Sobre o que, enfim, fala Prometheus?

Resgatamos esse ensaio em tempos de Alien: Covenant, que propõe mostrar a origem dos xenomorfos fazendo a conexão entre o primeiro Alien e Prometheus

Lidia Zuin
Ponto Ômega
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19 min readDec 25, 2016

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Texto originalmente publicado no site Contraversão, em 2011.

Uma coisa é certa: já faz uns bons anos que não temos nos cinemas algum filme de ficção científica que realmente faça as pessoas discutirem — talvez desde Matrix (1999)? Isso talvez soe como “fale mal, mas fale de mim”, porém “Prometheus”, de Ridley Scott, tem provocado, tanto na audiência média quanto especializada, uma repulsa que tende a cair em lugares comuns. Estes insistem em apontar os problemas de roteiro, o excesso de personagens coadjuvantes que não se aprofundam, a forte referência à Bíblia ou à religião católica, a grande quantidade de perguntas deixadas em aberto ou, ironicamente, que o filme é explícito demais, a ponto de se tornar óbvio (vide OmeleTV). Tudo isso para justificar e soltar o trocadilho de que “Prometheus e não cumprius”.

O problema é que, em tese, estamos muito acostumados com filmes que oferecem apenas uma bela imagem e uma divertida história — isto é, estamos nos satisfazendo apenas com a camada de entretenimento que uma obra pode ter. Talvez o último lançamento mainstream de filme sci-fi a propor uma trama mais rebuscada foi Inception (2010), de Christopher Nolan, o qual também terminou em aberto e também gerou polêmica por conta das influências de Satoshi Kon (Paprika, 2006) ou mesmo de uma história em quadrinhos do Tio Patinhas. Disso, Prometheus também não escapa, porque sua história é um grande aglomerado de referências múltiplas: narrativas mitológicas, dilemas da cibernética, o binômio inconstante entre a racionalidade e irracionalidade humana, a relação criador e criatura, registros arqueológicos, teorias da conspiração, outros filmes de ficção científica e assim por diante.

A sexualidade no filme

Seria mais fácil, primeiro, tomar o filme a partir de seu discurso amplo, o qual já recebeu interpretações desde o ponto de vista sexual até à questão mais metafísica. A primeira indica que Prometheus traz uma virilidade que se encontra adormecida na tetralogia Alien, cujo foco está na figura feminina de Ellen Ripley (Sigourney Weaver), mas também na presença da rainha Alien, como visto em Aliens (James Cameron, 1986) e em Alien: Ressurection (Jean-Pierre Jeunet, 1997). No Alien (1979) de Ridley Scott, o aspecto feminino é focado nas atitudes defensoras de Ripley que, mesmo diante do inimigo, protege o gato Jones até o fim da obra — o felino, inclusive, retorna em “Aliens”. Neste, a protagonista é novamente maternal ao “adotar” uma garotinha como sua filha, também protegendo-a até os últimos momentos. Ela, no entanto, não sobrevive à sequência, Alien³ (1992), de David Fincher. Aqui, a personagem feminina se vê encurralada e ameaçada pela masculinidade de um presídio apenas para homens, a ponto de Ripley se abster de seus cabelos longos e de roupas que declarem seu gênero. Mas, ainda assim, é ela quem, enfim, lidera a trupe de prisioneiros e, no fim, descobre-se “mãe” de uma criatura que ela mata junto de si, em prol dos outros filhos — a humanidade.

