mini gangorra. Quando a água da chuva enche uma dessas metades, o seu próprio peso faz com que o bucket tombe em seu eixo, liberando a água ali acumulada no interior do equipamento e expondo a outra face dessa mini gangorra para a coleta. Sempre que isso ocorre, o sistema do Pluvi.On registra a quantidade de milímetros precipitados e, futuramente, calculará a probabilidade de enchente em uma determinada região, com base nos dados de uma rede integrada de pluviômetros. A comunidade tem acesso a esses dados através de várias interfaces, como o São Pedro, um bot para Telegram que informa os dados da estação mais próxima.
Atualmente em fase de aprimoramento, o projeto foi um dos selecionados para a Red Bull Basement em 2016 [um makerspace que serve de residência para desenvolver ideias promissoras] e tem ganhado destaque entre hacklabs, fablabs e espaços maker do país. Sobre toda essa experiência em torno da criação do Pluvi.On, conversei com os seus idealizadores, Diogo Tolezano e Pedro Godoy. Essa conversa sobre Arduino, Internet das Coisas, Inteligência Artificial e tecnologias livres você confere na íntegra, a seguir.
Oi, Pedro e Diogo! Acho que não daria pra começar com outra pergunta: por que vocês decidiram trabalhar em um equipamento de dados meteorológicos? De onde surgiu a ideia do Pluvi.On?
O Pluvi.On nasceu da junção de dois caminhos. De um lado, buscávamos mudar nossas carreiras para algo que tivesse mais propósito, mais impacto positivo para o mundo e vínhamos estudando como a Internet das Coisas (IoT) e Inteligência Artificial (AI) poderiam ajudar nesse sentido. De outro lado, tínhamos uma grande inquietação com o tema de enchentes e inundações urbanas. Todos os anos, na temporada de chuvas, sempre nos deparamos com enchentes, inundações e até desabamentos em áreas de risco por todo país. Sabemos que as melhorias de infra-estrutura para solução desses problemas são de longo prazo e altíssimo investimento e, por isso, teríamos que colocar a mão na massa para minimizar os impactos provenientes desses eventos.
Vocês já tinham experiência com projetos do tipo? Quanto tempo se passou da concepção até o que a gente conhece hoje?
Não exatamente. Nosso background profissional é basicamente de consultoria de gestão e processos empresariais. Porém, quando começamos a experimentar Arduino e IoT, chegamos a prototipar a Lumi, uma jaqueta em que ciclistas conseguiriam “dar seta” pelas mangas acionando LEDs nas costas e sinalizando suas intenções de mudar de faixa para os carros e assim, aumentar a segurança em seus trajetos pela cidade. Essa ideia trouxe inúmeros aprendizados que aproveitamos para o Pluvi.On.
A ideia do Pluvi.On foi concebida em junho de 2016. A partir daí, resolvemos construir um primeiro protótipo para provar nosso conceito e, desde então, foram os seis meses mais acelerados que já vivenciamos. :)
Vocês fizeram residência na Red Bull Basement, como foi a experiência de submeter o projeto e como isso se refletiu em avanços na proposta?
Estivemos na residência da Red Bull Basement durante os meses de agosto e setembro de 2016. O grande objetivo dessa residência é evoluir protótipos que impactem positivamente a vida nas cidades. Quando conhecemos a ideia, submetemos o nosso primeiro protótipo, ainda feito em garrafa PET e fomos aprovados para o programa.
Durante os dois meses, passamos por uma série de mentorias de hardware, software e design que fizeram o Pluvi.On chegar no formato atual. Conseguimos alterar completamente o design, manter o produto com baixo custo, além de construir toda a infraestrutura de rede/banco de dados, API e o São Pedro, um bot do Telegram que criamos para as pessoas acessarem as informações do Pluvi.On mais próximo.
Como tem sido participar de grandes eventos colaborativos?
