2016: o ano do robô e do futurismo fashion

Lidia Zuin
Ponto Ômega
6 min readDec 6, 2016

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De personagens de animação fazendo campanhas até robôs posando para editoriais, 2016 se torna história ao marcar a moda com futurismo e tecnologia

Quebrando uma longa tradição no âmbito da moda ocidental, este ano a Louis Vuitton resolveu ter como cover girl de sua coleção de primavera/verão 2017 uma personagem fictícia ou, mais especificamente, a protagonista do videogame Final Fantasy XIII, Lightning. Em uma série de três vídeos intitulada SERIES 4, a grife quis trabalhar seu conceito de heroína a partir de uma personagem de videogame, assim explorando “as infinitas possibilidades do mundo virtual [… pedindo] a essa personagem fantástica para que interpretasse a essência de uma heroína.”

A ideia, portanto, era ir além das fronteiras da realidade e do sonho, ultrapassando conceitos de real, virtual, encarnado e metafórico ao trazer Lightning como ícone do tema que permeou pela coleção cheia de referências à cultura pop japonesa, também incorporadas pela modelo Fernanda Ly que desfilou o mesmo modelito vestido por Lightning no vídeo abaixo, durante a Paris Fashion Week e também em outro curta promocional dirigido por Mark Lebon.

Também na mesma PFW, Karl Lagerfeld lançou uma coleção que talvez possa não ser considerada tão inovadora em termos de design (até porque teve muita inspiração vinda dos anos 90), mas a atmosfera criada para o desfile da Chanel chamou a atenção pelo tema dominante da tecnologia. Seja no convite que emulou o símbolo da grife com cabos ou, especialmente, ao transformar o Grand Palais no “Data Center Chanel” com fileiras de servidores cuspindo os mesmos cabos coloridos do convite, a coleção de primavera 2017 foi apresentada por duas modelos vestidas de robô em um estilo Daft Punk vintage.

Já a edição de dezembro da Elle Brasil trouxe a robô Sophia, que foi criada pela Hanson Robotic a partir da imagem de Audrey Hepburn. A equipe de reportagem local foi até Hong Kong para entrevistar a ginoide, mas infelizmente o texto da revista é focado apenas no ponto de vista da jornalista impressionada pela tecnologia ou pelos bugs dela (houve um problema de wifi, impossibilitando uma conexão direta com a nuvem onde a mente de Sophia está armazenada, daí o nome Mindcloud). De qualquer forma, é importante que uma publicação brasileira relevante na área da moda esteja dando espaço para a discussão da robótica, inclusive propondo uma campanha fotográfica — provavelmente um dos primeiros exemplos, senão o primeiro, já que tais criações são tão recentes.

O tema do robô na moda, obviamente, não é uma novidade e Lagerfeld já trabalhou com a referência para Vogue Germany em 2010, quando prestou homenagem ao filme Metropolis de Fritz Lang. Depois do hype dos robôs femininos que seguiam o estilo do American Dream nos anos 1960 (ou mesmo o estilo sexy visto em Barbarella e The Stepford Wives), o robô fashion se tornou a máquina curiosa em meio às modelos que, frequentemente, adotavam um estilo mais retrógrado em comparação ao personagem. Em 2003, Steven Klein fotografou um editorial para a Vogue Italia incluindo robôs à inspiração de filmes como Star Wars e O Homem Bicentenário, assim como também um dos exemplares se assemelhava aos cylons de Battlestar Galactica.

Steven Klein para a Vogue Italia, em 2003

Do mesmo modo proposto pela Elle este ano, esse contraste entre o futurismo do robô com uma moda renascentista foi também um elemento marcante na moda do jogo Deus Ex: Human Revolution, por exemplo. Vestir Sophia com Dolce & Gabbana e peças com detalhes barrocos fez com que o editorial muito se assemelhasse à estética empregada no videogame criado pela Eidos Montreal, especialmente no design da personagem Eliza Cassan.