O formato fálico e vaginal do alienígena provindo da junção “minhoca” e gosma negra traz à tona a temática erótica de H.R. Giger

Mas, em Prometheus, a figura do homem se apresenta de maneira mais forte, desde o aspecto físico dos Engenheiros (sendo que só conhecemos espécies do sexo masculino) até a criatura que se formou do encontro entre “minhocas” e o líquido negro germinante: este revigora o aspecto fálico da estética de H. R. Giger, propondo uma forma de falo que, ao se abrir, lembra uma vagina, mas também remonta ao crustáceo que abraça o rosto de suas vítimas hospedeiras nos demais filmes da franquia Alien. Não suficiente, este mesmo ser penetra o corpo de um dos tripulantes, inserindo também um tubo a partir da boca, remetendo ao sexo oral. Esse erotismo de Giger passa despercebido nos outros Alien, mas suas ilustrações à época já propunham um alien de cabeça e corpo fálicos. Com a ajuda da tecnologia 3D, a viscosidade e o relevo dessas formas se tornam ainda mais evidentes. Em contraposição, ainda temos a feminilidade das personagens Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Meredith Vickers (Charlize Theron), sendo que a primeira representa a alma feminina, anima, dotada de irracionalidade e pulsão emotiva, enquanto a segunda traz um viés mais racionalista, porém não suporta ter seu sexo questionado pelo capitão Janek.

A metafísica em “Prometheus”

É notável que Shaw carrega, em seu pescoço, um colar de cruz, do qual não quer se livrar nem mesmo quando está em observação, na ala médica da nave. O acessório, no entanto, tem menos a ver com a sua simbologia cristã do que com o valor simbólico que a personagem tem por ele. Logo no início de “Prometheus”, David (Michael Fassbender) assiste aos sonhos de Shaw, nos quais ela se reencontra com o pai. Este começa a lhe responder questões sobre céu e inferno, sobre o que há após a vida, apesar de ele não saber como argumentar, senão que escolheu acreditar que há um paraíso, já que não se sabe o que realmente há. Isto é, mostra-se que a personagem escolhe ter essa fé, mesmo sabendo, com seu lado racional, de que não é possível provar.

Muito da ciência é baseada nesse conflito entre o inexplicável e o empírico/comprovável, no entanto, com o reforço das propostas ateístas, põe-se a ciência como a única e mais condizente forma de conhecimento a ser seguida pelas pessoas — tanto que Carl Sagan escreveu o livro “O mundo assombrado pelos demônios” (1997), no qual ele praticamente vê a ciência como a luz diante das trevas da irracionalidade (seguindo a lógica do conceito iluminista). Contudo, o próprio Sagan escreve sobre OVNIs e tem conhecimento de astronomia/astrofísica, sendo que justamente esta ciência se fundamenta na crença de que o Big Bang simplesmente aconteceu do nada. E é preciso aceitar isso, porque não se tem (ainda?) como descobrir o que havia antes. Porém, essa fé não é a mesma que simplesmente faz o crente calar e consentir, mas é a que o faz aceitar que certas coisas são inexplicáveis (por enquanto?) mas que, ainda assim, podemos seguir em frente. E é isso que Shaw faz: ela crê em algum ser maior que criou os humanos, mas ela não se contenta apenas com a idéia, tanto que segue seu trabalho arqueológico e inclusive convence Peter Weyland de criar uma missão para levá-la aos confins do universo, em busca dessa dúvida criada pela fé.

Não são só as religiões que pensam numa força criadora de tudo, mas a ciência também busca entender isso, de outras maneiras. Na realidade, é impossível separar totalmente a gnose da ciência, justamente porque seres humanos são uma mistura desequilibrada e em constante turbulência de elementos racionais e irracionais. E é por isso que Peter Weyland (Guy Pearce), mesmo sendo um dos maiores nomes da cibernética, vai ao espaço para tentar encontrar o seu criador: ele não sabe quem é, mas aposta na hipótese de Shaw. Isso, aliás, coincide com a expressão em inglês “meet your maker”, que tanto significa literalmente encontrar seu criador quanto enfrentar a própria morte — e Weyland não quer morrer. Por isso, ele permanece em repouso durante a viagem inteira, porque reservou seus últimos instantes de vida para se encontrar com o criador, o Engenheiro, imaginando que este, que lhe deu o dom da vida, também pudesse lhe conceder a eternidade. O personagem, então, segue a mesma linha de raciocínio emotiva do arquétipo representado por Shaw, enquanto sua filha, Vickers, mantém-se fria e irracional, chegando a dizê-lo que todo rei tem seu reinado, mas também tem sua queda — como se quisesse que o pai aceitasse a própria morte. No entanto, quando ela mesma está de cara com o próprio fim, inevitavelmente a racional Vickers grita um “não” que traduz o medo e o não aceitamento real da morte. Tais características disfarçadas na personagem são traduzidas no compartimento da nave onde Vickers se instala. Este é independente e pode ser expelido da Prometheus, garantindo mais dois anos de vida à pessoa que o habitar. Fora isso, quando o capitão Janek resolve jogar a Prometheus contra a nave alienígena, ela foge desesperadamente da morte.