Para nós tem sido uma grata novidade. Acreditamos na importância desses eventos pela exposição e conexões que são geradas a partir das atividades. Nos conectamos com muitas pessoas que já trouxeram excelentes insights para o projeto e também é uma fonte incrível de feedbacks e melhorias. Recentemente realizamos um workshop de produção de Pluvi.On’s no ColaborAmerica, onde pudemos experimentar o processo de construção do hardware por diversas pessoas com diferentes perfis e idades — aprendemos demais com isso!
Com baixo custo de produção em comparação a outros equipamentos, uma complexa rede de dados e uma proposta de interface responsiva para usuários, qual a colaboração que vocês almejam para o Pluvi.On na redução do risco de desastres?
Queremos chegar ao ponto de poder alertar em tempo real sobre os riscos de enchentes e inundações hiperlocalmente.
Entendemos que com uma rede densa de informações abertas de chuva, combinada com outras informações sobre o local, conseguimos aplicar algoritmos de Machine Learning para antecipar se naquela área específica, onde está instalada a estação, pode ocorrer uma enchente ou desabamento.
Acreditamos também que esse projeto só alcançará o impacto que imaginamos se muitas pessoas adotarem, construírem, cuidarem de suas estações e também compartilharem com a comunidade as melhorias e aprendizados. Com o engajamento da população, conseguiremos uma informação estatisticamente relevante para minimizarmos os estragos desses eventos e, potencialmente, até salvarmos algumas vidas.
O movimento maker e as tecnologias livres trouxeram o espírito DIY (Do It Yourself) novamente ao protagonismo. Como vocês acham que estes fenômenos podem impactar na qualidade de vida da população?
Acreditamos que o movimento maker pode acelerar as mudanças que as cidades precisam. Sabemos que o governo tem uma série de demandas, porém é uma máquina mais lenta para a solução de todos os problemas sociais. Hoje, com um acesso mais facilitado ao conhecimento técnico, a espaços de prototipação, como Fab Labs e makerspaces, somado ao barateamento de sensores, armazenamento e processamento de dados, um cidadão comum já pode ter ideias de melhorias na qualidade de vida das cidades e colocá-las no ar de forma rápida e com relativo baixo custo.
O próprio Pluvi.On foi baseado em uma série de tecnologias abertas e projetos open source. Nosso valor foi agrupá-los para uma solução onde ainda não havia sido aplicado.
Para aqueles que têm um projeto em mente e não sabem por onde começar, qual o conselho de vocês?
0) Identifique seu propósito — O que te motiva para dedicar seu tempo pra resolver esse problema? O que te move?
1) Busque referências: existem muitos projetos abertos e bibliotecas disponíveis na internet. Procure por projetos similares, termos parecidos e entenda por onde começar sua ideia.
2) Experimente: buscar referências pode ser uma atividade sem fim. Escolha um caminho pelo qual começar e experimente suas ideias. Teste diferentes sensores, aplicações, algoritmos. Parta do princípio que toda ideia é ruim. Ela só é lapidada quando colocada em prática.
3) Prototipe: é muito mais fácil explicar onde quer chegar e seu propósito com algo concreto e funcional em mãos. Dedique um esforço inicial para concretizar sua ideia em algo “real” e busque também complemento de pessoas que já trabalham com prototipação — dá pra encontrá-los nos makerspaces e Fab Labs, e com certeza podem ajudar muito a encurtar caminhos e acelerar seu protótipo.
4) Divida: divida sua criação com as pessoas. Esqueça os acordos de confidencialidade, propriedade intelectual e coisas do tipo — lembre-se: toda ideia, enquanto ideia, é ruim. Quanto mais feedbacks colher, mais rápido sua ideia avançará.
Para acabar: como será o futuro? É open source?
Acreditamos que o futuro será mais compartilhado, distribuído e abundante. Com mais pessoas compartilhando os recursos já existentes, somado aos avanços da tecnologia, conseguiremos aumentar o acesso, pelo menos aos serviços básicos e, com isso, abrem-se novas possibilidade de criação de mais projetos que gerem impacto positivo.
O open source é um dos caminhos para atingirmos esse futuro. Com mais pessoas compartilhando conhecimentos e melhorando ideias, conseguimos acelerar essa transformação.
Para saber mais: http://www.pluvion.com.br