Mais recentemente, em 2015, Klein também fotografou as modelos Lara Stone e Kendall Jenner para o editorial Love Machine da W Magazine, trazendo novamente uma abordagem mais sensual e até beirando ao fetichismo. Por outro lado, a moda de subcultura cybergoth também trabalha com a estética do robô desde meados dos anos 1990, ainda que de forma bem específica e que inspirou também a mais recente coleção de Marc Jacobs quando este acrescentou dreadlocks ao desfile que aconteceu durante a última New York Fashion Week.

Como curiosidade, também vale citar a marca britânica Cyberdog que traz essa inspiração do universo raver desde 1994, tanto na atual fachada da loja em Camden Town até os próprios itens, incluindo uma seção inteiramente dedicada a brinquedos eróticos supertecnológicos. Nesse sentido, a relação entre robôs e sexualidade está também bem próxima no mundo da moda, além do próprio mercado erótico com empresas como a RealDoll.

Loja da Cyberdog em Londres

Por outro lado, com o gradual desenvolvimento e barateamento de novas tecnologias, como a impressão 3D, fazem com que o papel do robô na moda seja pensado também como produtor. Em entrevista para a Elle Brasil, os criadores de Sophia disseram que pretendem dar pernas funcionais à ginoide já no ano que vem, assim possibilitando que ela, inclusive, participe de um desfile. Mas o futuro ainda mais próximo dos robôs fashion está tanto na confecção quanto no design de roupas.

Como relatado no site Business of Fashion, empresas como a SoftWear Automation estão desenvolvendo um mercado fashion utilizando robôs para criar roupas. A partir da interpretação de fotografias, as máquinas trabalham com uma confecção precisa. “Nossos robôs sabem quando o tecido está sendo esticado e exatamente o quanto, e eles podem fazer ajustes de acordo”, explicou KP Reddy, chefe-executivo da empresa.

Mas o procedimento também vai estar presente nas nossas casas, como indicado em reportagem do Bloomberg. Inspirada pelas criações da designer holandesa Iris Van Herpen, que se utiliza de alta tecnologia para a criação das formas exóticas que caracterizam seu estilo, a publicação apresentou o Makerbot como uma possibilidade de os consumidores passarem a imprimir suas próprias roupas em casa usando softwares como os da Materialise para criar modelos. “No começo, as roupas eram bem rígidas, quase como uma armadura. Mas lentamente algumas mudanças foram feitas para que o design se tornasse mais flexível”, comentou Joris Debo, diretor criativo da Materialise. Isto é, ajustes ainda estão sendo feitos, mas a previsão é de que logo as impressoras consigam criar roupas flexíveis e macias como as que usamos hoje.

Coleção de outono 2016 de Iris Van Herpen. Em entrevista para a Vogue, a designer revelou que já criava vestidos impressos em 3D em 2009. Segundo ela, a primeira peça que imprimiu demorou sete dias, 24 horas por dia, para ser concluída.

Para além disso, o futuro da moda também está nos wearables, isto é, acessórios e roupas inteligentes e que podem inclusive ter conexão com tecnologias em alta como a internet das coisas. É o caso da tatuagem adesiva DuoSkin criada por estudantes do MIT. Também desenhada para se assemelhar a um colar e jóias em geral, a tatuagem pode levar LEDs decorativos, então firmando-se como um adereço tecnológico que garante a conexão com outros dispositivos eletrônicos usando NFC (Near field communication), a mesma tecnologia também usada no chip que implantei durante o Wired Festival Brasil e que será detalhado em outro post.

Assim, 2016 acaba com uma lista enorme de coisas ruins, mas também com uma série de novidades e notícias que nos fazem ter esperança de que o ano que vem trará mais tempo e conhecimento para que essas descobertas sejam ainda melhor desenvolvidas. De qualquer forma, no entanto, é seguro dizer que 2016 foi um marco na história de diferentes tecnologias, especialmente a realidade virtual, mas também não deixou de marcar presença no âmbito da moda.

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Lidia Zuin
Ponto Ômega

Brazilian journalist, MA in Semiotics and PhD in Visual Arts. Researcher and essayist. Technical and science fiction writer.