Peter Weyland diante do único Engenheiro encontrado vivo na nave alienígena

No caso de Weyland, realmente seu fim acontece ao mesmo tempo em que ele encontra o criador, que se mostra hostil diante da criatura. Essa atitude pode ser vislumbrada desde a conversa entre David e Holloway (Logan Marshall-Green), pouco antes de o andróide inserir a gosma negra na bebida do humano. A máquina, que não age senão por ordens (expedidas por Weyland, através do capacete que David invariavelmente veste), ainda faz um jogo de perguntas com Holloway, tentando encontrar nas brechas da linguagem uma forma de também receber a autorização do cientista. Ao perguntar o que Holloway faria pela sua empreitada em busca do criador, este responde que faria qualquer coisa. E isso autoriza David a torná-lo cobaia dos experimentos de Weyland. Lembrando que, em toda a tetralogia Alien, Ripley se põe contra essa ambição da empresa. Aliás, em todos os filmes a atitude da Weyland é vista como prejudicial e insana, já que a protagonista sabe que não há como lidar com os xenomorfos, que eles são apenas máquinas de destruição e que não tem porque pesquisá-los — tanto que ela chega a jogar, no segundo filme, uma bomba atômica sobre o planeta-berçário que é vislumbrado em Alien e Aliens. Isto é, enquanto Alien é uma sequência de filmes que visam à sobrevivência, Prometheus incorpora o mito do titã que rouba o fogo na vontade de saber mais, de evoluir.

Mas, retornando às interações entre David e Holloway, é notável que o humano trata o andróide com certo desdém, fazendo piadas de sua incapacidade de ter emoções ou sentimentos, além de mencionar outras de suas limitações como ser artificial. O andróide, no entanto, é cauteloso e entende a posição em que se encontra, mas ainda assim provoca o cientista, fazendo-o pensar em analogia como seria o encontro entre ele e seu criador, pensando na própria relação entre ele e David. Talvez os criadores não fossem tão simpáticos com suas criaturas, como Holloway não é com David e como o Engenheiro não foi com os humanos que encontrou. Talvez, quando perceberem que suas criações já não são tão mais úteis ou não seguiram o caminho que previam, saem de seu controle, os criadores tentarão eliminá-los (como nas distopias, por exemplo, Matrix) — e, justamente, a nave que a tripulação de Prometheus encontra é uma instalação militar que, por motivo desconhecido, não chegou a concluir seu objetivo: ir à Terra para destruir os humanos.

Por que o criador faria isso? Não se sabe. E é esse o motivo que faz com que Shaw não queira voltar à Terra, mas seguir em uma viagem com David, quem diz saber como chegar ao planeta natal dos Engenheiros — porque a lua onde Prometheus aterrisa não é a origem dos Engenheiros, bem como não é o mesmo planetóide onde acontecem as histórias de “Alien” e “Aliens”. Isso pode ser concluído conforme o Space Jockey (aquela carapaça numa das alas da nave dos Engenheiros) de “Prometheus” não é o mesmo de “Alien” — a diferença é visível e também lógica, já que a carapaça cresce sobre o corpo do Engenheiro, transformando-se em sua armadura, e não permanecendo fechada mesmo depois que ele sai e vai de encontro com Shaw, no compartimento expelido da nave principal. Fora isso, a nave foi impedida de levantar vôo em Prometheus, que se passa antes de Alien, portanto não teria como ela ter voado para lá depois.

O fato é que muitas dessas dúvidas deixadas em aberto poderão ser respondidas na seqüência que Ridley prevê para Prometheus. Em entrevista para o site Movies.com, o diretor disse que o final, deixado em aberto, abre várias possibilidades e ele deseja fazer uma continuação, na qual exploraria para onde Shaw vai, junto de David. “Porque se lá é o Paraíso, então o Paraíso nunca pode ser o que você espera; é um lugar que tem uma conotação de ser extremamente sinistro e ameaçador” — assim como os próprios Engenheiros. Tanto quanto a busca pelo criador, o descobrimento do paraíso também é uma alegoria que permeia a história da humanidade — nós que o digamos, já que o Brasil era tido como o paraíso que os europeus descobriram. Mas, pior do que ter encontrado os Engenheiros, seria ainda descobrir quem foi que os criou. Essa questão é rapidamente levantada no filme, mas ela permanece tão em aberto na obra quanto para nós. Contudo, em uma crítica publicada recentemente no io9, considera-se a tendência suméria escolhida por Ridley para entender que, talvez, “quando nós entendemos a extensão dos mitos que envolvem deuses com ajudantes divinos, fica a pergunta se os Engenheiros foram meramente servos de algo maior” — isto é, esse “criador dos criadores”.

Complexidade pretendida, mas não alcançada

Existe ainda uma tendência daqueles que não gostaram de “Prometheus” em achar que o filme é pretensioso, que todas essas questões levantadas nesta e em outras críticas à obra deveriam aparecer no filme e não no desdobramento das interpretações feitas por outrém. Mas se pegarmos filmes como 2001, Uma Odisséia no Espaço, por exemplo, não conseguimos entender quase nada das cenas, como aquela dos macacos. Precisamos de uma ajudinha para tentar desvendar a obra e isso não a torna obscura ou pretensiosa, mas, justamente, uma obra de arte: porque provoca, instiga e se torna um meio de reflexão e não algo a ser simplesmente consumido e descartado. Quantos desdobramentos são possíveis de se imaginar a partir de filmes blockbuster? Quantas reflexões filosóficas circundam tais produções, senão as que permanecem à sombra da moralidade de rebanho, como diria Nietzsche?

O caso é que, se o espectador foi ao cinema esperando um literal prelúdio a Alien, certamente acabou frustrado, porque, apesar de Ridley Scott ter dito isso em certa altura, não foi o que aconteceu no fim das contas. “Prometheus” entra em contato com o mundo da tetralogia Alien, mas suas questões se situam em um outro âmbito, tanto que chegam a quase se contrapôr à lógica da série (como dito anteriormente). Há alguns pontos de encontro, como a empresa Weyland, uma inscrição com o formato do alien numa das paredes da nave dos Engenheiros, ou mesmo o híbrido que resulta do molusco nascido de Shaw e que se apodera do Engenheiro. Este não é o mesmo que aparece nos outros Alien, já que seus dentes não são transparentes e os caninos não são proeminentes, sua cabeça difere no formato e sua língua não é composta por uma “nova criatura”. Estes seriam, talvez, os maiores pontos de encontro com a franquia Alien — daí a decepção.

“Prometheus” é um filme mais existencialista, que se apodera da ficção científica para falar de coisas que dizem mais ao humano e à filosofia do que à tecnologia e sua extrapolação. Como diria Vilém Flusser, filósofo tcheco-brasileiro, em sua obra “Vampyroteuthis infernalis” (2011, Annablume), não se pode criar fábulas que sejam apenas teias secretadas por pesadelos e sonhos, mas deve-se “recorrer às redes das ciências, que são os únicos órgãos dos quais dispomos atualmente para orientarmo-nos nas produndezas. Não é que tais fábulas devam ser ‘ficções científicas’, isto é: científicas a serviço de pesadelos e sonhos. Devem ser ‘ciências fictícias’, isto é: superações da objetividade científica a serviço de um conhecimento concretamente humano”.

Possíveis interpretações das “falhas de roteiro”

Por que a Weyland contrataria um geólogo como o Fifield e um biólogo como o Millbourn?

Porque talvez eles tenham se mostrado profissionais competentes ou mesmo determinados a simplesmente obedecer o protocolo e terminar logo a missão, como no caso de Fifield (Sean Harris). Este, ao conversar com Holloway, já deixa claro que não está lá para fazer amigos, mas para fazer o serviço. Ele se vê preparado, torna a expedição uma piada mesmo quando Shaw revela o objetivo. No entanto, é clichê que personagens que se acham demais acabam sendo os primeiros a morrer no filme. No caso, antes disso, Fifield ainda desiste de seguir na exploração da nave, temendo encontrar algo que fuja de seu controle — há algo mais humano do que o medo? Além do mais, em todos os Alien há personagens controversos e superficiais que acabam servindo de estatística de mortes causadas pelo xenomorfo.

Por que Fifield e Millburn (Rafe Spall) se perdem na nave dos Engenheiros, quando decidem voltar à Prometheus?

Porque eles perderam contato com a Prometheus, depois da tempestade. Após Fifield ter acionado as esferas que mapeavam o lugar em um mapa holográfico, apenas a nave tinha acesso a essa informação. Com as comunicações cortadas, naturalmente eles se perderiam.

Por que Millburn tenta tocar no alien que nasce da minhoca em contato com o líquido negro?

Talvez porque, sendo biólogo, ou seja, tendo domínio e conhecimento sobre diversas espécies, ele pensou que conseguiria domar o alienígena. Na verdade, se reparar bem, ele trata o bicho como se fosse uma cobra, tentando domá-la pelo olhar para então sabotá-la e tomá-la em mãos. Porém, quando ele faz isso, o alien se enrola em seu braço.

Por que o alien que veio da Shaw parece um molusco, quando em Alien não se tem nada parecido?

Possivelmente se trata de uma alusão ou homenagem ao escritor H.P. Lovecraft. É conhecido que seu livro, Nas Montanhas da Loucura (1936), foi usado como uma das principais fontes de pesquisa da franquia Alien. A obra trata de uma expedição científica à Antártida, na qual se descobrem seres extraterrestres antigos, os “Elder Things”, que chegaram à Terra milhões de anos atrás. Quando a expedição é surpreendida por um “Elder Thing” que é reanimado, o restante dos exploradores acabam achando uma enorme cidade alien abandonada. Lá eles descobrem que essas criaturas que criaram o local foram extintas por uma raça de seres amorfos e gelatinosos, conhecidos como “Shoggoth”, dos quais se tornaram escravos. Daí já tiramos muito da história de Prometheus, sendo que o líquido negro germinante do filme de Ridley Scott tem muito a ver com esse Shoggoth. Tendo isso dito, a comparação entre o molusco que sai do ventre de Shaw e o Cthulhu não mais parece estranha.

Por que a tripulação tirou o capacete, se ainda poderia ocorrer risco de contaminação?

Boa pergunta, mas ela não aconteceu por vias aéreas, no fim das contas.

Por que aparecem hologramas dos Engenheiros fugindo?

Talvez este holograma seja como uma gravação das câmeras de segurança que temos hoje. Ele foi acionado pelo David, e aí começou a ser rodado o que havia acontecido nos últimos instantes após a ocorrência que impediu que os Engenheiros erguessem vôo rumo à Terra.

Por que o Engenheiro decapitado está indo de encontro com os vasos com a gosma negra, se ela é capaz de matá-lo, como visto no começo do filme?

Não dá para saber exatamente o motivo, mas essa gosma seria talvez a arma química que eles usariam contra os humanos. É também uma substância que também é danosa a eles, assim como a bomba atômica, as granadas e os mísseis também são capazes de matar aqueles que os disparam durante uma guerra.

Como que a Shaw, depois da cirurgia, ainda consegue fazer tudo o que faz?

Porque ela é a heroína e porque o filme também é de ação. Não tem porquê reclamar disso, já que em praticamente todas as obras de ficção, vale lembrar, com heróis protagonistas sempre há uma trajetória épica e super-humana por parte dessas personagens. Se não extrapolam na força, extrapolam na coragem ou na sorte e por aí vai… Pode ser um problema, mas é algo que já está disseminado no gênero.

Por que o capitão resolve se jogar contra a nave alienígena?

Em uma conversa com a Shaw, ele comenta que ele estava naquela missão justamente para não deixar as coisas saírem dos trilhos. E que ele faria qualquer coisa para impedir que a humanidade sofresse com as conseqüências daquela missão. Portanto, sua atitude suicida tem a mesma essência das atitudes de Ellen Ripley, nos outros filmes, e os outros assistentes de vôo o seguem nessa empreitada, arrematando a passagem mártir.

Por que o Weyland só aparece depois?

Porque, como já dito, ele estava em repouso, economizando suas últimas forças para poder se encontrar com o criador antes de morrer.

Referências culturais ao longo do filme

“Paraíso perdido”

A primeira cena do filme, na qual um Engenheiro bebe o líquido negro à beira de uma cachoeira, tem a ver com os mitos antigos dos príncipes que serviam e então se sacrificavam, de modo a fertilizar a terra com seus corpos. Contudo, essa cena ainda remete aos anjos caídos presentes no poema “Paradise Lost”, do poeta inglês John Milton. Vale dizer também que, antes de “Prometheus” receber esse nome, Ridley pensou em chamá-lo Paradise, mas foi aconselhado de que esse título tornaria a influência muito óbvia.

William Blake

A figura dos Engenheiros lembra muito os seres sobrenaturais que aparecem nos desenhos do poeta romântico e artista William Blake. Mais conhecido por suas imagens (inclusive, ele ilustrou o “Paradise Lost” de Milton e o “Inferno” de Dante Alighieri), estas são preenchidas por seres pálidos e muscolosos de aspecto celestial, além de serpentes e bestas com tentáculos.

Eram os deuses astronautas?

O livro Chariots of the Gods? Unsolved Mysteries of the Past (1968), de Erich von Däniken, aborda justamente a idéia de que “astronautas ancestrais” trouxeram tecnologia avançada e até mesmo vida à Terra. Dentre as afirmações feitas pelo autor está a de que os milagres descritos na Bíblia e em outras religiões ancestrais (desde a Roda de Ezequiel às histórias de anjos e deuses descendo à Terra em carruagens), na verdade, tratam-se de encontros com seres alienígenas. Von Däniken ainda aponta que esses extraterrestres ancestrais teriam “plantado” a vida na Terra com seu próprio DNA (daí a primeira cena de “Prometheus”) e que teriam trazido a tecnologia que possibilitou a construção das pirâmides. Tais conteúdos serviram de inspiração também ao já citado H.P. Lovecraft.

Espectador compara o posicionamento dos corpos celestes no mapa estelar apontado em Prometheus com a constelação de Orion

Pinturas rupestres

As pinturas que Elizabeth Shaw descobre, logo no começo do filme, em um lugar chamado Isle de Skye, têm a ver com as pinturas paleolíticas encontradas no sul e no oeste da França (Chauvet, Trois-Frères, Lascaux) e no norte da Espanha (Altamira). Mas, mais que isso, existem realmente pinturas antigas que registram constelações, assim como pode ser visto nesse link. Ademais, as civilizações apresentadas como autoras das imagens expostas pelo casal (maia, mesopotâmica e havaiana) têm como característica em comum um grande desenvolvimento na área da astronomia. Os mesopotâmicos e os maias construíram observatórios dos quais eles tiravam medidas detalhadas de corpos celestes, e os havaianos e moradores de ilhas do Pacífico só conseguiram atravessar longas distâncias através do oceano por causa de sua capacidade de guiar as navegações a partir das estrelas.

Lawrence da Arábia

Este é o nome do filme que David vê no começo de Prometheus. A obra, dirigida por David Lean em 1962, é uma das preferidas de Ridley Scott. Fascinado pelas imagens e pelos diálogos, o andróide repete algumas citações ao longo do enredo, tais como “Não há nada no deserto, e nenhum homem precisa de nada” (enquanto ele explora a nave alienígena) ou então “Coisas grandes têm começos pequenos” ao examinar a gosma, já na nave Prometheus. Essa mesma frase é também dita por Peter Weyland, uma vez que tanto ele quanto o andróide têm ciência da natureza perigosa da biotecnologia com a qual estão lidando. Fora isso, o fato de David ter tingido seu cabelo de loiro, por causa de um dos personagens de Lawrence da Arábia, indica que ele não é uma máquina comum, mas que está desenvolvendo uma personalidade complexa.

A cabeça gigantesca

Essa escultura, encontrada numa espécie de santuário dos Engenheiros, é uma das principais imagens de “Prometheus”. Representando tanto um deus quanto um rei poderoso, a grande cabeça simboliza também o orgulho dessa raça alienígena. É conhecido que várias civilizações antigas esculpiram gigantescas cabeças, como foi o caso dos olmecas, egípcios e cambojamos, e mais recentemente os habitantes da Ilha da Páscoa. Em Roma, a cabeça colossal do imperador Constantino está exposta no Museu Capitoline — apesar de boa parte da escultura ter desaparecido. Além disso, a cabeça representa um elemento totêmico de admiração, lembrando os apontamentos de Freud sobre a temática.

“The Deluge” (1834), de John Martin

O medo do deus vingador

No fim de Prometheus, Shaw questiona aquilo que muitos espectadores também tiveram curiosidade em saber: por que os Engenheiros criaram os humanos para depois querer destruí-los? Esta é uma alusão tanto ao mito bíblico da enchente, na qual Deus extingue a humanidade por causa de sua maldade, e também ao mito grego de Deucalion, na qual Zeus manda uma enchete para extinguir os humanos devido a sua tolice. Em ambas as hitórias, inclusive, há a forte presença de um casal: Noé e sua esposa, na Bíblia; Deucalion (filho de Prometeus) e Pyrrha, no mito grego. Estes sobrevivem e, então, regeneram a raça humana. No caso de Prometheus, sobra o casal de uma humana e um andróide.

Enfim, são algumas formas de se pensar o filme, mas nada que realmente seja uma verdade absoluta. Só fica aí um norteio para quem não entendeu ou para quem achou que o filme é raso ou ilógico. Sobre os erros de lógica e de roteiro, lembrem-se que os outros filmes da franquia possuem problemas ainda mais críticos, como o fim de Aliens, quando a Ripley abre uma porta para o vácuo do espaço e tudo passa a ser sugado — inclusive o alien, que se segura na perna da protagonista, a qual, ainda assim, sobe a escada e se livra do xenomorfo.

No fim das contas, para terminar citando um artista curioso e polêmico, Douglas Pearce (da banda Death in June), “toda arte, seja em forma de música, literatura, pintura etc que se preze deve estar aberta à intepretação. (…) Esta é a natureza da arte que desafia ou confronta o consumidor, ou o consumidor em potencial, a ter outra interpretação”.

Referências

Decoding the Cultural Influences in “Prometheus”, From Lovecraft to Halo. The Atlantic.

Ridley Scott fala da continuação e sai uma foto com um importante trecho deletado do filme. Omelete.

FLUSSER, Vilém. Vampyroteuthis infernalis. São Paulo: Annablume, 2011

HERSCHEL, Wayne. The hidden records.

HESSEL, Marcelo. Vamos falar sobre sexo? Crítica de Prometheus. Omelete.

WILLIAMS, David J. One theory that finally explains what’s going on in Prometheus. io9

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Lidia Zuin
Ponto Ômega

Brazilian journalist, MA in Semiotics and PhD in Visual Arts. Researcher and essayist. Technical and science fiction writer.